sexta-feira, setembro 12, 2014

Desejo

"(...) existem muitas pessoas 
que pensam como revolucionários
 e sentem como filisteus."

- Leon Trotski, Literatura e Revolução

Anseio
vazio
no peito um aperto
um buraco negro
dragando 
pensamentos, sentimentos, horas, dias, rotinas.

Anseio
na cabeça não param
compromissos, horários, contextos,
é tudo desejo.

Em mim, também, a anatomia ficou louca:
sou só coração.

Nas circunvoluções emaranhadas de teu cérebro,
nas páginas nunca escritas de teus diários,
nos teus sonhos indecifráveis:
onde se escondem teus desejos?

Quem coloca a vida a prova,
o faz por paixão.

Como pode esse amanhã que não é teu
instigar esse desejo violento?
Em que hoje que mora esse seu embrião de futuro?
De que gestação acalentada por teus sonhos virá a poesia?

Olhando em volta, às vezes se vê
bandeiras vermelhas autômatas,
recortes remastigados e repisados em panfletos de hoje (ontem?)
um emprego sem salário para dizer que fez sua parte,
e depois de um dia de trabalho estúpido,
deitar a cabeça cansada um pouco menos culpada.
Para quê?

O mundo é muito maior do que uma fórmula gasta e requentada
na qual um sorriso desolado diz:  "foi o que deu pra fazer".
É necessário o sentimento do mundo 
para torná-lo parte de nossas veias, de nossos sonhos e pesadelos,
é necessário o ódio visceral para vomitá-lo sobre nossos inimigos,
Só se pode mudar a vida
fazendo das nossas bandeiras o estandarte do desejo.

Esse sonho gasto e sem paixão
que a eles centralizou feito bobos
em mais uma morna reunião.
Com os braços em riste, como os de um espantalho,
repetiu no microfone mais esta receita pronta.
Isso não é digno desse nome: sonho.

Os sonhos são aqueles construídos do desejo
no frigir dos dias, das dores, dos feitos.
Os sonhos são aqueles que vi na senhora que empurrava
o escudo do policial armado até os dentes.
No braço que lançou seu ódio encarnado em uma pedra
e nos olhos que ardiam enquanto se chutava as bombas.
Os sonhos estão nas vozes que gritam sem esmorecer,
que passam as noites acordadas na apreensão de não saber,
que não arregam diante do incerto,
que arriscam o pouco de hoje pelo talvez do amanhã.
E sabem que temos um mundo inteiro a ganhar.

Os desejos não estão só no calor das batalhas.
Eles estão na poesia, e por ela lutamos,
na sua rotina, entre o um e o outro,
ela se esconde, e é necessário espremê-la das pedras
só o desejo pode extraí-la dos esconderijos improváveis
e transformá-la no porquê de nossos dias.

Não há natureza, exceto o desejo.
Ele é teu pai, tua mãe, teu guia. 
Nas lutas, nos teus braços, o encontro.
Sempre, a me levar pela mão.
Veloz, vagaroso, confuso e lúcido.

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