quarta-feira, outubro 29, 2014

Nordestinos


Quando criança e adolescente tive a, digamos, sociológica oportunidade de conviver com a pequena burguesia paulistana vivamente. Primeiro, com parte daquela que se julgava mais "progressista" em escolas que eram recheadas de filhos, sobrinhos e netos de políticos petistas e peesedebistas famosos, uma suposta - e reforço o suposta - elite pensante, em minha primeira escola. Depois, no fim do colegial, com uma ainda mais suposta elite que se preparava para entrar nos disputados vestibulares das universidades públicas.

Entre as coisas que aprendia nessa infância estavam, como não pode deixar de faltar em qualquer infância, os palavrões e xingamentos, palavras tão importantes para qualquer criança. Lembro-me como entre esses constavam os termos "baiano", "baianada" ao lado de outros como "cuzão", "filho da puta" etc. Se dizia de alguém que tinha feito uma "baianada" quando fazia algo estúpido, burro, ignorante. Se utilizava esses xingamentos, em particular e de modo, diria, até bastante inconsciente, com um nítido viés de classe, referindo-se em especial contra os que conviviam conosco por meio do trabalho que faziam. Eu, como qualquer criança, repetia aquilo que ouvia, sem muito compreender de seu sentido.

Cresci um pouco, e quando cheguei ao final do ensino médio já entendia claramente o sentido dessas palavras, e me enojava com os que as usavam. Sentia-me, cada vez mais, um pária em minha própria classe, no meio em que convivia todos os dias. E me lembro bem nitidamente de quando "amigos" brigavam com o porteiro da escola porque esse proibia determinada coisa, e assim recebia o "xingamento" de "baiano". "Esse porteiro baiano de merda", ou algo assim. Ele não era baiano. Era apenas um peão, e que naquele caso ainda tinha a ousadia de impor as regras da escola em que trabalhava aos alunos ricos que ali estudavam.

Não demorei muito na vida para perceber e me perguntar porque, se não todos, a esmagadora maioria dos que trabalhavam nos ônibus, na faxina, nas portarias, como empregadas domésticas, motoristas particulares, babás, peões de obra, enfim, todos os que trabalhavam muito e recebiam pouco por isso ao meu redor tinham sotaque nordestino. Todos, quando faziam algo "errado", eram xingados de "baiano", ou tinham apelidos de "Ceará", "Paraíba", "Piauí" etc. E porque, entre os que estudavam nas melhores escolas, tinham mais dinheiro e posses, esses eram tão raros.



Lá pelos meus doze anos comecei a entender mais claramente de onde vinha tal divisão. Comecei a ter contato com a incrível produção cultural do nordeste, pelo que me lembre, quando ouvi pela primeira vez a música "Asa Branca", uma das primeiras que aprendi a tocar, e que é ironicamente ensinada a cada um que toca piano nesse país. É possivelmente a música mais emblemática de nosso país. Sua letra fala da seca, da migração, do sofrimento. Pouco depois, li pela primeira vez "Vidas Secas", e as palavras incisivas de Graciliano Ramos pela primeira vez me mostraram de forma cortante uma luta muda contra os coronéis dessa vida. Depois, esse contato não parou.

Tudo o que há de grande e importante em São Paulo e no Brasil tem a mão, o suor, as lágrimas e - com frequência - as vidas e mortes de trabalhadores nordestinos. São eles que foram expulsos de sua terra pelos latifundiários, obrigados a suportar a miséria que lhes foi imposta por essa sociedade, obrigados a vender sua mão de obra pelos mais baixos salários, a aguentar as piores condições de trabalho, como as da construção civil, para erguer as enormes obras superfaturadas dos governantes. Fizeram as avenidas, as pontes, os prédios, o metrô, os carros, os ônibus. Enfim, tudo o que cada paulistano usa a cada dia poderia ser chamada de uma "baianada".



É do nordeste que vem as contribuições mais ricas, vivas, originais de nossa cultura. Tem sua própria culinária, sua dança, sua música, seu cinema, sua literatura. Ainda hoje, o melhor cinema nesse país não vem de outro lugar senão de Pernambuco, e Recife é certamente a mais importante capital cultural desse país, berço de gigantes da música contemporânea do porte de Chico Science e Antonio Nóbrega, entre tantos outros.

Tendo recebido os mais duros fardos na nossa sociedade, ao lado do povo negro - que, não à toa, tem suas maiores proporções justamente ali - os nordestinos foram os responsáveis por constituir o grosso da classe social que não apenas ergueu esse país sobre suas costas cansadas pela exploração, mas também a única classe que tem em si o potencial para libertar de fato esse país e seu povo. A classe trabalhadora brasileira é preta e nordestina.

Hoje, é nítido que esses trabalhadores votaram majoritariamente no PT nas eleições. Votaram por ver em Lula um dos seus: um peão, que, expulso de sua terra pela miséria, foi vender seu trabalho nas imensas metrópoles do sul. E Dilma como continuadora de sua obra. Mas Lula não é um dos seus, pois há tempos mudou de lado, abraçando os mesmos coronéis que um dia criticou, como o "senhor do Maranhão" e aliado da ditadura, José Sarney; ou o herdeiros dos coronéis de Alagoas, Fernando Collor. Nordestinos como esses, para os patrões e a pequena burguesia, não são os "baianos" ignorantes. Eles são os descendentes dos senhores de engenho, e não dos escravos e dos que migraram para o sul nos precários paus-de-arara. Eles continuam enriquecendo, explorando, matando e oprimindo sob o governo de Dilma e Lula, com sua conivência e sua "benção".

Mas hoje, vivemos ainda em tempos sombrios, em que traidores como Lula, que tomando para si a força das lutas dos operários nordestinos e de todo o Brasil para chegar a abraçar os coronéis, aparecem como heróis. Pois, ao enriquecer as fartas mesas de banquete dos ricos industriais e banqueiros paulistanos, fez questão de empurrar algumas migalhas para o povo de onde veio. Ainda, gente assim, figura como um "salvador messiânico". Ainda vivemos em um tempo em que a aspereza da luta de classes se faz sentir no preconceito bruto e deslavado que vem à tona no ódio de uma região que vota no PT, mas que ainda não oferece saídas de fato. Em que ainda são louvados como "salvadores" do povo nordestino aqueles que estão abraçados aos ricos, e que, com as mãos dos herdeiros dos "soldados amarelos" descritos por Graciliano, sufocam as lutas heróicas dos nordestinos que continuam a erguer as imensas obras, agora, presos como escravos modernos nos canteiros de obras do PAC espalhados pelo país. Esses nordestinos, os que ousam se erguer contra os patrões, são nossos verdadeiros heróis. E as bravas mulheres nordestinas que, trabalhando como terceirizadas da limpeza na USP, ousaram lutar e vencer contra seus patrões - esses novos-velhos coronéis - que continuam com seus chicotes a arrancar o couro e a mais-valia de cada imigrante nordestino.

Para lavar a boca dessa elite estúpida, que continua impunemente não apenas falando suas barbaridades preconceituosas, mas, muito pior, enriquecendo às custas do trabalho do povo nordestino, da classe trabalhadora, dos negros, das mulheres, dos homossexuais, não nos basta apertar uns botões a cada dois anos. Esses que hoje enchem a boca para se dizerem aliados do povo nordestino há tempos se aliaram com seus principais inimigos. O futuro, não o das urnas, mas o de uma liberdade em que não mais serão os nordestinos a carregar o pesado fardo da exploração, está nas mãos não dos que enriqueceram ao vir pra São Paulo. Está nas mãos de cada peão explorado nos canteiros de obras, nos bares, nas portarias, nos ônibus, nas lojas, e em cada canto desse país onde se produza a riqueza. São esses os nordestinos que libertarão a seus conterrâneos e a todos nós.

E, se hoje, essa burguesia afetada dá seus gritos de desespero ao ver os nordestinos e os negros elegendo Dilma, mal sabem que deveriam agradecer por isso. Pois motivo para eles se desesperarem não vai faltar no dia em que esses nordestinos, negros, trabalhadores, souberem que a força que têm nas suas mãos não é a de apertar 13 para que continuemos a ser dominados por todos os tipos de coronéis. A força que têm é a de tomar esse mundo em suas mãos, e, aí sim, Lobão e todos eles irão se mudar pra Miami sem hesitar. E, lá, que resmunguem e destilem seus preconceitos à vontade. Mas sem o direito de arrancar nosso couro, que com 13 ou 45 continuam tendo todos os dias. O futuro nos pertence.


segunda-feira, outubro 27, 2014

um tolo por você



perdendo a prudência
                e os dentes

calo.

a palavra, o gesto
o lamento incontido
que
      escapou
                   entre
                           os gestos

os dias
não apagam
a vida
não apaga
esse gosto amargo
e as desculpas...

é perder um olhar
              uma palavra
              uma chance
              uma vida

é aceitar
   com a lágrima
      entre os dentes
           entre os dias
as fantasias
    feridas
    desditas
    malditas
 
é o arrependimento
do que nunca foi
nunca será
nem existe

é pedir desculpas
por qualquer coisa
assim sem querer
que me tocou
feito lança

pra quê, então?

domingo, outubro 26, 2014

Termina mais uma "festa da democracia"

Os grandes amigos nessa "democracia"

Por 51 a 48% Dilma e o PT arrancaram sua vitória suada sobre o PSDB de Aécio, numa eleição disputadíssima. Foi o processo eleitoral que mais polarizou esse país desde 2002, quando Lula venceu pela primeira vez.

Eu lembro bem quando isso aconteceu. Eu tinha 18 anos e era tão fervoroso partidário da vitória de Lula como são hoje tantos que conheço, comemorando entusiasmados a vitória de Dilma como um grande triunfo dos pobres, despossuídos e trabalhadores contra a elite. Na época eu estudava em um cursinho da classe média, da pequena burguesia abastada de São Paulo, tentando me convencer a estudar coisas que não me despertavam nenhum interesse para poder passar no vestibular de medicina. Aquela classe média expressava ali a polarização de todo um país. As salas de aula do cursinho se dividiam: as de exatas ostentavam majoritariamente bandeiras, adesivos, camisetas do PSDB; as de humanas, majoritariamente do PT; a minha, que era mescalada, literalmente se dividiu ao meio, com o lado esquerdo da sala pintado de petismo e o lado direito de tucano. Eu acreditava que era uma disputa visceral que decidiria o rumo desse país...

Aquela vez, em 2002, foi a última vez que não votei nulo no segundo turno de uma eleição. Foi a última vez em que acreditei que um candidato eleito mudaria as coisas nesse país. Na realidade, eu só achava isso porque sofria de uma adesão ao PT que era muito mais sentimental e ligada a uma história pessoal que me fez ter ilusões nesse partido do que pela sua política de fato. Alienado que estava na minha classe social, no meu meio, não vi nada acontecendo: não vi o PT ostentando como vice de sua chapa ninguém menos que o milionário industrial José de Alencar, na época do Partido Liberal (que hoje se chama PR, como se fizesse alguma diferença). Não cheguei sequer a ler a famosa "carta ao povo brasileiro" (na realidade uma carta aos banqueiros e industriais), em que Lula garantia seguir religiosamente a política do capital.

E votei, entusiasmado. Vibrei com a vitória do PT. Nas ruas, as pessoas comemoravam. Um partido de esquerda na presidência; um partido de trabalhadores. Ou, achávamos (a maioria dos eleitores) que assim era. No ano seguinte, o primeiro do governo Lula, eu estava ainda mais alienado em um meio ainda mais escroto e dominado por uma mentalidade de "senhores de engenho": a faculdade de medicina. Não acompanhei, senão muito superficilmente, quando Lula mostrou vigorosamente a que veio, fazendo a reforma da previdência que FHC fora incapaz de concretizar. Numa tacada, Lula criou o fator previdenciário, aumentou a idade das aposentadorias, atacou direitos que os trabalhadores conquistaram a ferro e fogo.

Quando eu entrei na USP, ele preparava outro novo golpe, chamado Reforma Universitária, e foi na minha calourada que voltei a me politizar e entender o que de fato o governo do PT estava fazendo. Lula, sendo um caudilho traidor experiente (já o era nas greves do ABC), aprendeu que o melhor era "fatiar" seus ataques e disfarçá-los como pudesse de concessões. Assim ele fez com a reforma universitária, que dividiu em várias "concessões": uma delas continua sendo um grande "trunfo" dos doze anos de lulismo. O ProUni, que garantiu aos empresários do ensino privado, que haviam expandido seus negócios de forma ensandecida durante os governos Collor e FHC, que eles não tomassem prejuízo pelo esgotamento de seu mercado. O governo Lula deu uma força: ele precisava fazer demagogia de uma expansão da educação, e os empresários precisavam ocupar as cadeiras ociosas de suas universidades; é simples: o governo paga por suas vagas com isenções de impostos, comprando uma vaga em uma universidade pelo preço que pagaria três vagas em uma federal, e todo mundo sai ganhando. Depois, veio a expansão precarizada do Reuni, com universidades sem professores, sem moradia, sem biblioteca, sem nada... mas que aumentavam os matriculados nas estatísticas. Foi essa expansão que levou à enorme greve de 2012, derrotada pela política da burocracia estudantil aliada de Lula (UJS - PCdoB) e pela impotência da esquerda anti-governista do PSOL e do PSTU.

Enfim, não vou ficar aqui listando todos os ataques de 12 anos de PT no governo, e todas as medidas que eles implementaram de forma a fazer inveja a qualquer tucano e levar até Paulo Maluf, notório corrupto e governador biônico da ditadura, a dizer que "perto de Lula ele era um comunista". O ponto desse texto é olhar para essa imensa comoção catárica de "nenhum passo atrás" da vitória apertada de Dilma.

A democracia burguesa não é feita apenas de repressão e ideologia. Ela possui um ritual, uma mística própria que toma as pessoas de um jeito impressionante. Eu vi ao longo desse processo eleitoral pessoas que criticavam o PT passarem a ser ferrenhos defensores dos "avanços" de seus doze anos a frente do governo. Amigos de esquerda, que foram às ruas em junho, tirarem "selfies" com Dilma e Padilha. Acreditarem que o ranço reacionário elitista, racista, homofóbico, machista e monstruosamente arcaico de certos eleitores de Aécio já era justificativa suficiente para votar no PT, independente do que eles fizessem no governo.

Defender o voto nulo tornou-se um motivo para ser desprezado, nessa atmosfera de "briga de torcidas" que a eleição passou a ser. Argumentos políticos em defesa do voto nulo não me faltavam e nem aos meus camaradas. Diante deles, ouvi uma mesma resposta repetida à exaustão como uma cantilena de igreja: você não vota em Dilma porque nunca passou fome. Curiosamente, só ouvi esse argumento sendo dito por pessoas que nunca passaram fome. As que passaram, no entanto, eu ouvi posições sobre seus votos: vi as que votavam em Dilma, as que votavam em Aécio e as que votavam nulo. Mas o "você não passou fome" não era um argumento político, pois ele se detia aí: era um argumento moral. Quem é você, que nunca passou fome, para falar sobre o que melhorou na vida dos pobres? Ora, acho que estudando a história econômica e política do país dá para saber o que mudou. E é bem fácil ver que nesse país há ainda muita gente passando fome, muita gente morrendo nas filas dos hospitais que o governo do PT vem privatizando com a EBSERH, muita gente sem acesso a saneamento básico... que os 0,4% do PIB que vão para o bolsa família continuam sendo "um peido no vento" perto dos 42% que vão para o pagamento da dívida pública, ou seja, o "bolsa-banqueiro". E não somos nós, os "esquerdistas malucos" que "nunca passaram fome" (ainda que vários de nós já tenham passado fome, mas não me parece que seja essa a questão a discutir) que vemos quem o PT representa. Michel Temer, Renan Calheiros, Collor, Maluf, Marco Feliciano, Sarney e tantos outros burgueses e seus representantes que nunca passaram fome estão apoiando entusiasmados o PT. Torturadores da ditadura militar, os mesmos que ontem prendiam a Dilma, sabem que não foram eles que mudaram de lado quando apoiam o PT.

Contudo, os argumentos políticos já foram colocados muitas vezes e de muitas formas por mim, por camaradas meus e ainda por outros. Mas em praticamente nenhum momento desse segundo turno consegui, infelizmente, ter uma discussão profundamente política com os "petistas de última hora". O medo se apossou deles, o medo de um suposto "golpe de direita", de uma "enorme retrocesso". Vivemos em um país com uma das maiores desigualdades do mundo, governado há doze anos por gente que garantiu aos bancos seus maiores lucros em toda a história e governou lado a lado com torturadores e mandantes da ditadura. E as pessoas saíram votando loucamente nesses "progressistas" que estão "melhorando o país". Será que eu estou louco? E os 30% que anularam seus votos ou se abstiveram nessas eleições? Será que todos eles não entendem que o PT significa o progresso? Será que todos esses e mais os 48% de votos válidos que votaram no Aécio nunca passaram fome, ou não entendem que as cotas, a lei maria da penha, o pronatec "mudaram o país"? Será que fomos às ruas em junho e colocamos de joelhos governos do PT, PSDB e PMDB de mãos dadas para continuar vivendo em um país onde, sim, pessoas morrem de fome com a conivência desses que hoje nos governam?

Dilma ganhou, e logo teremos todas essas respostas. Como eu aprendi, desde meu primeiro voto em Lula, que estava enganado, sei que muitos dos que hoje comemoram a vitória de Dilma verão que estavam enganados. E nos encontraremos nas lutas, contra PT, PSDB e todos seus aliados. Para que esse país e esse mundo mudem de fato. 

terça-feira, outubro 21, 2014

Desejo da poesia

eu
    sem eu
em trabalho bruto
na busca
do pungente sentido
    de ser
              eu

no afã
das palavras
o não dito
          fustiga
     inquieta
          acossa
     instiga
          a ânsia
     de ser

quem?

emudecido
persigo
o eu
       perdido

topada:
no soluço desse criar
um sentido embaralhado
me levou a você

soletra
         desejo
     espelho
         desencontro
sorriso

tua vida pulsante
virou meu be-á-bá
meu (des!)engano
procura de sentido

na tua pele
teu escrito
      cru
           rasgante
                        em carne viva
      viva!

e as raízes
       sedentas
       procuram
terreno firme para se afincar

tolices, tropeços
os pés pelas mãos
e me (te) afogo
nesse obscuro pulsante
desejo
          sôfrego
                    de poesia
                    amor e vida
            a dor de procurar
a salvação em um espelho
são palavras, gestos
impaciência, besteira
isso tudo sou eu
                 confuso
         incoerente
    pedinte

resfôlego
              de
                  querer
respira
respira
respeita
o tempo
a vida
a dança

um recomeço? é cedo para dizer
exageros, expectativas e o futuro à parte
te oferto essas desculpas
bobas, como o resto

somos carne
           coração
           contradição

e se, de nada restar nada
fico com esses sonhos
talvez não tão lindos
         mas que são,
                legitimamente são.

herança e resultado
da procura da poesia
que achei no teu encontro
e esse desejo






segunda-feira, outubro 20, 2014

avesso



tristeza
          decantada
                          é
                             ódio
          pelo avesso
        é
amor

das tripas coração
um toque de ternura
nessa angústia
seca

quero vomitar
esse sentir
sobre
        tudo
sobre
        todos
e gritar
até que mina garganta
se desfaça em um
novelo
          de
              lágrimas

as palavras que estavam aqui
cadê?
se foram
emudeceram
secaram
tornaram-se sangue
             pus
  solidão
desejo cru
                ressentido

fantasia embriagada
fecha seus olhos
diante da claridade
do dia, da vida,
da verdade que queima
a retina desses sonhos
que só vivem
                    de noite
   de sombras
                  de querer
     sem poder    

fecha
        teus
             olhos
        e adormece
pois
      os sonhos
         são a morada
      dos desejos
          secretos
       lá
          esse gosto
       amargo
          se dilui
       na fantasia
          dos poemas
       malfeitos
          inacabados

somos o que amamos, e não o que nos ama



Não é bem verdade, mas vai ter que servir agora. Às vezes temos que nos agarrar a mentiras bonitas.

O ato de amar é uma das coisas mais profundamente humanas que podemos fazer. Tem em si algo de indecifrável, mas não deixa de ter um lado no qual podemos perceber o que há de mais característico, de pessoal, de definidor de quem é cada um de nós.

Ele revela nossa história, nossa subjetividade, nosso modo de encarar a vida e o mundo, tudo sintetizado e embaralhado nesse gesto de colocar uma pessoa ou algo em um lugar especial na nossa vida, no nosso querer. E, sim, portanto, nós somos o que amamos. Somos o que desejamos, pois no ato de desejar implicamos aquilo que nos constitui e que queremos ser.

Mas é apenas metade da verdade, porque também somos o que nos deseja. Aprendemos a amar sendo desejados e amados por aqueles que primeiro cuidaram de nós, que nos receberam nesse mundo e nos cercaram de cuidados, de atenção, nos ensinando o básico e fundamental para podermos viver nesse mundo. É esse o nosso primeiro contato com o desejo humano, no qual somos o objeto de desejo de alguém. A ausência desse desejo é o incentivador de enormes complicações na formação de um psiquismo, de uma subjetividade e, enfim, da capacidade de desejar e amar. E, portanto, somos também aquilo que nos ama. Pois é a partir, em grande medida, dessa experiência, que aprendemos nós mesmos a desejar e amar, ou seja, a definir como somos aquilo que somos.

Mas amar implica em investir nossa energia desejante em algo. Implica em tirarmos de outras coisas, e também de nós mesmos, para fornecer essa capacidade desejante em relação a algo. Ou alguém. E nem sempre nossa forma de desejar encontra um alvo que nos deseje de volta.

Isso dói.

E a vida, o desejo, o amor, não se resolvem em esquemas ou fórmulas, mesmo que nos ajudem a compreender. A vida, ela é maior do que o entendimento que temos dela. Muito maior.

Só quero saber de amor que seja libertação.

Mas como é o ato de nos libertarmos através de um desejo que nos liga a algo? Amar uma parte de nós que perdemos, e que podemos aproximar novamente de nós impulsionados por esse desejo. Aprender a sonhar, a sentir, a criar. A amar alguém. Alguém que representa a liberdade que buscamos na vida, na luta.

Desejar é contradição. É também estar preso a algo, a alguém. Oferecer-se como companheiro, como aprendiz e mestre, como apoio e como desamparado. Mas o desejo precisa da seta em sentido contrário. Ele é a sede de um caminhante no deserto, que precisa de água para permanecer vivo.

Se escolhermos, se tomamos a decisão de que somos o que amamos, e não o que nos ama? Será? É água o desejo que não tem contrapartida? Ou apenas a sede no deserto, que seca, que mata? Que decisões podemos tomar sobre aquilo que nos toma? Podemos viver desejantes, eternamente?

Será que o ato de amar é um exagero, mesmo quando amamos aquilo que está distante e impalpável, aquilo que não é a realidade crua, mas uma pedra basilar sobre a qual apoiamos sonhos e expectativas? Que exagero há em desejar o que não conhecemos? Em procurar aquilo que não tocamos, que está distante de nós? Quando a criança recém-nascida chora, ela não sabe porque. Ela é puro desejo, ela é a ânsia, o anelo, uma busca completa que toma todos os seus sentidos desprovidos de entendimento. É a mãe, o ser que o deseja, que sabe pelo que procura aquela pequena criatura, e lhe oferece o peito que ele suga, sorvendo a vida, a essência de seu desejo.

Todo desejo é um pouco assim. E há momentos em que somos tomados inteiramente, e que nos entregamos. A ausência corta nosso peito como uma faca quente na mantega. E quando, perplexos, estamos diante desse mistério, de um abismo do qual não vemos o fundo, que nos encara de volta com sua negrura indecifrável, que podemos fazer? Não consigo arrancar meu peito. Aguardo a vida.




sábado, outubro 18, 2014

O capitalismo e suas grades

(texto publicado no jornal Palavra Operária número 109, uma publicação da Liga Estratégia Revolucionária )


Angela Davis

Todo preso é um preso político. Essa ideia, que pode parecer estranha a princípio, é demonstrada de formas diferentes por dois ótimos filmes que estão em cartaz em pouquíssimas (não à toa) salas de cinema no país.

Um deles é o documentário nacional “Sem Pena”, de Eugenio Puppo. Sob a forma de um mosaico, no qual cenas são apresentadas ao espectador com vozes sobrepostas que apenas ao final saberemos a quem pertencem, o filme conta um pouco como funciona o sistema penitenciário brasileiro, desde o judiciário até as cadeias e o pós-prisão.

Em um dos depoimentos, alguém diz que nas sociedades ditas “primitivas” não há cadeia ou detenções, e que os crimes são resolvidos coletivamente, pois se considera que “não há crimes individuais, apenas crimes sociais.” Os melhores depoimentos do filme desenvolvem justamente essa ideia. Um relato de uma conversa entre um presidiário e estudantes de uma faculdade toca nessa ferida, de que os crimes são criados pela desigualdade, quando o preso afirma que roubaria o carro da menina porque ela tem e ele não, e que se ele roubar ela ganhará outro do pai. Conforme esse diálogo é relatado pelo depoimento que ouvimos, as cenas mostram como o próprio sistema judiciário reproduz essa lógica: os cenários das cadeias, caindo aos pedaços, superlotadas, com centenas de presidiários em condições sub-humanas, são contrastadas com tomadas em que se mostram suntuosos tribunais, luxuosos edifícios como o da Faculdade de Direito da USP, com uma Ferrari partindo de sua frente enquanto moradores de rua fazem comentários. São os dois lados do sistema judicial.
]
É nesses momentos que “Sem Pena” foca o centro da questão, o elemento que faz com que toda prisão seja efetivamente uma prisão política: em uma sociedade fundada na desigualdade, onde alguns possuem muito, e muitos não possuem nada, frequentemente o roubo chega a ser uma necessidade. A manutenção de um sistema carcerário repressivo e injusto é um pilar de sustentação desse estado de coisas. E o filme demonstra como são justamente os que roubam por necessidade os que amargam longos anos nas cadeias, quase sempre sem sequer um julgamento – que dirá um julgamento justo.



Nas falas de um juiz e de uma desembargadora aparece o caráter de classe dessa justiça feita pelos ricos e para os ricos: uma senhora negra, idosa, catadora de materiais recicláveis é acusada de tráfico. O juiz, ainda que a absolva, defende não apenas sua detenção arbitrária como justa, mas também faz diversas insinuações sobre como pessoas “desse tipo” são usadas pelo tráfico. Ainda pior são os comentários da desembargadora, que retrata o discurso “linha dura” de que as penas no Brasil são muito brandas, quando temos a terceira maior população carcerária do mundo e a que cresce em maior velocidade.

O filme demonstra como o encarceramento é bastante caro ao Estado e de forma alguma serve para ajudar os presos a se reinserir profissionalmente. Contudo, fica no ar a pergunta: se é tão ineficaz, porque persiste? Talvez a principal lacuna de “Sem Pena” seja que, apresentando diferentes pontos de vista sobre o problema, ele se abstém de tentar apontar diagnósticos mais profundos. Algumas falas apontam o problema de forma equivocada, levando a supor soluções utópicas: esse é o caso quando, no início do filme, se fala sobre a falta de uma polícia preventiva no Brasil, afirmando que não se pode encarar a polícia meramente como “o braço armado do Estado com a função de reprimir”. Mas ao analisarmos o papel de um Estado em uma sociedade dividida em classes, constataremos que a instituição policial surge exatamente com o papel de manter a desigualdade e a exploração.

Esse ponto é pouco desenvolvido no filme, que mostra de forma dolorosa o problema e seus sintomas, mas que deixa ao espectador a tarefa de procurar suas causas. Em alguns momentos, passa a impressão de que seria uma questão de um sistema ineficaz e burocrático; mas, em seus pontos altos, o filme transparece uma mensagem clara: a existência de multidões encarceradas no Brasil tem sua raiz em uma sociedade fundada na desigualdade.

Provavelmente a maior ausência do filme – o apontamento de quão racista é o sistema penitenciário – aparece no centro do segundo filme, o documentário “Libertem Angela Davis”, de Shola Lynch. Retratando o ativismo político de Angela Davis no movimento negro e no Partido Comunista dos EUA na década de 1970, o filme fala sobre a detenção e o julgamento dessa militante que gerou um amplo movimento de solidariedade internacional no mundo inteiro. A prisão de Davis era um ataque direcionado pelo Estado americano contra uma mulher que simbolizava naquele momento a resistência do povo negro contra uma sociedade racista, em um momento em que se levantavam com força os Panteras Negras, organização que reuniu dezenas de milhares de negros no país com uma perspectiva revolucionária de luta contra a segregação social que ainda hoje persiste tanto nos EUA como no Brasil.

Não poderíamos dizer que é uma coincidência o fato de que Angela Davis ganhou grande notoriedade ao defender três jovens negros encarcerados, no caso que ficou conhecido como “os irmãos Soledad”, em que se armou uma farsa judicial para incriminar estes detentos pela morte de um guarda penitenciário. Seus crimes, como os de dezenas de milhares de encarcerados pelo sistema penitenciário brasileiro, eram pequenos delitos contra a propriedade privada: o roubo de uma televisão, de setenta dólares; enfim, delitos aos quais foram levados por uma sociedade que reservou aos negros a maior fatia de miséria e exploração.
Por ter se tornado um símbolo da resistência negra, uma nova farsa jurídica foi montada contra Angela Davis, em que um atentado contra um juiz que termina em um tiroteio e mortes (um ato que seria em defesa dos “irmãos Soledad”) leva à acusação de que seria um plano armado por Davis. Aqui no Brasil vemos hoje exemplos desse tipo, como o caso de Rafael Braga, que, por ser pobre e negro, é até hoje mantido encarcerado no Rio de Janeiro pelo crime de participar de manifestações de rua portanto um frasco de Pinho Sol.


A demonstração em “Libertem Angela Davis” do uso político explícito do sistema carcerário contra a organização política de um setor explorado e oprimido no capitalismo é complementar ao massivo encarceramento da pobreza denunciado em “Sem Pena”. São dois filmes que ensinam muito sobre o capitalismo e suas grades.

sexta-feira, outubro 17, 2014

molhar o deserto




CONCLUSÃO
(Drummond)

Os impactos de amor não são poesia
(tentaram ser: aspiração noturna).
A memória infantil e o outono pobre
vazam no verso de nossa urna diurna.

Que é poesia, o belo? Não é poesia,
e o que não é poesia não tem fala.
Nem o mistério em si nem velhos nomes
poesia são: coxa, fúria, cabala.

Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido,
resta a alegria de estar só, e mudo.

De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?






quinta-feira, outubro 16, 2014

Se...



indefeso,
entre a madrugada
e a aurora
      peno
  e penso

ergo minha espada
contra monstros imaginários
a espada, ela também,
deve ser feita de ilusões

a realidade são os números
   os números
        os números
             os números
que conto entre meus dias
   cansados
         cansados
               cansados
oito a maior
       bola bola
          treze a menor
              quinze a maior

os números de mentira
que param no bolso de parasitas
os números que lhes pagamos
para que nos cobrem  novamente
        e digam
           e façam crer
que nossa única opção
é se seremos roubados
        com sorrisos
            ou com porretes
e que malucos são aqueles
que se recusam a escolher seu carrasco
e que escolhem lutar pela vida

enquanto isso...
a ilusão de um toque
é uma fantasia
mais real que qualquer número
       pálpavel,
           que acaricio
da qual alimento meus dias
tal como do sonho,
        palpável,
            concreto
                que construímos
de que tomaremos os números
cortaremos as cabeças dos parasitas
e todos os dias serão feitos de hoje

se apenas pudéssemos nos beijar
e eu derretesse dentro de você
em combustão espontânea
amanhã, quem sabe.
se...

segunda-feira, outubro 13, 2014

Anelo



Respiração presa
no calor, no sufoco dos dias
sufoco da espera,
da ânsia
do querer

solto
         esse ar
              devagar
         suspiros
              pausados
         uma noite
              por vez

as coisas bem feitas
exigem paciência
o otimismo da razão
a serenidade da vontade

solto
        essas
              palavras
        devagar
              para você
        uma noite
              por vez

a espera brinca com o desejo
a procura
a adivinhação
de você
    seu gosto
          seu cheiro
                seu toque
                      sua vida
que quero abraçar e sentir
apertando nos braços
bem forte, sentindo
suspiros, sufoco nesse aperto-desejo,
de tirar o fôlego e recompor o ar,
de perto
bem perto.



       

domingo, outubro 12, 2014

Canto do mal do amor - Mario de Andrade (1924)

Caminho pela cidade
Sofrrendo com mal-de-amor.
Senti que vinha... Seus braços
Era fatal me chamavam,
Parti... Cheio de vontade
E já não tenho vontade,
Percorro a noite, percorro
A noite com mal de amor...

É tarde já... Zero grau.
Hesito mais, indeciso...
Meus irmãos desaparecem
Nos corredores com luz
Donde saltam na calçada
Muitos palhaços de riso,
Até rio... Vaia o jazz.
Caminho pela cidade
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo com mal-de-amor
Sofrendo. A frase não pára
No meio: com mal-de-amor.

Ironia do contraste,
Militares linhas retas,
Praças claustros seculares
Nunca amaste! nunca amaste!
Névoa filha-de-Maria,
Névoa fria... vida fria...

Não vale a pena ficar
Torturando a minha carne
Com o clício da esperança,
Arrasto gozos perdidos,
Vim buscar os corredores
Os corredores com luz,
E o eco desses braços nus
Resvalando no céu baixo,
Atordoando os meus ouvidos,
Corro cambaleio azoinam
Meu corpo corpos rangentes,
Estalidos de desejos,
Beijos, ecos estridentes
De braços nus me chamando,
Eu quero! eu quero... Seus braços
Teus abraços boca pele
Seios olhos seios dentes
Corro. O eco explode já perto
Muito, perto muito, forte,
Vejo perfume de fome
Muito forte, muito perto,
Agora... Ela me abre os braços
Viro a esquina, estendo os braços,
Meus abraços nos espaços.
Rua reta, rua reta,
Rua reta, que deserto!...
Os lampões bem regulhares
Com um só olho. São cíclopes.

São eunucos dum harém,
Odalisca, o lampeão pisca,
Não tem mais nada niguém...

O sino cai sobre mim.

São três horas já.... Percorro
A noite com mal de amor...
Pedaços de minha carne
Pelos punhais das esquinas
Vão ficando, vou caminho
Sigo... amor... Sei que não morro,
Vou sigo caminho... é tarde...
É mais adiante! Na esquina!...
Já sei que não é... Aquela
Janela sempre acordada,
É uma puta me chamando,
Dez milréis, mercadoria,
Alfândega, porto de Santos
Oceano atlântico, grande
Mar monótono monótono,
As ondas que vão e vêm,
Os cadáveres nos naufrágios
Serão jogados na areia...
E há praias muito bonitas
Com palmeiras guaranis...
As invenções de Alencar
Ficaram muito inferiores
A esses oásis das praias
Tão verdes, tão verdes, tão,
Tão horrível solidão!...
E o mar ondula e desmaia,
Depois me empurra é fatal
O mar me empurra pra areia
Sou atirado na praia
Das palmeiras, minha rua...
Minha rua das Palmeiras...
Vou sigo caminho.... Longe
Meu quarto... quarto vazio...

Um vago marulhar de ondas
Sai dos meus ouvidos... O eco
Morreu. Um marulhar de ondas...

A miragem se dispersa.

Os braços nem chamam mais...
Sangue da aurora... O padeiro
Passou.
            Última esquina.
                                     Perto
O olho frio do meu quarto...
Nem não tenho carne mais...
Carne mais... Sigo. Caminho...
Destroços de ossos batendo...

Triste triste do andarilho
Carregando para o quarto
Os lábios secos. Inúteis...

bem-me-quer, mal-me-quer



Sua voz é um murmúrio
perdido em um dia distante
que já não sei se é lembrança
ou imaginação.

Ao longe, procuro
e deixo uma mensagem
perdida
hesitante
assustada

tuas palavras
ora frias e respeitosas
ora quentes e carinhosas
e já não sei se sei algo

expectativas cedem
tornam-se esperanças
às vezes vagas, melancólicas
pequenas ondas que rebentam
contra o cinza desses dias

falo ao horizonte querendo que me escutes
e tento ouvir sua voz me respondendo
no eco desse vento que sopra
silêncio

essa falta do que nunca tive
do que espreito com um sentido oculto
a pulsão de um amor incoerente
a vida que levamos, amarga
sinto o gosto ruim na boca, o despertador que toca
em mais uma manhã de desespero
de procura de sentido numa qualquer coisa
um grito abafado

às vezes tenho ódio dessa espera, de mim
dessas esperanças tolas que nutro
como o filho primogênito, detentor da herança de vida
quero sufocá-lo com essa agonia que me come o peito

mas então, uma palavra qualquer que pego ao acaso
que sonho ser dita para mim
aquieto o peito, alimento os sonhos
e, uma vez mais, durmo tranquilo
embalado na esperança

vivendo um amanhã que sabe-se lá...
que espero

quarta-feira, outubro 08, 2014

a estranha mania de ter fé na vida



é preciso
   ter força
        ter gana
             ter sonho
        sempre

pros dias em que a vida nos traga
em que a luta, a labuta
emudece os sentidos
          nos embota o amor
               nos cala as lágrimas e os risos

quando essa treta for tanta
que não dá pra respirar
é preciso lembrar
   que merece
              viver
                     e sonhar
como outra qualquer do planeta

estou planejando
aos poucos, mas decidido
tomar tua vida de assalto
te levar pelos punhos
           para deixar de sonhar
                                  e viver
                                  e amar

gastrite



café, combustível do dia,
alimento da morte
líquido negro, quente, viscoso,
entra rasgando e sorve teu corpo
e rói tuas tripas
e amarela teus dentes

toma o teu, cartão em mãos
bate o ponto, executa,
repete, finaliza, recomeça

no trânsito, a espera
apita o sinal, atropelos
na busca de um banco pras pernas cansadas
se esvai um resto de humanidade
por quinze minutos de um quase sono

velhos, crianças, deficientes
não há quem se salve
nessa corrida para a morte
pernas mancas, cabelos brancos,
corpos gastos, mentes exaustas

azia,
        gastrite,
                    úlcera

os milhões do patrão comeram teu corpo
na construção de um mundo que não pode comprar
mas que vê de graça
na propaganda da novela
último ópio do dia
para nublar a mente
cansada de odiar

segunda-feira, outubro 06, 2014

Toque



No toque
que escapa.

Me ensina a olhar
      nos teus silêncios,
             desfazer as distâncias
fazendo as palavras
             desnecessárias
                     por um momento.

Te quero aqui pra botar
      um pouco mais de carne
                nesses sonhos aéreos.

Não sei dançar,
       às vezes não sei medir
                   às vezes tenho receio
              de te olhar
         de te pedir
    de te puxar
                           de perder a cadência.

Os sonhos, acho, são armaduras
      de quem às vezes tem medo demais
            vontade demais, vida demais, tudo aqui dentro, bem preso, bem preso, apertado,
esperando só, só esperando...
...
aquela hora de explodir em realidade.