sábado, dezembro 15, 2007

Parcialmente escrito, praticamente baseado em um sonho desta tarde...



Era um dia de agitações na protocidadela. Nos últimos meses o comichão de suas fronteiras havia devorado léguas de mata virgem e pasto inerte. No bairro velho fervilhavam conspirações, sibilavam ameaças entre as línguas ásperas dos velhos druidas enrugados. Os aprendizes ensimesmavam-se em treinações e ambições que recriavam suas mentes em plena expansão e derreformação. Os bruxistas não deixavam por menos, recalcando pirotecnias e transcriando as velhas cavernas enfumaçadas e escuro-piscantes. O cheio se espalhava longe nas ruelas se impregnadas de molecarias maltrapilhas emprumando-se em desejosos sonhos de integrar ambas as corjas. Velhotas carcomidas arrastavam carroças rangentes repletas de bagulheiras misteriosas, mesclando-se entre o populacho anunciavam supostos ingredientes poderosos vindos das terras distantes. Escamas petrificadas de Dragonilhos cornudos das planícies desérticas, sabugos ressecados das florestas faéricas, pisadelas de enxofre dos homúnculos ferozes do sul e outras tantas tranqueiras eram apregoadas em gritos estridentes e roucos. Os velhos magos ressabiados aproximavam-se raramente e apossavam-se de algum artigo soterrado ao fundo das tranqueiras de alguma vendedora, não sem antes remexer seus melindrosos bigodes em caretas e insultos, pechinchando as mercadorias com palavrarias tão antipáticas quanto inabilidosas. Os jovens aprendizes esbofeteavam-se em algumas filas, desesperados por colocar suas mãos em alguma bugiganga com cheiro de exoticidade. Ávidos, levantavam seus narizes sobre as cabeças uns dos outros e, com os olhos brilhosos, tentavam farejar através do ar semiprovinciano e rançoso de suor e pós mágicos de toda sorte, algo que pudesse lhes trazer a sorte grande.
Para além das fronteiras difusas dos conluios mágicos o burburinho persistia em outras formas. Viajantes de todas as partes se esbarravam nas estreitas ruelas, entre preocupados e curiosos, reviravam o lugar com os olhos e com o que mais pudessem. Procuravam por tudo. As tramarizes mulheres do bairro de baixo seducilhavam aqui e ali, espalhando por entre os recém-chegados os rabelhos flutuantes de suas belas roupas dançantes, deixando rastros lilases, azulados, rosáceos, remisturando-se. Os cheiros de almíscar, jade, canela e toda a sorte de frutilhas afrodisíacas ouriçava os pêlos dos passantes, encobrindo por completo o cheiro acre nauseabundo de suor, sangue pisado e estrume dos animais fedorrentos que eram puxados por seus donos ou arrastavam carruagens indiferentes ao buchicho das ruas. Suas risadas melodiosas e olhares ferinos, dissimulados, perfurantes, rebolavam demoradamente no ar. Rasgavam conversas broncas ao meio, cortavam pensamentos compenetrados. Passavam em passos graciosos, pretensamente indiferentes e desinteressados daquela vulgaridade que gorgolejava em altos brados por toda a cidade. Em segundos desapareciam, mas ainda assim estavam sempre por toda parte.
Velhos conhecidos se reencontravam em estrondosas gargalhadas e abraços sacolejantes. Estranhas reverências se encenavam aqui e ali, e nas tavernas os copos se chocavam ruidosamente em brindes pronunciados nas mais diversas línguas. Os bandos de andarilhos, saltimbancos e ciganos mais uma vez retornavam à cidade em uma inexplicável sincronia. Perambulando por ali ofereciam adivinhações e serviços, bajulavam ricos comerciantes e empoladas senhoras, tocavam intrumentos e entoavam suas cantigas recolhendo moedas com chapéus coloridos e bufantes. Arremessavam objetos ao ar em malabarismos improváveis e cuspiam labaredas coloridas. Furtavam objetos entre a multidão apressada e arrecadavam riquezas com sua ardilosa lábia enganatriz. Sobreviviam alegremente, e a partida os recolheria dali antes que suas confusas vítimas pudessem esboçar pretensões de entender o que havia se passado.
Na praça do mercado o estrondoso amontoar de gentes alcançava seu vertiginoso ápice. Lá, tinha-se a impressão de que qualquer coisa poderia acontecer a qualquer momento.



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