sexta-feira, novembro 14, 2014

Os médicos que tudo podem, os pretos que nada podem

Veio à tona um escândalo na Faculdade de Medicina da USP, onde os alunos estupravam sistematicamente suas colegas mulheres, tanto utilizando drogas nas festas como a coação física, como mostram os relatos de diversas estudantes, que deram depoimentos da Assembleia Legislativa (ALESP) e na mídia.

É monstruoso, chocante, mas, infelizmente, para quem já conheceu uma faculdade de medicina por dentro, como eu tive o desprazer de fazer, não chega a ser surpreendente. Um pouco dessa falta de espanto é demonstrável pela atitude do diretor da Faculdade de Medicina, ao pressionar os deputados pelo cancelamento da audiência pública na ALESP sobre os casos de estupro. O diretor queria evitar jogar o nome da faculdade na lama. Quem, inclusive, quer contribuir dentro da faculdade para "jogar o nome na lama" é caçado e expulso: assim aconteceu com Paulo Saldiva, que dirigia a apuração interna da USP sobre os casos, em relação aos quais a universidade, evidentemente, cala e faz de tudo para abafar.

É isso: o nome deles nunca deve estar na lama, mas eles mesmos só existem na lama. A lama da "máfia de branco", como me apresentou meu veterano quando passei pela Medicina Santo Amaro. A máfia de branco que "protege os seus", escondendo casos de negligência médica, lucrando fortunar com seus esquemas com laboratórios, fazendo seu pequeno clube de privilegiados, de médicos que se consideram pessoas superiores às outras.

A sociedade assim o diz: os médicos, grandes detentores do saber, da verdade, dos diplomas de medicina, da regulação de nossos corpos e mentes. Eles detém a autoridade para falar sobre nossa vida e nossa morte. E, por que então não poderiam fazer sexo quando quisessem, com quem quisessem e como quisessem? Eles podem tudo, e têm a certeza absoluta da impunidade. Quando matam pacientes por negligência ficam impunes, porque com um estupro na faculdade seria diferente?

Já falei um pouco sobre como funciona essa casta de privilegiados antes por aqui. Relatei, por exemplo, o hino da faculdade onde estudei, e seu caráter reacionário e machista. Esse tipo de música, aliás, não é exclusividade da medicina, mas é praticamente unânime entre todas as atléticas universitárias. Claro que, querendo estar sempre em primeiro lugar, nesse quesito também a medicina quer ser a campeã, e por isso investiu em fazer as mais degradantes, retrógradas e asqueirosas músicas, como foi divulgado recentemente sobre a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, também da USP. Numa mistura de misoginia e racismo, a música é um verdadeiro hino à imbecilidade, mostrando o quão baixo pode chegar o pensamento desses exemplares da "elite" de nossa sociedade.

Pixação mostra a ideologia da "elite universitária"

A medicina, enquanto for um produto a ser vendido - e muito caro - e também um símbolo de status para ser consumido por imbecis deste calibre, que ao ingressar no curso passam a se julgar no direito de tratar todos os demais seres humanos como "carne barata" (em particular os pacientes pobres, negros e as mulheres), está fadada a reproduzir esse tipo de monstruosidade que vemos acontecer todos os dias. É um pouco do que Foucault explica com seu conceito de "biopoder", de como a medicina passa a ser uma instituição social reguladora. Isso não pode acabar dentro de uma sociedade onde tudo é mercadoria. Enquanto houver capitalismo, a medicina não pode ter outra face.

Enquanto eram divulgados esses escândalos, que a direção da faculdade de medicina e da USP tentam em vão abafar com todos os seus recursos, surgiu outra notícia na mídia sobre pessoas que estão bem distantes da faculdade de medicina: imigrantes haitianos em São Paulo. 300 deles estavam morando como podiam em um prédio no centro da cidade, quando foram desalojados pela polícia militar, que exercia sua função mais importante: a manutenção da propriedade dos ricos em detrimento do direito dos pobres.

Os imigrantes haitianos vieram ao Brasil procurando emprego, procurando fugir da miséria que corrói a população de seu país há gerações. Os haitianos dizem que foram iludidos a vir para o Brasil pelo governo. Não têm aqui alojamento, saúde ou escola, e a maior parte deles não sabe falar português. Foram avisados que perderiam suas casas provisórias e precárias pelas tropas do batalhão de choque em frente ao seu prédio.

Imigrantes haitianos em Brasiléia, no Acre, vivem em alojamentos precários

Da mesma forma que os estupros da medicina e os privilégios dos médicos, a miséria que assola o povo haitiano não se fez por milagre. Ela foi imposta com muito sangue após o Haiti fazer a primeira revolução negra na história, sendo o primeiro país a abolir a escravidão no mundo, derrotando as tropas de Napoleão para conquistar sua independência. Eles foram um exemplo para todos os escravos e negros do mundo; um exemplo que precisava ser sufocado. E séculos de opressão imperialista seguiram esse fato, destruindo completamente a economia haitiana e colocando ali ditaduras fantoches, impedindo seu povo de exercer a liberdade que conquistaram com a luta. Nessa história de escravidão, o Brasil tem seu quinhão: há des anos está dirigindo as tropas da ONU (MINUSTAH), que mantém uma ocupação militar no país. Essas tropas reprimem greves operárias, manifestações estudantis, qualquer organização do povo.

Como os estudantes de medicina da USP, os soldados da MINUSTAH se sentem muito poderosos diante do povo que oprimem, portanto suas armas com licença da ONU para matar. Como na medicina da USP, eles usam sua autoridade para estuprar mulheres, muitas vezes em troca de comida para que elas possam alimentar seus filhos famintos. A comida mais popular no Haiti hoje são biscoitos feitos de barro.

Quando os haitianos saem de seu país para procurar empregos, eles encontram mais miséria e exploração. Muitos deles têm chegado ao Brasil, e trezentos calharam de chegar a São Paulo, e encontrar um lugar para morar em um prédio vazio no centro. O prédio é uma propriedade privada, cujo proprietário é a Arquidiocese de São Paulo, aquela mesma Igreja Católica que durante séculos legitimou ideologicamente a escravidão contra a qual os haitianos lutaram e venceram. Essa Igreja, tão caridosa, recorreu à Polícia Militar para expulsar os haitianos de seu prédio e poder continuar a fazer sua caridade. Os haitianos, que não sabiam disso pois estão em um país estrangeiro cuja língua não falam, foram enganados por alguém que lhes cobrava aluguel para morar na propriedade da Igreja. A polícia, no entanto, não quer saber de quem enganou os haitianos: o que ela quer é defender a propriedade da Igreja, e para isso mobiliza suas tropas e desvia o rumo de 30 linhas de ônibus para poder fazer valer sua lei de ferro e fogo.

Em um mundo como o nosso, funciona assim: os pretos foram mercadoria durante séculos para que os brancos os comprassem e vendessem. Hoje, são mão de obra barata e não têm direito a morar no prédio que é da milionária e poderosa Igreja que legitimou sua escravidão. Já os brancos bem nascidos estudam medicina e estupram suas colegas, assassinam seus pacientes, e ainda fazem músicas que cantam em alto e bom tom orgulhando-se disso. Se há alguém que possa encontrar argumentos justos para defender esse mundo, que fale agora. Se ela é indefensável, como eu acredito que seja, não fiquemos assistindo sua injustiça calados. Mudemos ela com urgência.

segunda-feira, novembro 10, 2014

Entrevista com Rodrigo Ciríaco, autor de "Te pego lá fora"



Na próxima terça-feira a Editora DSOP irá relançar um livro que, a meu ver, já se tornou um clássico da literatura contemporânea brasileira. O "Te pego lá fora", de Rodrigo Ciríaco, lançado originalmente em 2008 pelas Edições Toró.

O lançamento vai ser 18 de novembro, a partir das 19h, na Livraria Cultura. Tive o privilégio de estar no primeiro lançamento há seis anos e pretendo ir novamente nesse.

Aproveito a deixa pra publicar aqui uma entrevista que o Rodrigo gentilmente me cedeu em 2008 para um trabalho da matéria de Didática que estava fazendo na licenciatura. Várias perguntas são baseadas nos contos de "Te pego lá fora", então pode ajudar a deixar o pessoal um pouco mais curioso pra ir no lançamento.




Entrevistador:  Conte um pouco sobre sua formação escolar. Onde estudou? Como era a escola? Como era sua relação com colegas, professores, funcionários, instituição?

Rodrigo: Estudei na Escola Estadual Profa. Irene Branco da Silva. Fica na Vila Rui Barbosa, subdistrito da Penha, Zona leste de São Paulo. Era uma boa escola na época que entrei e que foi se degradando com o tempo. Havia turmas de todos os períodos (na época, Primeiro e Segundo Grau), e lembro de ter participado de atividades no laboratório, biblioteca, quadra, além, claro, da sala de aula. Utilizei bem todos os recursos pedagógicos disponíveis.
            Eu era um CDF na escola. Só que não era um cara fechado, quadradão; pelo menos não depois da oitava série, quando passei a estudar no período noturno. Tive uma relação muito boa com colegas de classe, funcionários, professores da escola, ou seja, com toda a instituição. Claro, até o momento que eu fiz o papel de “bom-mocinho”, pois quando fui tentar organizar uma festa para ajudar um professor muito querido por todos na escola que estava com um sério problema de saúde, tive uma relação conflituosa com a direção, que não queria autorizar a festa. Fiz um abaixo-assinado, colhi centenas de assinaturas, discuti a questão com colegas da escola e, mesmo não tendo realizado a atividade, foi importante para marcar posição e provocar a direção; além de constatar que eles nem sempre faziam o que era melhor para os alunos, mas o que era conveniente para eles.

E:  O que motivou sua escolha pela carreira de professor? Quando tomou esta decisão?

R.: O que motivou mesmo a minha escolha pela carreira foi ter conhecido bons professores de história ao longo de minha trajetória discente, em especial nos últimos anos do Segundo Grau e um professor do cursinho. Mas, como eu falei, eu era um aluno CDF. E gostava de sentar com colegas, ajudá-los nos momentos de dificuldade, participar de seminários, etc. Acho que eu já tinha uma pré-disposição para a carreira docente. Mas a decisão, mesmo, só foi aos quarenta minutos do segundo tempo, pouco antes de indicar a opção nos vestibulares da Unesp e Fuvest. Antes, eu havia pensado também em Psicologia.

E:  Na sua descrição que aparece no livro “Te pego lá fora” é dito que você já recebeu propostas para lecionar em instituições de ensino privado. No entanto, você recusou. Por que esta opção pelo ensino público? Para você, o que está em jogo na oposição entre ensino público e privado?

R.: Primeiro, eu sempre estudei em instituições públicas de ensino. Desde o pré, até a Faculdade (formei-me na USP). Tenho uma convicção de que todo o investimento de dinheiro público que foi feito na minha formação, na minha pessoa, tem que, de certa forma, ter um retorno à sociedade. Acredito que este retorno se dá a partir do momento em que eu faço a opção de trabalhar numa instituição pública de ensino, apesar das enormes dificuldades: administrativa, organizacional, salarial, pedagógica, etc.
            Outra coisa é que eu acredito que a Educação deveria ser pública, gratuita e de qualidade, para todos. Sem distinção. A partir do momento que transformamos a Educação em mais uma mercadoria, separamos o que algo é algo de Direito para todos em um objeto de consumo – com variantes qualitativas – disponíveis para poucos, reproduzimos um problema seríssimo: a desigualdade. Então, por isso esta opção pelo ensino público, gratuito.
            Hoje em dia eu até repenso esta minha opção em não trabalhar em colégios particulares. Em certos momentos eu acho que até deveria estar lá para provocar esta instituição, provocar os valores que ela traz em si e os valores que os alunos que a freqüentam possuem. Mas não sei se conseguiria conciliar com o ensino no Estado e, dentro da minha chatice, sinceridade e seriedade que compartilho na minha profissão, acho que não duraria muito tempo também.

E: Conte um pouco sobre suas primeiras impressões como professor. O que mais lhe marcou no início da vida docente? O que foi mais fácil/difícil, interessante, etc?

R.: O que mais me marcou no início foi o “batismo de fogo”, realizado pelos professores. Lembro muito bem da experiência que foi a primeira vez que eu entrei numa sala de professores: as pessoas me olhando, tal qual eu fosse um animal, um objeto estranho. Uma curiosidade excessiva de olhares sobre a minha pessoa, uma coisa invasiva. Eu tinha apenas vinte anos, uma cara de moleque de Ensino Médio na sala dos “Veteranos”. Quando eles souberam que eu era o professor substituto que havia atribuído algumas aulas livres, quase deram risada. O que choveu foi conselho: - “Olha, cuidado. Nessa escola só tem animal.” “Rapaz, bem-vindo. Seja firme, você vai entrar numa jaula.” Foram estas palavras utilizadas. Ou seja, recepção melhor, não podia ter existido...
            Para mim o que foi mais fácil foi a relação com os alunos. Descobrir que eles não são aqueles “animais” que os professores apontam. São difíceis de lidar, como toda criança e adolescente algumas vezes são muito difíceis, mas não a ponto de desumaniza-los daquela maneira. Procurei sempre vê-los como gente, como pessoas, em primeiro lugar tratá-los com respeito para poder exigir isso deles. Isso facilitou muito.
            A minha maior dificuldade foi com a minha insegurança. A dificuldade em acreditar que eu era capaz de lecionar, que eu podia fazer aquele trabalho. Isso foi, e em partes ainda é, o mais difícil para mim. Com o tempo eu descobri que a experiência prática das coisas vai nos trazendo mais segurança. O tempo é um fator muito importante. E além disso, a preparação, o estudo, são vitais para diminuir esta sensação. Quanto mais preparado, mais organizado em relação ao que ia fazer eu estava, menos inseguro eu ficava. Ainda que nada do que eu tivesse preparado fosse executado da maneira como eu pensei, se eu me preparei, mais seguro estava.

E: O conjunto de experiências relatadas em seu livro chama a atenção para diversos problemas encontrados em grande parte das escolas públicas atualmente. Gostaríamos que você relatasse um pouco como você enfrenta alguns destes problemas, por exemplo:

a) Em contos como “Cara-de pau”, “Um estranho no cano”, “Socá pra dentro”, “Medo”, podemos perceber uma relação extremamente hostil dos professores e funcionários da escola em relação aos alunos, que são frequentemente insultados, ofendidos, humilhados e até mesmo agredidos fisicamente. Como você lida com esta situação no seu dia-a-dia? Você tem alguma opinião sobre as possíveis causas deste problema?


R.: Com muita revolta. A hostilidade, ofensas, humilhação e violência é uma situação quase que cotidiana dentro da escola. Tanto por parte de alguns alunos, quanto por parte de funcionários e professores.
            Da minha parte, eu tento lidar com esta situação através do diálogo, respeito. Algo que não abro mão dentro de sala de aula ou da própria escola é o respeito.    Estabelecermos sempre uma relação cordial, onde as regras do contrato – pedagógico – tem que ser claras, o papel de cada um naquele espaço, tem que estar claro. E quando não estão, quando este contrato é violado, por alguma das partes, tem que sentar e conversar. O diálogo, a clareza das coisas é fundamental dentro da escola. E quando o diálogo, a conversa, a clareza das coisas não funciona, sanções, reparações e punições devem ser aplicadas.
            Com relação a colegas e alunos, tento orientar, ambas as partes. Se observo alguma postura que não gosto de algum companheiro, tento chegar, conversar. Se for amigo, um bate-papo informal, trocar uma idéia; se não for, expor a situação, o problema em algum espaço legitimado para isso, seja um HTPC, seja um conselho de classe. E, no caso do aluno, eu relato o que ele pode fazer a nível institucional para resolver o problema.
            Algumas idéias sobre a causa deste problema eu penso que são: a desorganização do espaço escolar, tanto administrativamente quanto pedagogicamente; a falta de autoridade (não autoritarismo) e profissionalismo por parte de alguns profissionais da educação; a falta de regras claras que definam os papéis de cada um dentro daquele espaço, entre outros.

b) Em contos como “A.B.C.”, “Aprendiz”, “Bia não quer merendar”, “Nos embalos”, “Questão de postura”, “Miolo mole frito”, “A placa”, são retratadas situações que muitas vezes ultrapassam os muros da escola e mostram a extrema violência, em diversos aspectos, a que estão submetidos os alunos. Em diversos casos tais situações chegam a provocar a evasão escolar, como em “A placa”. Como você encara esta situação? E a instituição escolar? Há alguma preocupação com a vida dos estudantes por parte dela?

R.: Vejo isto como um problema muito sério. Na escola, acabamos por estabelecer uma relação humana, pedagógica, social com os alunos, baseada principalmente na confiança. Depois que você está há um tempo na escola – pelo menos um ano, um ano e meio, acredito – desenvolvendo um trabalho sério com uma mesma turma, você consegue adquirir a extrema confiança deles. E com isso, muitos destes casos que aparecem as vezes de maneira superficial – no sentido de só vermos a ponta do iceberg – são apresentados a você de uma maneira mais profunda, mais intensa, até como forma de compartilhar não apenas a violência, o problema, mas a sua solução.
            Da minha parte, procuro não me omitir quando vejo uma situação destas. Converso muito com os alunos, com o seu consenso informo a situação à Coordenação, à Direção da escola; se necessário converso com os responsáveis. A questão das drogas, a violência doméstica, o abuso sexual, o trabalho infantil, entre outros, são questões que estão colocadas, existem, não podem ser ignoradas. Só que é muito difícil lidar com isto já que muitas vezes lidamos sozinhos com estas situações. A escola, enquanto instituição, deveria responsabilizar-se, mas infelizmente não o faz, e quando o faz, faz de uma maneira equivocada. Eu creio que os profissionais que fazem parte dela não estão preparados – como muitas vezes eu não estou – mas o maior problema é o desejo de não querer se aprofundar nestas questões, já que elas demandam tempo, responsabilidades e muito trabalho. Somados ao nosso já cotidiano massacrante, estas questões são muitas vezes ignoradas ou postas de lado, o que não resolvem as violências pelas quais estão submetidas estas crianças e adolescentes.

c) Em contos como “Da frente do front”, “Papo reto”, “Perdidos na selva”, “Um estranho no cano”, a situação de tensão constante também parece afetar a relação entre os professores, entre estes e a direção da escola, e daqueles que trabalham na escola com as outras pessoas de seu convívio social. Frequentemente os professores que acreditam na educação pública como um princípio aparecem taxados como “idealistas” ou “ingênuos”, e são coagidos moralmente para se “enquadrar no esquema” e agir como todos os demais. Conte como você lida com esta situação no seu cotidiano.

R.: Olha, algumas vezes eu dou risada, em outras eu finjo que não é comigo. Muitas vezes eu tento apenas ignorar este tipo de comentário, mesmo porque se for rebater a toda hora, a todo instante em que eles são manifestados, não faria outra coisa na escola. Mas há determinados momentos que precisamos questionar estas opiniões e posturas, principalmente quando isso se manifesta quase como uma coerção moral. Mesmo porque senão acabamos caindo na idéia de que não é possível mudar, de que nada funciona, nada dá certo. Algumas vezes eu sinto isto, claro, faz parte, dependendo do dia, dos problemas e situações que enfrentamos, ficamos enfraquecidos, querendo desistir. Mas no dia que eu tiver a desistência total como princípio, como muitos colegas meus já fizeram, eu abandono a escola. Acredito que será mais salutar para mim, para os profissionais que me rodeiam e para os alunos.

E: Em “Da frente do front” é mostrada a relação conflituosa existente entre os professores e alunos que defendem a escola pública e o governo, responsável por sua gestão. Em “Papo reto”, este mesmo conflito é colocado dentro dos muros da escola, com a direção. Como você enxerga a gestão da educação pública hoje em dia? Ela é democrática? Você considera que possui autonomia para desenvolver seus projetos e seu método pedagógico? Como você lida com isto?

R.: Pergunta um “tantinho” quanto complexa. Primeiro, precisamos definir o conceito do que entendemos por democracia. Democracia é “o poder pelo povo”? Certo. Mas entendo que, na instituição escolar, democracia é a garantia de você ter direitos. Ou seja, uma escola democrática, pra mim, é aquela que garante um bom aprendizado e desenvolvimento do aluno, enquanto estudante e enquanto ser humano. Avaliando por este ponto, nossas escolas não são democráticas. Não apenas porque os alunos não participam das instâncias de decisões – e existem algumas delas que eles não devem participar, já que existe a necessidade de uma certa maturidade e aprendizado técnico, profissional – mas porque eles não estão tendo a garantia dos seus direitos respeitados. Desde o direito mais básico, como o direito à vida e ao desenvolvimento pleno e seguro, quanto o seu direito à educação, cultura, lazer, respeito. Isto não está acontecendo em nossas escolas.
            Com relação ao desenvolvimento de projetos pedagógicos, temos autonomia sim. Em alguns pontos, autonomia até demais, eu acho. Pois o fato de não haver uma fiscalização, de não haver uma cobrança sobre o trabalho dos professores, é parte da responsabilidade desta lambança que temos hoje no ensino.
            Por outro lado, não concordo com o método que a Secretaria de Educação Estadual está querendo “corrigir” este erros, com os “caderninhos” de proposta curriculares para o ano letivo. Aquilo chega a soar como ridículo. Primeiro porque desconsidera todo o aprendizado, toda a formação profissional do professor, responsabilizando-o pela nossa situação catastrófica por “não saber ensinar”, e as coisas não são bem assim. Segundo, o Estado, com estes cadernos, faz o professor se comprometer com metas pelas quais ele sabe que o professor não poderá cumprir. Por exemplo: em História, nos quatro anos do ciclo II do Ensino Fundamental, parece que somos obrigados a trabalhar a história de “Deus e sua época”, ou seja, tudo. Isto é inviável. Seria muito mais ético fazer com que os professores estabelecessem sim, uma proposta curricular, um programa de trabalho ao longo do ano, mais um programa sincero, nas quais os profissionais pudessem se comprometer com a sua meta e realização real, na prática, e não essa proposta curricular que é quase impossível de se fazê-la cumprir com o aluno tendo o aprendizado concluído – já que esta também é uma questão posta: qual o nosso objetivo? Aplicar o programa, a proposta, na sua totalidade, como eles mandam – ou seja, conteúdo, conteúdo, conteúdo -, ou fazer o aluno apre(e)nder, de verdade, ainda que seja o mínimo e necessário? Das duas, eu fico com a segunda. Prefiro que o aluno apreenda um conteúdo mínimo proposto, com informações elementares à sua vida, e tenha domínio sobre isso.
            Que fique claro: não se trata de se comprometer com a “educação mínima”, ensinar apenas o básico aos alunos, não é isto. Mas rever a nossa proposta curricular atual e determinar o que é viável, praticável e possível inclusive para que isto possa ser cobrado e sua execução avaliada.

E: Por fim, podemos ver hoje em dia uma série de conflitos políticos colocados na cena da educação pública, com diversas greves e protestos dos professores não apenas pelo aumento salarial, mas também contra políticas do governo estadual. Como você vê o papel político dos professores atualmente? Qual a sua importância? Como você enxerga a atuação da APEOESP?

R.: Os professores não tem um papel político atuante atualmente, com raras exceções, é claro. A maioria está de saco cheio de tudo, querendo apenas saber quanto vai cair de salário e pronto. Não os culpo por chegarem nestas situações, muitos deles devem inclusive ter sido “idealistas” como sou hoje e, por conta da estrutura, do governo, da direção, e dos raios-que-o-partam, chegaram a este ponto. Não os culpo por isto. Irei culpá-los se estiverem de saco cheio, cansados e continuarem na rede, empurrando com a barriga, fazendo um péssimo trabalho, enganando os pais, a sociedade, os alunos. Aí devem ser responsabilizados. Mesmo porque, eu fico pensando – agora, neste exato instante – se houvesse um êxodo em massa de profissionais da educação, um grito de “Basta!” emitido pelos professores, talvez o governo tivesse que fazer mudanças que são profundamente necessárias em relação a nossa categoria.
            Os professores não são valorizados hoje em dia. E por responsabilidade sua, em primeiro lugar. O docente não se valoriza muitas vezes enquanto pessoa, enquanto profissional – na sua formação. O governo só complementa o trabalho.
            A APEOESP deveria servir para alguma coisa, já que é um dos maiores sindicatos da América Latina. Eu ainda estou tentando descobrir para o que ela serve, por isso que sou filiado. E apesar do número de professores sindicalizados, não acho que ela tenha a representatividade em nosso meio como parece. E para mim um dos problemas é que ela mesmo não se leva a sério.
            A APEOESP deveria defender a educação, mas ela só sabe defender a corporação. Isso, é grave. Pois o fato de uma pessoa ser professor não significa que ela é uma boa pessoa, um bom profissional. Qualquer ser humano que estude, faça uma faculdade boca-de-esquina qualquer ligado à área educacional pode se tornar um docente, e aí? Por isso ele se torna um cara, uma mina legal? Então não acho que todo professor é defensável, e a APEOESP faz isso – não que não tenha direito de defesa, mas não se pode colocar todos como “santos” como este sindicato muitas vezes faz.
            Outro problema da APEOESP é que ela sempre coloca, como carro-chefe de suas reivindicações, a questão salarial. É claro, é óbvio que o professor precisa ganhar melhor, ter um bom plano de carreira, isto é óbvio. Mas uma coisa eu tenho como certa: ainda que houvesse um aumento de 100% dos salários dos professores, não ia ter mudanças substanciais na qualidade da educação paulista. Não creio. O que ia mudar é que o poder de consumo, o poder de compra destes professores iriam aumentar, mas não acredito que isso fosse ter um grande impacto na educação. Muitos docentes não iam abandonar seus outros cargos por conta do aumento, muitos docentes não iam melhorar a preparação de aulas por causa do aumento, muitos docentes não seriam mais decentes, mais humanos na relação com os alunos que eles tratam como lixo, como bicho, muitas vezes, só por causa deste aumento. E o sindicato só fica nesta ladainha: aumento, aumento, aumento.         
            Acho que tem outras coisas para serem colocadas na pauta de reivindicações, não apenas como adendo, mas como proposta mesmo. Uma coisa já falei é a questão da proposta curricular: fazer uma proposta viável. Discutir, seriamente, o que o aluno deve aprender na escola, o que é possível ensinar durante um ano letivo, já que a história de “Deus e sua época” não é possível. Outra coisa: vamos diminuir o número de alunos por sala. Vinte alunos por sala, já. Pra ontem. Que se construam mais escolas, que se repense os seus horários, não importa. Vinte alunos por sala, já. É um número razoável, satisfatório e adequado para o professor trabalhar, desenvolver diferentes propostas, projetos. Entre outros coisas. Se o professor conseguisse ensinar os seus alunos dentro de uma proposta curricular viável, em que todos aprendessem, trabalhando ao longo de alguns anos letivos numa sala com vinte alunos, tenho plena convicção de que algumas mudanças surgiriam: a) a evasão, problemas de indisciplina, diminuiriam; b) a qualidade da educação melhoraria; c) alunos e professores estariam mais satisfeitos, com auto-estima elevada.
            Posso dizer, com toda franqueza, que eu dispensaria inicialmente um aumento de salário se eu tivesse condições pedagógicas, administrativas e estruturais para trabalhar, se eu estivesse satisfeito com o meu trabalho. Ficaria lá, com os meus quatro salários mínimos, sem problema. Nós, seres humanos, não somos apenas material, não é só a massa e o concreto que importam, mas precisamos de realização, precisamos saber que o nosso trabalho, o nosso investimento está rendendo bons frutos, que não é apenas um gasto, uma energia, física, emocional, mental que você aplica e vai pro espaço, não é aproveitada. Se nós conseguíssemos executar ações capazes de fazer com que tenhamos este retorno, com que tivéssemos resultados, seria muito mais benéfico para todos, e acredito que muitos de meus colegas professores estariam satisfeitos com isto.

E: Gostaria de fazer alguma consideração final?

R.: Apenas que as questões aqui colocadas são bem complexas, que eu não tive o tempo adequado para responder à todas, já que as respostas demandariam semanas, meses de pensamento, reflexão e ação, mais do que apenas a semaninha que tive para fazê-las. Dizer que Educação é algo que eu levo muito a sério, gostaria que as pessoas envolvidas neste meio também o fizessem e, se acha que não dá conta, se acha que não é possível mudar, se acha que não tem o que fazer; se você não está a fim de investir nessa guerra que parece que não terá fim e que não conseguiremos uma transformação, seja sincero contigo, abandone o barco e vá fazer outra coisa da vida. Eu mesmo já pensei em desistir – estou pensando muito nos últimos meses –, mas enquanto acreditar, prossigo. Quando desistir, se desistir, aviso. Gostaria que outros profissionais da educação fizessem o mesmo.
            Quem vai começar a mudar a educação não será o governo, não apenas. Seremos nós. Aqui em São Paulo um partido político está há quinze anos tocando o barco e não conseguiu tapar os buracos. Já estamos com a água no pescoço e afundando. Portanto, temos muito trabalho a fazer. Façamos. Não podemos perder mais tempo.

quarta-feira, novembro 05, 2014

De você eu levo



Olhares
expectativas natimortas

o desejo
que se abrigou
nas pequenas marcas
pintinhas e sulcos
cavados na tua pele

sonhos estranhos
de vida
que dormem
persistem

hesitação
memórias
da luta
do front

um gosto agridoce
melancolia
esperança
palavras cruzadas
incomunicabilidade

poemas, poemas
besteiras de um
amor que não existe

Ana Cristina
em linhas fundas
encravadas na alma

essa cicatriz que se forma
deforma
sangra
quando cutuco
na compulsão
repetição da dor

besteiras
prolongadas
sonhos
que não apagam

levo a poesia
ressentimento
gratidão

passos difíceis
rumo a...

segunda-feira, novembro 03, 2014

Cabeça de usuário

Lembro-me de um desenho do Pateta chamado "Sr. Volante, Sr. Andante". É esse aqui:


Desde que me tornei um metroviário esse desenho me vem à lembrança com frequência. A partir do primeiro dia em que entramos no metrô, todo o treinamento que a empresa nos dá é para que pensemos no usuário (esse é o termo para os passageiros do metrô) como um "outro". E não um outro como nós mesmos, mas um outro incompreeensível, incomunicável. O usuário é um adversário, quando não um inimigo. Ele está no lado oposto ao metroviário, e sempre pronto a nos prejudicar. Ele fará exigências absurdas, reclamações injustificadas, escândalos, brigas malucas, chamará nosso supervisor, tentará nos enganar. Tome cuidado com o usuário.

Então, saímos do treinamento, entramos no metrô e vamos para casa. A tarifa cara nós não pagamos, pois é um dos "benefícios" de nosso emprego. Fora isso, a vida no metrô é a mesma de antes: poucas linhas e estações, trens lotadíssimos, falhas, todo tipo de problemas. Todos os problemas que qualquer usuário do metrô enfrenta, em uma metrópole na situação de barbárie, com seus 20 milhões de habitantes e ridículos 78 quilômetros de extensão.

Mas, aprendemos, aos poucos, a esquecermos nós mesmos. Dos usuários que somos. No dia-a-dia das estações os mais de 4 milhões de passageiros que viajam todos os dias não encontram Alckmin, o secretário de transportes, o presidente do metrô, os executivos do departamento de publicidade ou relações públicas, nem os engenheiros. Quem eles veem ali, com a blusinha listrada com o símbolo do metrô, somos nós, os agentes de estação, ou, como alguns monitores fazem questão de deixar claro, "o mais baixo na cadeia alimentar do metrô". A extensão ridícula do metrô de São Paulo já estava em grande medida determinada em 1968, quando teve início sua construção, com cerca de meio século de atraso em relação à abertura do metrô de Moscou (1935) e muito mais do que isso em relação ao de Nova Iorque (1907). Mas, isso não foi suficiente, pois ele teve sua expansão dada a passos de tartaruga, regada a muito desvio de verbas e corrupção, como mostram os recentes escândalos do propinoduto (certamente apenas a ponta de um imenso iceberg encoberto).

Tudo isso, no entanto, não está na cabeça do usuário que, lá pelas sete e meia da manhã, ou lá pelas seis da tarde, está absolutamente puto da vida com a merda do metrô. Quem ele vê pela frente são as mulheres e homens de blusas listradas, ou seja, nós. Muitos deles descontam em nós sua raiva, gritam, alguns até nos agridem.

Anos e anos de exposição a esse tipo de ataque frequentemente levam a que os metroviários passem a ver, sim, os usuários como seus inimigos. Que seja, inclusive, coisas muito mais banais do que agressões: repetir a mesma informação oito horas por dia, cinco dias por semana, durante anos e anos a fio, é capaz de transformar a mais atenciosa e sensível das pessoas em um autômato. Máquinas de operar o metrô.

Os usuários são burros, os usuários são grossos, os usuários são mal educados, os usuários isso e aquilo. Ora, certamente se fossemos perguntar, veríamos que para muitos ali os metroviários são, eles também, tudo isso. Passamos os dias a nos xingar e nos odiar.

O irônico de tudo isso é que eles vencem, de qualquer forma. Eles, os que enchem os bolsos e a vida com nosso aperto, nos trens lotados ou nos uniformes que representam a empresa. Eles não andam de metrô, e nem sabem como é. Mas estão cheios de dinheiro que vem das passagens que cada um paga, da exploração de nosso trabalho a cada dia. Quanto mais acharmos que a culpa de nossa miséria é de usuários ou metroviários, melhor pra eles. Que nos matemos. 

Em Luz, onde trabalho, há uma fileira de catracas na transferência entre a linha 4 (privatizada) e a CPTM, e a linha 1 onde trabalho. Sempre que passava ali a caminho de casa perguntava, puto da vida, para que serviam aquelas malditas catracas que formavam filas imensas e eram gratuitas. Por que não tirar simplesmente aquela porcaria dali? E, pior: a cancela que ficava ao lado aberta começou a ser trancada, fazendo com que a fila aumentasse ainda mais porque já não podia escoar por ali livremente.

Hoje, uma das minhas incumbências é justamente vigiar essas mesmas catracas que eu xingava. E mais: manter a cancela trancada. Há pouco tempo, quando começaram a trancar a cancela, me vi espremido na fila entre a catraca do canto e a cancela trancada. Vários esperavam na longa fila para passar a catraca. Alguns pulavam por cima ou passavam por baixo da cancela. Me vi em dúvida: esperar pela catraca ou pular a cancela? Decidi passar na catraca. Hoje, assisto algumas centenas ou milhares, talvez, de pessoas pulando ou passando por baixo da cancela. Algumas caem. Hoje, uma colega disse que não tinha dó de quem caía ali. Logo no outro dia, podia ter sido eu... ou ela... A fila e a cancela fechadas, descobri, são para manter as pessoas passando pelas catracas e computando, a cada passagem, uma quantia que a CPTM deve pagar ao metrô pelas transferências. Dinheiro que não beneficia nem aos metroviários, nem aos usuários. Mas aos parasitas, que não andam de metrô. Enquanto isso, os usuários passam nas catracas, vendo as cancelas fechadas, e dois funcionários parados logo ali em frente. E xingam-nos, com frequência: Por que estão parados e não abrem as cancelas? Os metroviários, irritados, devolvem as agressões que recebem, odiando cada vez mais os usuários...

Outro dia, na copa, conversava com uma colega. "Os usuários estão sempre reclamando de tudo", dizia ela. "Claro", respondi, "o metrô é uma merda, como poderiam não reclamar". "Você está pensando com a cabeça de usuário". A única coisa que pude lhe responder foi: "Eu sou usuário". 

No dia em que deixar de pensar com a cabeça de um usuário, é esse o mesmo dia em que quero deixar de trabalhar no metrô. Significa que os patrões terão quebrado minha espinha. Se há algo que cabe aos metroviários é colocar sua força de trabalhadores que fazem o metrô existir a serviço de colocar esse transporte realmente na mão de todos os usuários, incluindo nós mesmos. E qualquer usuário que queira um metrô decente deve apoiar e fazer parte dessa luta.


sábado, novembro 01, 2014

não me leia



não me leia
porque falo
de

coisas
         duras
         e doces

coisas
         difíceis
         de ler
         e entender
         e tolerar

não me leia
porque falo
de

desejo
          reprimido
          e irreprimível

não me leia
porque falo

de você
de fantasias
de medos
de sussurros
e solidão

não me leia
porque falo
de

feridas
          abertas
          que sangram
          pulsam
          vivem
          levam teu nome
          tua ausência

não me leia
porque falo
de
 
coisas
         que não quero dizer
         que não devem ser ditas
         que não quero
         e quero
         que saiba

de sonhos
que não querem calar
nem se realizar

não me leia
pois se pudesse
não me leria também
nem me escreveria

não me leia
porque é feliz
e assim deve ficar

Dívida

A poesia
veio me cobrar com juros
o amor que lhe neguei

espero um dia fazer o mesmo com você.

Corrida para a morte

são cinco da manhã
a porta do metrô abre
as pessoas correm
como se suas vidas dependessem disso
(e dependem)

cada minuto conta

são cinco da manhã
entre estações
nos bancos
rostos cansados
envelhecidos
gastos
dormem minutos

cada minuto conta

correm
na baldeação
entre a noite e o dia

cada minuto conta

correm
como se não fossem correr
amanhã e amanhã e amanhã

mas há também benevolência:
economizam
quarenta e quatro centavos
na integração