terça-feira, maio 31, 2005

Você lembra da primeira vez que se sentiu angustiado?
Com 14 anos eu senti toda a solidão e desespero do mundo simultaneamente dentro do meu coração, e de repente eu tive a certeza de que ele ia explodir e acabar com tudo. Mas não acabava nunca, e a dor continuava.
Entrou no meu coração como uma faca quente cortando manteiga.
E só depois que eu descobri que aquilo que eu senti em relação a uma só coisa, dava pra sentir em relação a tudo e a mim mesmo ao mesmo tempo.

terça-feira, maio 24, 2005

Como pode um peixe vivo viver fora d'água fria?

quinta-feira, maio 12, 2005

Havia as tomado como uma prostituta sem valor, a quem se dá uns trocados e julga não dever mais nada. Pelo serviço prestado, alguns trocados. Recebidos com a fome de quem não existe sem aquele resto de misericórdia. Pois é disso que dependiam elas, as palavras, de um pouco de crença, de um crédito alheio. Se ninguém lhes desse valor, elas nunca serviriam de nada. As palavras se alimentavam de bocas, de saliva, de línguas, de tradições orais, de papéis, de canetas, de livros, de escritos, de histórias, documentos, promessas, juras. As palavras se alimentavam da comunicação, da carência, da eterna necessidade de se aproximar do outro, de tocar as mentes e os corações daqueles que estão separados por espaços, tempos e intempéries. E foi para aproximar o que os corpos, gestos e intenções não podiam, que aquelas palavras foram pronunciadas.
As palavras eram prostituídas todos os dias em troca de mentiras fúteis. Na boca de quem as falava, eram entretenimento barato. Palavras se desfazem no vento e no tempo, nas traças que devoram os papéis e nas memórias carcomidas de defuntos que um dia as ouviram. As palavras, por si mesmas, nunca tiveram valor nenhum. O valor que podiam ter era só o de quem as falava, de quem as ouvia. E se neste valor não podiam se fiar, sua existência era uma tentativa frustrada de viver mentiras, de convencer às fantasias que elas haviam encontrado abrigo seguro. Nem mentiras aquelas palavras foram, na boca de quem as disse. As mentiras têm o valor da artimanha, da lábia, da malandragem. As mentiras têm o valor da dura premeditação que se arremeda em uma complexa rede, tramada delicadamente fio a fio para lhe conferir a esplendorosa teia da verossimilhança. Uma mentira bem contada trazia a beleza das grandes sagas, das lendas e mitos, as ficções perdidas no tempo. E era este um dos valores mais lindo que as palavras poderiam assumir.
Mas não, não era isto que aquelas palavras haviam se tornado. Escapando ao valor da jura, da promessa que se faz com o amor de lágrimas soluçadas, aquelas palavras haviam caído no vazio da futilidade que quer se agarrar em uma besteira. Tal qual as palavras de um apresentador de um programa de televisão numa tarde qualquer de domingo, palavras que são atraentes, mas não mais do que isto. As palavras que, depois de alguns pontos de ibope ou de algumas carícias consoladoras, tem a única importância para quem as disse de um leve constrangimento passado. Mas as memórias são fracas, as vontades são volúveis, as pessoas não se importam, e o passado não pertence a ninguém mais.
As palavras, prostituídas em troca de uma pretensa necessidade imediata, perderam seu valor, foram surradas e desmerecidas. As palavras, se não houvesse alguém para chorá-las, nem ao menos receberiam um funeral da parte de quem as pronunciou. Apenas enterradas sobre o peso forjado e irredutível de um esquecimento.
Que estas palavras, eu ainda as lembro, ao menos tenham uma morte digna e um canto merecido para seu descanso dentro de minha penosa memória, que as guardará tão bem quanto puder até que ela própria se desfaça esquecimento. Pois de quem as disse, nunca mais receberão nada.