quinta-feira, dezembro 29, 2005

IV

Foi através da filha do prefeito, e não poderia ter sido outra pessoa, que Pablo conheceu seus amigos e passou a ter uma vida fora de sua triste esfera profissional e familiar. Maria Pilatos poderia ser a ovelha negra da família se seus pais não fizessem vista grossa para todos seus pecados, tratando-a como se fosse uma verdadeira princesa. Coisa da idade, logo passa, segredava o prefeito para sua esposa, torcendo em seu íntimo e rezando todas as noites para que isso fosse verdade. Como não poderia deixar de ser, os hábitos da garota não escapavam à ávida perseguição de todos. Maria era certamente a figura mais comentada da cidade nas fofocas de maldizer que alegravam o dia-a-dia das comadres. Nas línguas ferinas das beatas, a moral cristã fritava a alma da menina como se no inferno já estivesse. Era uma vagabunda, uma pequena prostituta, pensava Dona Carmela com estas mesmas palavras sujas que nunca poderiam ser proferidas por sua boca casta e pura, de onde saíam apenas palavras de uma adoração voraz por nosso Senhor.
Maria gostava de viver o máximo que podia, mesmo naquela cidade em que a vida parece estar sempre aprisionada a um estado inescapável de torpor. A letargia das tardes quentes na pracinha e a hipocrisia das missas de domingo não alcançaram a menina, que permanecia incólume como se pertencesse a outro mundo. Era capaz de tratar seus pais com grande amor e dedicação, e ainda assim mantinha todos os costumes que a civilidade de Nazaré tanto condenava, especialmente no que se refere ao comportamento sexual de uma moça de família como ela. Como dizia Alexandre Pôncio, as putas ao menos ganhavam dinheiro com sua vadiagem, e isso as fazia mais valorosas que Maria Pilatos, vagabunda por vocação. Nascida em berço de ouro, não precisava se preocupar com dinheiro, trabalho, estudo. Quem sabe um dia destes não engravidava de um qualquer por aí e, aí sim, nem o frouxo do Felipe Pilatos iria aturar sustentar uma vadia desonrada.
Mas era evidente que as coisas que se diziam e pensavam de Maria Pilatos estavam sempre confinadas à esfera da vida particular. Em público, não se poderia desrespeitar a filha única de Felipe Pilatos, honrado prefeito da cidade. Havia, evidentemente, as inconvenientes indiretas por parte de algumas pessoas mais exaltadas em defender os bons costumes. Mas, ao concordarem secretamente, todos fingiam não entender de que se tratava. Grande parte dos bons cidadãos de Nazaré do Bom Jesus sentiam pena de Felipe Pilatos, que nada fizera para merecer uma filha assim a sujar o bom nome de sua família.
E foi justamente pelo estranho marceneiro que ninguém notava que se apaixonou Maria. Aos poucos, o pequeno mundo familiar de Pablo se anulou diante das possibilidades trazidas pela garota. Foi uma questão de tempo até que o marceneiro se convencesse a conseguir, em suas viagens na camioneta para a capital, algo para ajudar a escapar à enfadonha realidade de Nazaré do Bom Jesus.

terça-feira, dezembro 27, 2005

III

Pôncio não sabia, mas o plano de Natal dos moleques havia começado já há muitos meses. E toda a sua felicidade, materializada em quantidades fartas de diversos tipos de drogas se devia a um sujeito que nunca passaria pela cabeça bronca do delegado: era graças ao discreto marceneiro de Bom Jesus do Nazaré que eles conseguiam aquilo tudo. Moleque pobre e paraguaio, não falava português bem o suficiente para que alguém na cidade se preocupasse em tentar entender o que dizia. Pablo Sujes era considerado cidadão de segunda categoria, inapto a participar da vida social da cidade e não recebia convites para aniversários, casamentos, ceias de Natal e ano novo. Sua única função era construir e reformar móveis, portas, cadeiras e outras quinquilharias. De resto, a cidade não lhe notava a existência. Atrás de seu portunhol tosco, seu bigodinho mal aparado e suas camisas xadrez velhas e maltrapilhas, se escondia um moleque ressentido daquela caipirada estúpida.
A família Sujes chegara na cidade antes de seu nascimento, apenas sua mãe e o marido, fugindo sabe-se lá do que para ter que parar num fim de mundo como Nazaré. Já velha e doente, a mãe recebeu a gravidez de seu único filho como uma surpresa desagradável, já que o marido havia sido diagnosticado por uma infinidade de médicos como estéril. A ferida no orgulho de José Sujes de não poder passar seu sangue adiante se agravou dolorosamente ao se deparar com a inevitável constatação de que fora traído pela mulher que, não importando o quanto jurasse não ter sido infiel, não conseguira convencer disso o marido. Durante a gravidez Maria Sujes passou por maus bocados na mão do marido inconformado, que lhe batia e insultava. Após as surras que recebeu, a continuidade da gravidez era um verdadeiro milagre. Afora os vizinhos consternados com o barulho, ninguém se importou com as contínuas brigas na casa deles. Por fim, no dia do nascimento do filho bastardo, o desgosto de José Sujes foi demais: deixou a mulher no hospital para parir o rebento e não ficou para assistir. A mulher passou a noite de Natal na maternidade, perguntando desesperadamente em um incompreensível espanhol dirigido a uma apática enfermeira de plantão onde se encontrava seu marido, até que lhe aplicaram um sedativo que a fez dormir até o fim da noite. O paradeiro de seu marido só lhe foi revelado quando chegou em casa com o pequeno Pablo e viu José enforcado numa viga da casa.
Pablo teve que trabalhar desde os dez anos ajudando na marcenaria do Seu Sebastião para poder sustentar a mãe enferma, que já então mal conseguia andar e muito menos trabalhar. Foi assim que herdou o ofício e a oficina do patrão sem família, que morreu quando Pablo tinha dezenove anos. Não terminou a escola, não tinha amigos e, além do trabalho, sua única ocupação era cuidar da mãe. Bebia uma cerveja solitária no domingo, pensando em coisas que não existiam. Mas um dia as coisas mudaram.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

II


O delegado Alexandre Pôncio revirava sem sucesso as redondezas da praça principal atrás dos fugitivos. Era o último de uma longa linhagem de mantenedores da lei na cidade, com mão de ferro. Mas não era segredo para ninguém na cidade que, há anos, desde o nascimento de seu primogênito, a família Pôncio não era mais digna de sua dinastia de xerifes em Nazaré do Bom Jesus. Juninho nascera retardado, pra desgraça do pai, que ficara sem saber como iria arranjar herdeiro a Lei da cidade. Só não jogou o moleque num rio ou deixou no orfanato por causa dos mexericos. A cidade inteira sempre sabia de tudo, e não teria como explicar o término da gravidez da mulher sem uma criança no colo depois. Seria o fim do prestígio da família Pôncio. Então Alexandre seguia, com desgosto, na carreira de justiceiro de Nazaré. O último.
Mas, intimamente, Alexandre conhecia o problema real de sua família: o sangue enfraquecera. Ele próprio, Alexandre Pôncio, sabia não ser digno do título de Varão da família, herdeiro da Lei de Nazaré do Bom Jesus. Lembrava-se, envergonhado e em segredo, das coças que recebia do pai na infância enquanto ouvia os desabafos do velho pai-xerife: Fraco, covarde, inútil. Apanhava na escola e depois em casa, por não ter sabido revidar. Primeiro teve que aprendeu a não chorar e, em seguida, a bater nos meninos da escola também: primeiro nos menores, depois nos grandes. Batia por vingança, pra revigorar a alma das surras aplicadas pelo pai. As punições físicas não lhe doíam tanto, o que ressentia Alexandre era sua moral ferida de menino que queria ser homem. A humilhação de casa ele aprendeu a colocar no punho que acertava os moleques da escola. Irrascível, certa vez, aos quinze anos, exagerara numa demonstração de força para tentar provar a si mesmo que era digno de ser um Pôncio. A vítima foi para o hospital, dali pra frente não se sabe. Fosse qualquer outra criança, Alexandre teria enfrentado problemas sérios. Mas era um Pôncio, e o caso foi logo esquecido por todos. De qualquer forma, a surra foi incapaz de purificar Alexandre da certeza que o pai lhe dera: era um fraco, fruto dos novos tempos em que os casamentos dos Pôncio deixaram de ser consangüíneos. O sangue puro se diluíra na frouxidão das outras famílias. E Alexandre carregou isto ao longo da vida, destilando lentamente como um veneno que o corroia por dentro. A confirmação final veio no maldito dia em que trouxera ao mundo aquela aberração, incapaz de levar adiante a tradição da família. Seu único contentamento era o pai não estar lá para presenciar esta degradação final. Mas tudo isto Pôncio carregava dentro de si. Por fora se mantivera impassível, rígido: era o incontestável homem forte da cidade.
Outrora teria dado um corretivo de dar gosto nestes moleques, arruaceiros de merda, ao invés deste chá de cadeira fajuto que se aplicava na delegacia. Nas estradas ao redor de Nazaré, a lei dos livros não tinha vez: lá quem era Rei e dava a palavra da justiça era a família Pôncio. Mas, além do desamparo de ser um Rei sem herdeiro, a nova geração de arruaceiros trazia outros problemas pro delegado: uma das principais figuras no bando era Maria, filha única da outra família notória da cidade, e o pai da menina era o prefeito. Por isso a coisa apertava bem onde o delegado tinha menos tato, que era a diplomacia. Por mais que fosse um Pôncio, não podia chegar ao extremo de mandar prender ou dar uma surra em Maria Pilatos. Pelo menos, consolava-se Alexandre, minha família não chegou a ponto de criar uma vagabunda drogada. Se pudesse, arrancava ele mesmo os dentes da pequena meretriz. Era principalmente por causa dos seus privilégios que ela conseguia sempre tirar os outros da cadeia, depois de passarem uma noitada na cela. E, Pôncio tinha certeza, era ela também que facilitava a entrada na cidade das drogas que eles usavam. Era o resultado desta merda de criação de frouxo que deram às crianças. Sem trabalho, só saindo de casa pra vadiar. Deu nisso.
Alexandre continuava rodeando o centro da cidade, aliviado pela oportunidade de sair de casa. O Natal era para ele o pior dia do ano, pois foi justamente nele que se deu a desgraça de nascer o filho. Todo ano a mulher, a filha mais nova e o resto da família comemoravam o aniversário de Juninho, enquanto o pai se remoia de tristeza num canto, engolindo a amargura num prato de peru e farofa. O filho da puta do médico, nunca confiara nesta raça, dissera que o menino não passaria dos quinze anos. Este ano completava vinte e três, e andava muito bem de saúde. Pelo menos a arruaça na cidade lhe deu uma desculpa pra sair, e também alguma coisa em que descontar a raiva. Deu uma boa surra nos dois primeiros antes de os mandar pra delegacia. Mas ainda faltavam muitos, com certeza todos tinham saído pra aproveitar as ruas desertas da noite de Natal.

domingo, dezembro 25, 2005

Ainda iriam passar cerca de quatro horas naquele buraco sujo, segundo os cálculos imprecisos de Pedro. Mas para sua cabeça, naquele estado, quarenta minutos ou quatro horas seriam difíceis de distinguir. Alternava o foco da sua atenção entre os diversos pontos de dor no seu corpo, ora sentindo seu pé latejando, provavelmente com algum osso quebrado, ora sentindo as feridas no rosto, cujo sangramento não estancado tingia de vermelho sua camiseta velha e o chão da cela. Felizmente, os gritos e insultos do Ferreira se tornavam um zumbido distante e sem importância na sua consciência anuviada pelas drogas.
Sentado no chão a sua frente, Paulo olhava fixamente um fiapo de peru que, pendurado de maneira insólita, se remexia insistentemente no bigodinho do Ferreira a cada grunhido do discurso disciplinar que ele emitia. Na visão do guarda, o deslumbramento lisérgico do adolescente com o resto de comida no seu bigode era um olhar assombrado pelo temor que sua figura de autoridade transmitia. De pé, perscrutando os adolescentes com seu rosto arduamente treinado pelos procedimentos da corporação policial, Ferreira sentia a plenitude do dever cumprido: a vigilância da ordem da cidade estava sendo executada à risca. E a harmonia sagrada do Natal, agora que estes arruaceiros estavam atrás das grades, estava mais uma vez assegurada. Para enfatizar o apelo disciplinar de sua fala, por vezes o guarda batia subitamente com seu cassetete nas grades de metal da cela, provocando um barulho desagradável que ecoava pelos corredores da pequena delegacia de Nazaré do Bom Jesus. A moral do policial permanecia inabalável, a despeito do fato de que ninguém na cela estava ouvindo ou se importando com seus impetuosos brados.
O guarda Ferreira, agora já passado da idade de receber uma promoção do delegado, tinha como única ocupação correr atrás deste bando de moleques. Era a quinta vez neste ano que eram presos por vadiagem. Eram, na verdade, a última salvação do pobre guarda: não podia agüentar o burburinho das conversas de praça e das comadres da Igreja dizendo como era um inútil, que polícia em Nazaré era que nem bombeiro no pólo Norte, que sua profissão era vigiar os casais namorando na rua. Ferreira sabia que o destino lhe guardava mais: era um bastião da justiça, defensor incansável da lei. Recebera treinamento, sabia atirar, algemar, conhecia os procedimentos. Das suas histórias, todas inventadas, se gabava portentosamente nas festas, quando todos estavam bêbados. Ele, nunca bebendo, dizia que era dever de um oficial permanecer em plena capacidade de exercer sua função, ainda que fora de serviço. Era necessário se manter austero para intervir em quaisquer complicações. E saíra orgulhosamente da ceia de Natal, como se atendesse uma emergência, quando precisou resolver o caso dos moleques. Pois sim, pensava ele a caminho do dever, agora esta cidade vai ver como é fundamental um policial preparado para a ação em plena noite de Natal. Ou prefeririam ver a Noite mais sagrada do ano arruinada por uma dúzia de arruaceiros? E agora vigiava a cela enquanto o delegado ia atrás dos outros.
Seu discurso corretivo versava acerca dos valores que os jovens haviam desrespeitado, da decepção e vergonha que causavam às suas famílias e à reputação da cidade, entre outros ensinamentos morais que certamente, segundo Ferreira, dariam a estes delinqüentes algo em que pensar enquanto alguém não os vinha retirar. Vadiagem é errado! Bradava Ferreira a plenos pulmões. Bebedeira é errado! As faces murchas do guarda adquiriam tons avermelhados. Desrespeitar a autoridade é errado! Os olhos injetados saltavam das órbitas. Vocês são vagabundos! Arruaceiros! Delinqüentes! Imbecis! Paulo finalmente alterou sua expressão catatônica e boquiaberta quando, ao proferir os últimos brados acertando escandalosamente seu cassetete contra as grades, Ferreira varreu de seu bigode o pedacinho de peru, carregado por uma torrente de frenéticos perdigotos. O menino olhou pra baixo, encarando no chão a sua frente a pequena gota de saliva que jazia junto ao resto mortal do animal servido na ceia de Natal da casa da sogra do guarda Ferreira. O guarda, vendo Paulo olhar para baixo, se deu por satisfeito concluindo que o menino baixava a cabeça de vergonha diante de seu sermão. Taquicárdico por sua comoção, o policial resolveu descansar um pouco em sua mesa. A noite ainda era longa pela frente, e felizmente ele estava longe dos parentes bêbados e de seu escárnio pela sua nobre profissão. Paulo e Pedro aguardavam em silêncio na cela, certos de que seus outros amigos se juntariam e eles em breve.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Algumas coisas me deixaram com vontade de postar aqui, mas resolvi aproveitar a inspiração pra começar meu conto de natal.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Quero sugestões pro meu conto de natal.
Afinal, o que tem de interessante no natal?
Queria escrever uma coisa bacana neste ano, pra variar.
Acho que não tenho mais coragem de escrever, a não ser trabalhos acadêmicos.
Quem sabe não é neste ramo da mediocridade humana que reside meu futuro, ao invés da literatura de boteco.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Atualizei todos os meus links.
Agora, vê se vcs param de criar, recriar, destruir e mudar seus blogs.

terça-feira, dezembro 06, 2005

As últimas temporadas de Simpsons, não sei se devido ao desgaste de mais de quinze anos, ou à queda da qualidade dos roteiristas, ou ao meu gradual processo de enranzinzamento e perda de humor, me pareceram sempre muito piores do que as primeiras.
No entanto, hoje eu vi um episódio sensacional. O burns resolve ficar popular e compra toda a mídia da cidade, menos o jornalzinho que a Lisa faz. No fim do episódio a Lisa diz pro Homer que aprendeu que um jornalzinho não pode mudar este mundo ruim. Daí aparece um monte de gente com seus próprios jornaizinhos, e a Lisa vê que ensinou as pessoas a acreditarem no poder da mídia alternativa.
Mas enfim, tudo isso só pra dizer a última frase do Homer, que foi o foda do episódio:

Agora não tem mais um tirano controlando a imprensa, mas mil malucos distribuindo suas opiniões sem nenhuma importância.

Lembra algo?
Just for the record...

Estava relendo um trabalho meu sobre a formação do império russo, e fiquei pensando sobre como as pessoas são engraçadas. Sei lá, aí vai um trecho. Dúvido que interesse a muita gente, mas isso é problema de vcs:


O domínio tártaro que se estendeu por séculos na Rússia teve conseqüências profundas na vida cultural de seu povo. Um dos fatores mais importantes a se observar neste período é o isolamento em relação à Europa pelo qual Rus passa. Apenas Novgórod e Pskov mantiveram algumas relações com cidades setentrionais alemãs. Todo o desenvolvimento cultural que havia no período anterior ao advento dos mongóis sucumbiu diante de sua dominação. O artesanato, por exemplo, até então bem desenvolvido, regrediu significativamente. Nas palavras de Púchkin: “Os tártaros conquistaram a Rússia, mas não nos ofereceram a álgebra nem Aristóteles”. As crônicas e escritos religiosos da época também demonstraram a influência negativa que a dominação tártara exerceu sobre o mundo cultural da Rússia. Os negócios e as cidades também foram prejudicados, e isto tudo se deve essencialmente aos métodos da dominação mongol. Além da produção cultural, a cultura política russa também sofreu grande influência, que ajudou a construir a mentalidade absolutista e autocrática da Rússia.
O dia tá frio, cinza e ruim.
Eu escrevo, escrevo, mas ainda estou na quarta página do meu trabalho. Não aguento mais. Provavelmente mais uma noite em claro.
Eu sou uma pessoa mesquinha, desmotivada, egoísta, rancorosa e ruim.
O Garbage acabou, era uma das minhas bandas preferidas.
Eu vi um filme ruim hoje na tv, e perdi um tempão do trabalho que devia estar fazendo.
Eu devia gostar mais da Rússia, ou de alguma coisa.
As férias estão chegando, e eu sempre acho que vou encontrar alguma coisa atrás da porta.
Se eu fosse você, não perdia mais tempo.
Você perde tempo?

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Eu tenho medo de mim.

Cada dia eu olho pras coisas e tenho mais raiva, nojo, desprezo, tristeza, desânimo, desgosto em relação a todas elas. Quando as pessoas falam, eu não gosto. Quando eu vejo programas, leio livros, penso em possibilidades, tudo é escroto. Eu não tenho mais respostas, perguntas, iniciativa, esperança, ambições, planos, metas, vontades.
A vida me parece a coisa mais idiota já inventada. E me parece a única.
Eu fico imaginando como eu vou estar daqui a trinta anos. Mas eu não consigo nem pensar em que merda que eu vou fazer pra amanhã.
As coisas que gosto, as poucas, são bacanas. Mas elas não podem me salvar e nem salvar o mundo.
eu não gosto deste post, e provavelmente não gosto dos seus comentários.

(Eu tenho vontade de ficar fazendo uma lista de coisas que me dão raiva, e ela cresce em velocidade exponencial. Odeio seus hábitos, gostos, gestos, pretensões. Que se fodam.)

segunda-feira, novembro 21, 2005

Pois bem, veja que beleza:

O professor de orçamento do meu pai, no MBA de administração hospitalar, estava falando sobre lucros. Ele estava discorrendo sobre empresas que investem no setor público e a lucratividade disso. Em geral, ele explicou, o lucro gira em torno de 20% ao ano. No entanto, ele começou a pesquisar um determinado setor: Transportes públicos. Ora, vejam a surpresa quando, eis que o senhor doutor da FGV descobre o seguinte: o retorno das empresas deste setor superaria os 100% anuais caso eles cobrassem uma tarifa de R$ 0,50. No entanto, o que constatamos é que não há tarifa que não custe três vezes este valor no sul e sudeste do país.
Logo, penso eu, seria de grande valia tal pesquisa para fundamentar certos argumentos muito úteis na nossa vida. Infelizmente um fato peculiar impede a conclusão da pesquisa do Prof. Dr: Ele recebe algumas ligações de novos amigos perguntando se ele estava interessado em falecer e, caso não estivesse, seria saudável pesquisar outras coisas por aí.

Já que não temos acesso à pesquisa, fica aí o relato do episódio como uma reflexão do dia.

sábado, novembro 19, 2005

Harlequim recomenda:

A Morta, peça do Oswald de Andrade do caralho. Um grupo muito bacana que tá apresentando, só dez reais a entrada.
Sexta e sábado às 21:00. É lá em Pinheiros, naquela rua que é uma travessa da Inácio pereira da Rocha e sai ali perto do Sacolão. O endereço é Rua Medeiros de Albuquerque 55.
Mas só fica em cartaz até 3 de Dezembro.
Vale a pena ir, de verdade.

sábado, novembro 12, 2005

A hora das quatro me consome a vida, indiferente.
O vagar dos dias dissolve o sentido, qualquer que seja, daqueles cantos onde um dia enxergara reflexos da sua alma. Empalidecido, desgastado. Agora os dias eram foscos, e os caminhos, não importando onde fossem, já não eram dos pés de alguém que conhecesse. Amor, amizade e as outras palavras da mesquinha língua dos homens haviam se desgastado e perdido o clamor que a ingenuidade lhes conferira um dia. Embebidas da artificialidade que, esta sim, fulgurava em sua essência, nada mais comunicavam. Palavras, pensamentos, dias. Os olhos, quem dera tivessem se perfurado antes, com a intensidade que latejava em tudo: das asas de uma borboleta estúpida ao branco rígido do rigor mortis.
A alegria, outra das palavras prontas e estéreis, esta a achava em pequenos acontecimentos sem significado algum. Apenas por um momento, se vestiam com um sentido que parecia recriar algo que já nem mesmo sabia o que era. E, em alguns segundos, tentava ao menos se agarrar na nostalgia, pois lhe vagava pela mente anestesiada a tênue e ridícula impressão de que um dia já soube porque vivera tanto.
Nas manhãs havia o espelho. As imagens físicas não eram como a das palavras, idéias, sentimentos e sentidos: elas não se alteravam, exceto por esforço do tempo que as corroia. Era apenas o sentido que as recheava que se alterava conforme o ser olhante.
Tudo que um dia houvera havia se tornado sombras. Vivia ainda, quem sabe no porvir de vislumbres.

segunda-feira, outubro 31, 2005

"atualiza o blog! Atualiza o blog!"
É. Fácil falar quando não se tem milhares de coisas pra fazer. Enfim, ninguém gosta de escritores que produzem exasperadamente só para atender o mercado editorial. Então eu atualizo agora com meu glamouroso atraso. A parte triste de verdade é que não tem nada que eu realmente tenha vontade de escrever, pra mim nem pros outros. Acho que eu preciso de um pouco de tédio, reclusão, melancolia, solidão ou sei lá o que pra ter vontade de escrever de novo. Nem tenho tido tempo de ficar de saco cheio da faculdade, que dirá de reclamar dela. Não que eu não esteja de saco cheio dela, mas tenho tido tão poucas oportunidades de ir à aula que fica meio injusto dizer que é ela que atrapalha minha vida. E agora, ainda com um monte de trabalhos atrasados e faltas acumuladas, talvez seja mas fácil retomar estas reclamações.
É um bocado irônico ficar na correria pra fazer vários atos pelo passe-livre, queimar catracas, fechar ruas, conversar com pessoas sobre a injustiça do mundo, dos transportes, do capitalismo e blábláblá enquanto eu sinto um desânimo tão grande em relação a todas as coisas.
Acho que na minha próxima encarnação talvez eu devesse ser um animalzinho burro e feliz, como um poodle ou uma paty.
E deste jeito eu ainda vou levar tantos anos pra me formar...cada dia eu tenho menos vontade de dar aula ou de fazer qualquer outra coisa.

segunda-feira, outubro 10, 2005

terça-feira, setembro 27, 2005

Um post de silêncio por Ronald Golias.

quinta-feira, setembro 22, 2005

Eu vi no jornal uma mulher, devia ter uns sessenta anos, que foi pra cadeia por quatro meses por roubar um queijo e dois pacotes de bolacha no supermercado pro filho poder comer. Na saída do supermercado, o segurança chutou ela e depois levou pra delegacia.

Eu realmente não entendo quem acha este mundo um lugar bom. Espero conseguir fazer isto um dia.

Só pra reforçar, uma amostra grátis:


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sexta-feira, setembro 16, 2005

Eu me sinto agora (apenas neste momento) como se pudesse ter uma noite repousante de sono depois de anos acordado. Isso é porque eu consegui sentar e escrever de verdade. E tá aqui o meu conto de Natal que fiquei devendo do ano passado.

Violetas


Sentada na cama reclinável, cercada pelo ambiente estéril, asséptico e desolador do quarto de hospital, ela observava o vaso de violetas. Discretamente no parapeito da janela, aventurando-se na tentativa de irromper um vestígio de cor e vida no meio daquele deserto branco. No começo de uma tarde quente, o sol pousava seus mornos raios sobre as pétalas roxas. Era um vaso pequeno, as flores dispunham-se tão harmoniosamente que sua beleza parecia quase além do natural. O sol detinha-se no limite das flores, parecendo se admirar tanto com o encanto daquelas pétalas que não ousava seguir adiante para iluminar o quarto, a cama, os aparelhos com seus angustiantes bipes e outros barulhos mecânicos, monitorando constantemente a vida que se fragilizava mais e mais naquela cama. Lembrando constantemente que a decomposição, a dor e a morte se aproximavam a largos passos. A liberdade de viver por si só já fora arrancada por completo. A roupa verde-água misturava-a na tonalidade morta do resto do quarto, na ausência do sol tão distante do roxo vivo e intenso no parapeito.
A garoa fina e delicada que surgiu na janela pareceu um reflexo de suas vontades, expressando as lágrimas que já não saiam de seus olhos debilitados. Vermelhos e ardendo, haviam chorado muito. Agora, por exaustão ou fraqueza, se encontravam incapazes de produzir novas lágrimas. Mas as finas gotas que vertiam do céu pareciam suficientes para exprimir aquela tristeza. Desceram suavemente acariciando as pétalas roxas, umedecendo a terra do vaso e alimentando a vida da planta. Logo as gotas tornaram-se maiores, entrando pela janela aberta, molhando o chão do quarto. As pétalas balançavam para cima e para baixo com o impacto das gotas, acertando-as em cheio, asperamente. A água já não alimentava e nem era vida. Ela descia impiedosa, exagerada, dolorida por cima de cada pétala. Afogavam-se, desesperadas. Ela gostaria de levantar, de fechar a janela, pegar o vaso e protegê-lo. Ela gostaria de salvar as flores, de impedir o sofrimento. Algumas pétalas começavam a se soltar, caindo sobre o chão. Já não eram belas e cheias de sol. Eram enrugadas, amassadas, a água as havia deformado.
Seu corpo enfraquecido não conseguia deixar a cama e realizar o curto trajeto até a janela. Ela não podia fazer nada para salvar as flores, assim como ninguém podia fazer nada para salvá-la. Aflita, ela assistiu impotente à destruição das flores e suas pétalas, assim como assistia a própria decomposição de seu corpo enfermo nos longos dias e noites que se seguiam. Por fim, o que sobrava da violeta não se distinguia mais do resto do quarto: estéril, morto e sem cor. A mulher, tentando se confortar com um resto do efeito da morfina que tornava sua dor mais suportável, refugiou-se em suas memórias, que agora eram o último canto em que havia vida naquele quarto. Sua mente, também amortecida pela droga e sensibilizada pela doença, misturavam a cronologia de sua curta vida. Quando seus olhos conseguiam por um momento se concentrar e assistir pela janela o entardecer, ela enxergava do outro lado da rua no parapeito das janelas pequenas luzes brilhantes, piscantes. Eram as mesmas luzes que se acendiam em suas primeiras memórias de infância, ao lado de grandes caixas embrulhadas com papéis coloridos de presente.
Estas manhãs tinham um cheiro diferente em suas lembranças. As violetas, sempre lindas por cima da mesa da sala. Ainda que menos chamativas que os grandes embrulhos ao redor da árvore coberta de enfeites, suas cores eram as mais sinceras em sua humilde discrição. As flores preferidas de sua mãe, que todos os anos ganhava no natal, passaram a ser suas preferidas também, desde aquela época. Mas, apesar de nunca ter feito esta distinção para si mesma, não era das flores que realmente gostava, e nunca gostou das coisas pelo que elas eram. Gostava de saborear as pequenas lembranças escondidas em cada pétala, do cheiro que era de sua mãe dentro daquele pequeno vaso. Da sua mãe, lhe sobrara tão pouco. A lembrança de um toque macio e acolhedor, que não poderia nunca recuperar, tal qual a sensação de mergulhar o nariz nos profusos cachos que se prolongavam pelo contorno de seu corpo, e o modo como eles acariciavam. Sobrava uma lembrança pálida também, quase uma idealização, da voz doce que enchia seus ouvidos de melodias de ninar todas as noites, e de canções antigas nos sábados à tarde. De seu rosto, sabia os contornos e o branco dos olhos, sabia o tom de vinho sutil que delineava os finos lábios nas noites de festa, sabia as cores das compridas unhas que ajudava a pintar, sabia as duas maças do rosto que sentia em seus sonhos como se estivessem ainda ali, sabia o contorno das sobrancelhas e as linhas de expressão, sabia o contorno dos sorrisos e por onde passavam as lágrimas quando caíam. Mas fotos não havia, tampouco gravações. O tempo, que não havia se contentado em levar a mulher que cultivava sua vida com a paciência de um artesão e uma bondade que era impossível guardar, ano a ano lhe tirava mais um pedaço das memórias que haviam sobrado. E as violetas, seu cheiro, sua cor e seu gosto, talvez já fossem o pedaço mais concreto de amor que lhe sobrara. Um pedaço do único amor que havia existido, em uma idade em que o aproveitara da maneira mais autêntica mas, infelizmente, e talvez mesmo por isso, não soube o reconhecer como tal.
Sentia ainda, nas noites de sonhos ruins, o peso infinito do vaso que carregava aos treze anos, no dia em que primeiro entrou naquele prédio austero, silencioso e de brancas e assustadoras paredes onde agora aguardava a morte. Cada passo ressoando no corredor, enquanto ao seu lado acompanhavam uma freira e seu pai, como sempre de terno e cara fechada. Tentavam, dia após dia, lhe esconder a verdade. Teve raiva, mas não muita. Mesmo pequena, soube pela primeira vez entender que por mais que as pessoas vivam e aprendam, elas nunca realmente sabem o que fazer. E viu nos olhos distantes e despreparados do seu pai, que nunca soubera como lhe dar um vestígio do afeto que havia nos abraços da mãe, que ele tentava apenas poupar a dor que ele próprio sentia. Desejando poder ignorar aquela tragédia, queria colocar a filha mais próxima desse estado no qual ele imaginava não haver sofrimento. Mas o pai não sabia, e nunca saberia, que ele era apenas um apêndice naquela família. A empatia que a menina desenvolvera com sua mãe ao longo dos anos já havia há muito substituído o velho e gasto amor do casal. As lágrimas e confissões, as expectativas e alegrias, não eram para o senhor severo e engravatado que não sabia dar abraços que não fossem forçados ou dizer palavras de amor como se elas pertencessem à sua boca. Os momentos íntimos eram da menina, que os recebia e abraçava com o amor de uma criança, e com uma maturidade que escapava às margens de sua curta vida.
E, cruzando aquele corredor frio, a menina sabia muito bem aonde ia. Presa horrivelmente entre sua afetividade infantil e sua compreensão quase adulta, carregava uma angustia indizível, sentia o peso da morte naquele pequeno vasinho de violetas. Conforme levava aquelas miúdas flores roxas pro quarto de hospital da sua mãe, sentia cada vez mais que era como se carregasse o cadáver de mulher que amava para sua sepultura. Os olhos não queriam se defrontar com a palidez do edifício, muito menos com o desolador olhar do seu pai ou o sombrio semblante da freira que os escoltava. Mantinha-os fixos nas pétalas roxas, sempre os sentindo arder, como se a primeira lágrima fosse escapar a qualquer momento. Mas elas se mantinham presas aos olhos marejados, embaçando a visão que tinha das pétalas até transformarem-nas em um borrão roxo. O silêncio, também assustador demais, era substituído pela voz da mãe ressoando em uma canção dentro de sua cabeça. Os passos no corredor marcavam o tempo para a imagem de sua mãe que cantava.
A dor tornara-se mais forte, a cada dia piorava. A enfermeira, mal pôde vê-la enquanto perambulava os recantos das suas lembranças, sussurrou-lhe algumas palavras gentis e administrou mais morfina. Provavelmente a última dose, ela imaginava. A realidade de seu quarto era cada vez menos palpável, cada vez mais se mesclava com as memórias. E a voz da enfermeira soou como as palavras de sua mãe enferma, reafirmando seu amor na cama do hospital. Foi difícil encarar a mãe naquele momento. Pela janela do hospital fitava as luzinhas brilhantes de natal nas outras janelas. Já sem poder conter as lágrimas, entregou à mãe o pequeno vaso de violetas, esperando ingenuamente que assim pudesse se livrar do fardo que carregava. A mãe deu um último sorriso, agradecendo à filha por ter se lembrado das suas violetas de natal. Via as pétalas despedaçadas no quarto do hospital, sem saber se eram as de sua mãe ou as que tinha pedido para seu próprio quarto, como seu cortejo fúnebre. Filha para trazê-las não havia, nem alguém que as retirasse do parapeito da janela para que a forte chuva nas as estragasse. Pela primeira vez, desde que a mãe morrera da mesma doença que agora a consumia, a menina não poderia depositar um pequeno vaso de violetas sobre o túmulo da mãe. Fechou os olhos, lembrando do momento em que sua mãe fez o mesmo há tantos anos atrás. Suas lágrimas caíram sobre as pétalas das flores, como uma garoa fina e delicada caindo sobre um mundo que anoitece.
Ela era feita de futuro, da matéria-prima rústica que se encontra nos escombros, nas profundezas, nos berços, nas montanhas, nos esboços e rascunhos, que surgem da beleza espontânea das primeiras idéias frescas que vêm ao mundo. Ela era feita de possibilidades, da esperança mais cândida, daquele tipo que não se tornou um lugar comum, uma palavra gasta prostituída na boca de um farsante. Ela era feita de um amanhã que se concretiza a cada dia em um hoje cheio de tudo, de um dia que encontra as coisas por elas mesmas, autênticas e com a ousadia destemida de quem não se importa em parar pra se preocupar.
As alegrias, quando passageiras, tinham como rebento a mais bem acomodada lembrança, cultivada cuidadosamente e com os floreios que a realidade crua merece que nossa mente lhe forneça. As tristezas ganhavam o lugar de sua merecida importância, tomando para si ares de tragédia e forjando as paredes do castelo de cartas de acontecimentos que formavam o modo de ser e pensar e sentir. Até as mais simplórias banalidades abandonavam sua triste fugacidade para ganhar as entrelinhas que as vestiam como uma coisa que valia a pena ser lembrada, escrita, rememorada, revista, guardada.
As palavras e os gestos, ela sabia, eram inexperientes, cheios de medo e hesitação, mas até mesmo por isso embutidos de uma satisfação e de uma coragem que os tornavam mais verdadeiros, mais contundentes em suas intenções. As tentativas, mesmo quando pretensiosas, não eram arrogantes e sabiam da sua chance de sempre dar errado. E quanto maior fosse a chance de fracassar, maior era a satisfação de conseguir. A ignorância nunca fora um motivo de vergonha, mas sim de alegria por poder aprender alguma coisa nova sempre. A imaturidade nunca fora um obstáculo, mas um passaporte para poder ousar e conhecer sem o fardo das convenções e das limitações sociais. A falta de idade apenas cumpria o papel de encobrir agradavelmente o infinito de tempo por descobrir.
Eu devo estar no meu inferno astral, só pode ser.

terça-feira, agosto 30, 2005

O menino que usava camisetas brancas e meias pretas sempre iguais teve um sonho metalinguístico. Dormiu em sua cama, na mesma hora e do mesmo jeito que dormia todas as noites, com um copo d'água, dentes escovados, pijama verde de flanela e toda a vontade de que a noite não chegasse ao fim, porque ao fim da noite sempre vem o longo dia, tão mais longo que a noite e tão mais longe da vida. No seu sonho, que veio na forma de um despertar pro dia, o menino andava naquele simulacro de vida-do-dia-normal que a nossa cabeça faz quando estamos dormindo. Mas a nossa cabeça, assim como o menino (apesar de usar camisetas brancas e meias pretas sempre iguais) não gosta de mesmices, rotinas, relógios, ponteiros ou de leis da física e outras coisas que a gente vê nos filmes e nos livros da escola, e foi por isso que neste sonho o menino tinha camisetas pretas e meias brancas. E o menino entrou na escola, não do jeito que as pessoas chamam de "de verdade", porque deste jeito ele estava na sua cama, de olhos fechados e de pijama, e "de verdade" ninguém vai à escola desse jeito. Mas no seu sonho, ou seja, aquilo que as pessoas chamam "de mentira" ou "de faz-de-conta", o menino do sonho entrou na escola com camiseta preta e meias brancas. Mas o menino de "faz-de-conta", quando sentou na carteira não assistiu aula. Ele dormiu, e no seu sonho usava camiseta branca e meias pretas.

domingo, agosto 28, 2005

Meu pai, arrumando uns lixos no quarto dele, achou uma sensacional tabela de interesses que foi desenvolvida durante o meu curso vocacional (não, não me pergunte porque caralhos eu fiz uma idiotice destas. Faz parte de um passado negro da minha vida, meus pais insistiram muito e eu estudava na escola mais escrota do mundo). Esta tabela foi desenvolvida a partir de um teste de assinalar, mais ou menos que nem aqueles que tem na Capricho pra vc ver se o seu namorado te chifra ou se vc é uma vagabunda na moda. Os meus interesses, segundo o teste, são assim ó:

Ar livre 15%
mecânica 20%
cálculo 10%
científica 45%
persuasão 65%
artística 55%
literária 85%
musical 98%
social 99%
serviço de escritório 15%

Vale lembrar que eu fiz esta merda em 2001. Isso me faz pensar na seguinte questão: Será que, de acordo com os excelentíssimos psicólogos que elaboraram um teste tão fenomenal, dá pra mudar os resultados e trocar seus interesses? E, se sim, qual o sentido de fazer este teste pra escolher uma "carreira" se depois seus interesses vão mudar?
Isso é o que eu chamo de post idiota.

segunda-feira, agosto 22, 2005

Eu sei que já disse milhares de vezes, pra mim mesmo, pros outros, pra todos e pra ninguém, que eu nunca fiz nada disso por você. Não há nada mais ridículo (e aqui neste ponto eu peço que me concedam a legítima licença poética do exagero desmesurado) do que alguém que se importa tanto fingindo o descaso e a indiferença.
Eu fiquei olhando praquela foto, trancado no meu quarto, que eu guardo bem no fundo da minha gaveta e espalhada por todos os lados e momentos dos meus pensamentos. Eu fiquei pensando naquele dia, que o tempo cronológico guarda há mais ou menos um ano de hoje mas, e com um refinado senso de crueldade insiste em afastar de mim na ordem de um dia por dia, e que eu, com uma não-tão-refinada falta de senso de auto-piedade, guardo nas minhas memórias mais lamentáveis e, paradoxalmente, felizes, fazendo questão de aproximar de mim na ordem de cinco ou seis pensamentos por dia, em um dia regularmente comum. A conclusão do pensamento sobre o tal dia (fato não incomum, se considerarmos a explicação já daquela frase anterior), se é que deveria haver alguma, é que eu chego quase sempre às mesmas conclusões. A não ser, evidentemente, nos frequentes casos em que não chego a conclusão alguma. Mas, começo a pensar, mesmo isto tem sido uma conclusão óbvia e um lugar-comum. Reclamar e lamentar-me das obviedades e das próprias reclamações tem cada vez mais se constituído em uma metalinguagem tão amortecida pelo repetimento enfadonho que nem tenho coragem de encarar meus próprios pensamentos a respeito. E, aqui, neste delimitado espaço de linhas e de minutos, coloco em prática mais uma enfadonha reclamação, pois disso não passará este infértil recém-nascido texto, desta vez tratando a respeito das próprias repetições que amontoei ao longo de meus pensamentos, de meus dias iguais, de minha vida. E, tal qual nos diferentes textos repetidos que produzo, aqui neste já venho me repetindo de maneira irritante há um número considerável de linhas.
Desafortunadamente, a solução para tal problema, diferentemente de sua causa, me escapa de maneira desconcertante e irritante. E a questão em si importuna minha mente de maneira tão insistente, incisiva, insuportável, que aquelas considerações primeiras a respeito de não fazer as coisas por alguém, ou ainda sobre o pensamento que tinha enquanto olhava a foto no fundo da gaveta, acabaram por se soterrar sobre uma avalanche de intervenções nada pertinentes. E agora, pensando neste problema e no resto da minha vida, fico me questionando se realmente vale a pena, a esta altura (tanto da vida quanto do texto), tentar começar a falar sobre estas coisas que iria falar.
Mais uma vez, como era de se esperar pra qualquer um que more dentro dos meus pensamentos, eu procrastinarei minhas vontades e a emancipação de minhas capacidades de libertar minha vida e minha felicidade da pequena e abafada jaula onde elas se encontram aprisionadas.

quinta-feira, agosto 18, 2005

eu sei que não ando utilizando este fértil espaço de comunicação com frequencia, mas mando aí um link bacana pra vcs.

http://www.polmil.sp.gov.br/inicial.asp

Tem uma maravilhosa enquete ali no canto sobre o que vc acha do trabalho da polícia militar que eu recomendo a todos. Dêem sua opinião sobre estes dedicados Paladinos da Lei que zelam pelo Bem, a Ordem, a Moral e a Decência de nosso estado.
Se vcs estiverem na dúvida e quiserem boas atualizaçãoes sobre o primoroso serviço, recomendo dar uma olhada sempre no site do CMI

www.midiaindependente.org

beijinhos.

domingo, julho 10, 2005

Eu decidi que não posso mais ficar me fazendo de vítima e sendo um bundão. Eu vou fazer as coisas que eu quero e dar um jeito de conseguir.
Mas eu tenho medo de ter estragado toda minha capacidade de ser criativo ou de fazer qualquer coisa...

sábado, julho 02, 2005

Sentado na sarjeta com o sol de domingo ferindo os olhos e queimando a pele. Quis que todos os dias fossem cinzas, fossem frios, fossem de chuva, fossem de vento. Sentado na sarjeta, vendo as crianças jogando bola na praça da frente, os moleques de bicicleta, os namorados no banco da praça, o mendigo de cachaça em riste entoando a canção da vida. Quis que tudo fosse morte e desolamento, quis rasgar a hipocrisia da vida com suas próprias mãos...mas elas estavam cansadas demais para fazerem qualquer coisa. Quis lembrar a cada pessoa que sorria que a vida era solidão e sofrimento, que a felicidade era fugaz. Quis lembrar que cada sorriso é mais tênue que a chama de uma vela em meio a uma nevasca. As pessoas, felizes, eram pura ignorância. Tristes, eram descartáveis.
Quis que todos lembrassem de que a felicidade vai até ali na esquina, e que depois o mundo é um mar de desespero.

quinta-feira, junho 23, 2005

A humanidade é um experiência definitivamente frustrada. Quisera eu ter o otimismo de alguns bons corações, mas é foda quando vc se depara com a podridão do mundo real.
Olha esta bosta:

terça-feira, junho 21, 2005

Hoje eu fiz uma coisa que valeu muito a pena, e que me deu um tipo de esperança diferente. É sempre bom parar e ouvir uma pessoa bacana falando, uma pessoa que pode até pensar muitas coisas parecidas com você, mas que sente o mundo de uma maneira essencialmente diferente. Uma pessoa que, na verdade, tem tudo em comum e tudo de diferente. E uma história de uma vida pra contar. É bom saber que tem gente que passa a vida lutando por coisas que eu acredito, chega lá pra frente feliz pra caralho e tendo a certeza absoluta de que tudo valeu a pena completamente. É bom saber, por exemplo, que tem gente que luta uma vida inteira contra o capitalismo e ainda consegue chegar ao sessenta anos acreditando na humanidade e, pasmem, na não-violência.
O Patch Adams é foda, e é sem dúvida uma das pessoas mais carismáticas que eu já vi na vida. É sempre bom lembrar que existem muitos caminhos pra revolução. Ampliar os horizontes é tudo.
www.patchadams.org

Robin Willians o caralho, dá uma olhada lá...

quarta-feira, junho 08, 2005

Do que será que eu estou tentando escapar, afinal?

sábado, junho 04, 2005

Você pode até chamar de uma tristeza saudosista idiota, mas eu te digo que é mais do que isso. São as coisas sendo corroídas, sempre do mesmo jeito.
Há onze anos atrás eu fui no II Encontro Internacional de RPG, na marquise do Ibirapuera. E, desde então, todo final de Maio eu fui na convenção. Este ano eu fui na minha décima segunda convenção de RPG. Mesmo sem conseguir sair da galeria de manhã cedo para ir em caravana, como sempre fazemos, eu fui pra lá.
Eu já fui ridicularizado por muita gente por atribuir uma importância muito grande ao RPG e ao papel que ele pode ter. Mas, mesmo ficando um pouco isolado, eu continuei e ainda continuo defendendo que o RPG não é qualquer merda. Não é assistir novela, nem ler um gibi da mônica, nem jogar palitinho. O RPG pode ser muito mais, muito mais inclusive do que ele é hoje. Só que pra isto muita coisa ainda tem que acontecer. Enquanto ele for um joguinho extremamente elitizado que serva pra meia dúzia de moleques passar o tempo, enquanto ele for tratado como passatempo de nerd bobo que não consegue interagir com o resto do mundo, o RPG vai continuar sendo uma imbecilidade deixada de lado.
Mas o foda é o que aconteceu hoje, quando eu vi o RPG ser banalizado, prostituído, degradado como um lixo que se vende num supermercado. É tarde, tudo que tem potencial pra ser bom caí na mão de filho da puta. E o mundo assiste passivo.
Hoje eu fui na convenção mais esvaziada desde que eu me entendo por gente. No Mart Center, com dezenas de seguranças por todos os lados. Oito reais de entrada, este é o preço pra encontrar as pessoas que jogam também. Noventa reais, este é o preço se você quiser ler o livro de Changeling em português. É, meu amigo, as pessoas precisam se sustentar não é?
Por mais que tivesse seus defeitos, a convenção pra mim sempre foi um espaço de liberdade, muito mais do que de ver livros novos ou qualquer merda assim. E, uma vez por ano, eu realmente me sentia bem de entrar em um espaço onde as pessoas poderiam ser diferentes, ser toleradas. Não digo que a convenção era um espaço maravilhoso e lindo, onde tudo pode acontecer e todos se amam. Mas era um espaço onde pelo menos os jogadores de RPG podiam se sentir um pouco em casa. E era uma coisa que realmente me deixava feliz.
Faz mais ou menos quatro ou cinco convenções que ela se realiza no Mart Center. Com ingresso, com controle de entrada e saída, com seguranças, e com lives realizados numa área quadrada de dez por dez metros, cercada por uma fita. Foi nesta época que passaram a impedir que as pessoas entrassem com espadas, com guarda-chuvas, com bastões, com cajados. Foi nessa época que uma menina morreu jogando RPG, e no sensacionalismo o RPG cavou seu espaço na grande e escrota mídia, no fantástico e nas páginas do jornal. Era hora dos empresários do RPG defenderem seus lucros, mostrando que o RPG zela pela moralidade, pelos bons costumes. O RPG é coisa de família também não é? Como disseram os filhos da puta, temos que mostrar que o nosso "hobby" é saudável. Hobby de cu é rola, bando de ladrão de merda.
No ano passado, um dos juízes do torneio de Jyhad quase foi expulso por "vender cartas dentro do espaço do encontro". É verdade, como fomos esquecer: a exploração dos jogadores é monopólio da Devir e dos seus capangas.
Neste ano, eu e mais várias pessoas quase fomos expulsos também da convenção. O problema, desta vez, foi o atentado à moral cometido pelas palavras de baixo calão que estavam grafadas em nossas roupas. Ou seja, se você aparecer amanhã com uma camiseta escrito "vai tomar no cu" no meio do Mart Center, cuidado com o Caco ou outros manda-chuvas do RPG nacional. Cuidado com os MIB vigiando o salão. Cuidado com as camêras da Globo. Pra vender melhor o RPG, vão ter que convidar a sua pessoa a se retirar daquele ambiente reservado ao lazer saudável e alegre do RPG da Devir.
Eu estou absolutamente puto, e eu acho que é hora de reagir.
Foda-se a Devir e o monopólio do RPG. O RPG não é propriedade deles, e muito menos eles podem censurar o que pensa ou diz qualquer jogador de RPG. Se eles querem cobrar oito reais de entrada para "garantir a estrutura" do encontro, então eles que enfiem o encontro deles no cu. Enquanto o RPG não for livre, ele vai ser controlado por uma máfia e uma corja de filhos da puta. Pra jogar rpg vc só precisa de livros e dados, na verdade nem isso se você não quiser. E eu digo que ninguém deve pagar noventa reais pra jogar Changeling. Todos devem poder jogar Changeling.
É hora de dizer que a gente está pouco se fodendo pro que o Fantástico pensa do RPG, da mesma forma que estamos pouco nos fodendo pro que a Devir pensa de nós. E, se alguém quiser proibir o RPG, que proíba. Quero ver quem é que vai impedir a gente de jogar, seja leis, preços absurdos, seguranças ou entradas de oito reais.
RPG é imaginação, é Glamour, é vida. E isto é livre. E a banalidade destes Dauntains e Auttumn People não vai nos derrubar.

terça-feira, maio 31, 2005

Você lembra da primeira vez que se sentiu angustiado?
Com 14 anos eu senti toda a solidão e desespero do mundo simultaneamente dentro do meu coração, e de repente eu tive a certeza de que ele ia explodir e acabar com tudo. Mas não acabava nunca, e a dor continuava.
Entrou no meu coração como uma faca quente cortando manteiga.
E só depois que eu descobri que aquilo que eu senti em relação a uma só coisa, dava pra sentir em relação a tudo e a mim mesmo ao mesmo tempo.

terça-feira, maio 24, 2005

Como pode um peixe vivo viver fora d'água fria?

quinta-feira, maio 12, 2005

Havia as tomado como uma prostituta sem valor, a quem se dá uns trocados e julga não dever mais nada. Pelo serviço prestado, alguns trocados. Recebidos com a fome de quem não existe sem aquele resto de misericórdia. Pois é disso que dependiam elas, as palavras, de um pouco de crença, de um crédito alheio. Se ninguém lhes desse valor, elas nunca serviriam de nada. As palavras se alimentavam de bocas, de saliva, de línguas, de tradições orais, de papéis, de canetas, de livros, de escritos, de histórias, documentos, promessas, juras. As palavras se alimentavam da comunicação, da carência, da eterna necessidade de se aproximar do outro, de tocar as mentes e os corações daqueles que estão separados por espaços, tempos e intempéries. E foi para aproximar o que os corpos, gestos e intenções não podiam, que aquelas palavras foram pronunciadas.
As palavras eram prostituídas todos os dias em troca de mentiras fúteis. Na boca de quem as falava, eram entretenimento barato. Palavras se desfazem no vento e no tempo, nas traças que devoram os papéis e nas memórias carcomidas de defuntos que um dia as ouviram. As palavras, por si mesmas, nunca tiveram valor nenhum. O valor que podiam ter era só o de quem as falava, de quem as ouvia. E se neste valor não podiam se fiar, sua existência era uma tentativa frustrada de viver mentiras, de convencer às fantasias que elas haviam encontrado abrigo seguro. Nem mentiras aquelas palavras foram, na boca de quem as disse. As mentiras têm o valor da artimanha, da lábia, da malandragem. As mentiras têm o valor da dura premeditação que se arremeda em uma complexa rede, tramada delicadamente fio a fio para lhe conferir a esplendorosa teia da verossimilhança. Uma mentira bem contada trazia a beleza das grandes sagas, das lendas e mitos, as ficções perdidas no tempo. E era este um dos valores mais lindo que as palavras poderiam assumir.
Mas não, não era isto que aquelas palavras haviam se tornado. Escapando ao valor da jura, da promessa que se faz com o amor de lágrimas soluçadas, aquelas palavras haviam caído no vazio da futilidade que quer se agarrar em uma besteira. Tal qual as palavras de um apresentador de um programa de televisão numa tarde qualquer de domingo, palavras que são atraentes, mas não mais do que isto. As palavras que, depois de alguns pontos de ibope ou de algumas carícias consoladoras, tem a única importância para quem as disse de um leve constrangimento passado. Mas as memórias são fracas, as vontades são volúveis, as pessoas não se importam, e o passado não pertence a ninguém mais.
As palavras, prostituídas em troca de uma pretensa necessidade imediata, perderam seu valor, foram surradas e desmerecidas. As palavras, se não houvesse alguém para chorá-las, nem ao menos receberiam um funeral da parte de quem as pronunciou. Apenas enterradas sobre o peso forjado e irredutível de um esquecimento.
Que estas palavras, eu ainda as lembro, ao menos tenham uma morte digna e um canto merecido para seu descanso dentro de minha penosa memória, que as guardará tão bem quanto puder até que ela própria se desfaça esquecimento. Pois de quem as disse, nunca mais receberão nada.

quarta-feira, abril 27, 2005

Sempre tentando se segurar com as duas mãos na Terra do Nunca.

Hoje é meu último dia na APG.
Saldo do primeiro emprego: algum dinheiro e dois meses de encheção de saco.
E agora criançada, será que eu consigo controlar minha vida pra ela não ser tão imbecil?

quinta-feira, abril 14, 2005

Podia quebrar o despertador, mas não podia fazer o tempo parar.
Podia pedir demissão, mas não podia deixar de trabalhar.
Podia tapar os ouvidos, mas não podia deixar de ouvir.
Podia fechar os olhos, mas não podia deixar de ver.
Podia dormir mais, mas não podia extinguir o sono.
Podia comer mais, mas não podia extinguir a fome.
Podia alterar, mas não podia transformar.
Podia conquistar, mas não podia ser Rei.
Podia melhorar, mas não podia ser bom.
Podia correr, mas não podia escapar.
Podia pensar, mas não podia fazer.
Podia parecer, mas não podia ser.


Roda Viva

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo roda gigante
Roda moinho, pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

segunda-feira, abril 11, 2005

A Terri Schiavo, o Papa e um príncipe de Um-Lugar-Qualquer-Que-Eu-Não-Lembro-O-Nome morreram.
Mas eu não estou nem aí. E não estou nem aí pra não estar nem aí. E não estou nem aí se você não está nem aí.
Eu estou sempre preso dentro da minha cabeça, e todos os lugares que eu possa visitar também estão. E na verdade, não importa onde eu estou, o que eu estou fazendo ou o que acontece. Porque a minha cabeça é um lugar pequeno, escuro e repetitivo, e eu não vou sair dela nunca. E eu sei que nunca estive em todos os lugares da minha cabeça, e também que nem todos os lugares estiveram na minha cabeça. Eu gosto de imaginar minha cabeça como um lugar grande, colorido, divertido e cheio de surpresas. Mas na verdade ela já estava pronta muito antes de eu nascer, velha e chata como sempre vai ser. Eu não sei fazer as coisas direito, e acho que já me acostumei com isso. É só mais uma daquelas coisas da minha cabeça. Daí eu tento endireitar todas as coisas erradas que venho fazendo e finalmente acho que elas estão certas. Mas na verdade elas estão erradas de outro jeito. Acertar as coisas é só errar no sentido contrário.
Meios termos fedem. Intensidade enjoa, dá náuseas, acaba e fica com cheiro de perfume vagabundo e ressaca.
A sinceridade é um lugar-comum, e a mentira é uma caverna triste e solitária.
Na minha cabeça, eu já vi o seu rosto mil vezes. Dá trabalho cuidar de uma memória até ela não gastar. O fácil é deixar todas as coisas velhas, ruins, sujas e opacas. A vida é translucida pra uns e transparente pra outros, mas no fim dá na mesma.
Se você não gosta de mim, eu não sei porque chega tão perto. Sempre chegam pertopertopertodemais.
Eu sou só um velho rabugento. Mas uma vez um amigo disse que eu oscilo entre a impulsividade e a depressão de uma maneira meio aleatória, caótica e divertida. É bom conseguir acreditar que se é pelo menos um pouco imprevisível e interessante. Vou tentar guardar isto na cabeça, e com sorte amanhã eu vou ter esquecido tudo de ruim que eu fiz comigo mesmo e com os outros. Com sorte vou ter esquecido que sou igual a todo mundo e vou lembrar que tem muita coisa ainda pra fazer. Com sorte, vou achar que a vida não é um disco riscado em um refrão meloso e idiota.

quinta-feira, março 24, 2005

A Poesia irá nos redimir

Numa manhã cinza e triste eu me lembrei do poeta, daquele que tantas vezes inspirou tantos de nós a continuarmos seguindo nossas vidas. Suas palavras, profundas, sempre nos apoiaram e nos deram forças. Em homenagem a ele, aqui vai meu humilde esforço poético. Quem dera um dia atingir o patamar de sua genialidade, mas ele está além de nossos alcances, além dos pobre mortais que o admiram.


Atrás de um chute

Não importa se só possui
o que não tem importância
O Jorge já sabe
Somos um porquinho-da-índia sem infância
Atrás de um chute
Atrás de um buraco
Depois de um trago
Eu trago um relógio
E molho a pélvis
E moldo a lembrança
Você é belíssima
sua mãe é belíssima
que importa um trago

Bis

Atrás de um chute
Atrás de um buraco
Para contemplar
Para radicalizar
Para pestanejar e fazer estrago
Depois de um trago



Em minha tarefa poética eu fui auxiliado e acessorado por:
http://www.mundoperfeito.com.br/
Acho que eu escrevo cada vez pior.
Acho que a banalidade vai sempre vencer no final.
Acho que o mundo é essencialmente um lugar ruim.

sábado, março 19, 2005

Quando ele acordou suas mãos transpiravam muito, de um jeito anormal. O lençol empapado. O olho dele coçava. Durante o dia, o olho sempre coçava. Quando ficava nervoso, deste jeito de num saber as coisas, de num saber o que fazer, ficava enfiando o dedo no olho até ficar bem vermelho. Ele sempre lacrimejava. Ele sempre chorava também, mas dava pra fingir que estava lacrimejando. Às vezes ele chorava era de saudades das coisas, mas de vez em quando era medo. Muitas vezes ele chorava de indecisão ou de angustia. Ele não contava muito pra ninguém. Às vezes, quando chorava, era de saudades de coisas que não tinham acontecido. Às vezes era de medo das coisas nunca acontecerem, outras era de medo delas acontecerem mesmo. Chorava também porque se sentia incapaz. Porque tinha muita coisa bonita no mundo, e ele não conseguia dar conta de tudo. Chorava porque via as coisas bonitas escapando pelos seus dedos. Chorava porque às vezes era beleza demais. Porque às vezes as coisas grandes e bonitas são menos bonitas do que as coisas pequenas, que acontecem só uma vez ou outra e são tão preciosas. Chorava de medo de esquecer, de perder as coisas bonitas e pequenas. Ou de medo de deixar elas escaparem, de nunca ficar sabendo que elas poderiam ter acontecido, e daí elas não iam acontecer mesmo. Chorava de medo de nunca conseguir dizer pras pessoas o quanto gostava delas, o quanto elas eram importantes. Chorava de medo de que se conseguisse dizer, elas não acreditarem, ou passarem a não gostar dele por causa disso. Chorava de medo de não poder dizer a verdade sempre, e de não conseguir saber a diferença entre a hora de dizer a verdade e a hora de mentir. E de não saber mentir direito. De não saber a diferença entre um exagero e uma mentira. Das coisas que eram verdade pra ele não serem pros outros. Chorava porque às vezes ele dizia uma verdade, mas que no mundo das outras pessoas era uma mentira. Daí ele parava de saber a diferença entere a mentira e a verdade, e parava de saber o que dizer. Daí ele ficava com medo de falar, com medo de fazer tudo errado. Chorava de medo do mundo ser muito complicado pra ele, ou dele ser muito complicado pro mundo. Ou das pessoas serem muito complicadas umas com as outras, de não poderem ser sinceras porque às vezes se você gosta muito o melhor jeito de mostrar isto é dizer uma mentira, ou exagerar, ou não falar nada. Chorava de medo de não saber o melhor jeito de mostrar isto. Gostar das pessoas é complicado.
Às vezes, ele queria falar mas não dava certo. Ele pensava nas coisas e quando os pensamentos viravam palavras eles viravam outras coisas. E às vezes ele falava sem querer, porque não sabia o que mais podia fazer. Ou, depois, ele queria falar mas acabava ficando quieto. Daí então ele enchia a boca de unhas, que mordia até que os dedos ficavam todos lascados e sangrando. Às vezes tinha vontade de se bater também, mas isto acontecia menos. Ele ficava chateado porque as unhas que ele comia quando não sabia o que fazer demoravam muito pra crescer, e ele precisava muitas vezes comer as unhas. Ele queria que suas unhas crescessem mais rápido ou que ele tivesse mais unhas. Ou então ele queria saber o que fazer, porque daí ele não ia ter que comer tantas unhas. Ele queria que lembrar das pessoas fosse sempre bom, e nunca dolorido. Ele queria que as coiasas que ele falasse fossem sempre as certas, e as que ele fizesse também. Ele achava idiota que muitas vezes amar alguém fizesse as pessoas sofrerem, porque ele achava que era uma destas coisas que tinha que deixar as pessoas felizes. Mas ele também percebeu que, de um jeito ou de outro, sempre acabava deixando as pessoas tristes também. Ele amava muito as pessoas, e chorava por causa disso também. E também porque ele achava que as pessoas não entendiam isso muito. Ou se entendiam, não parecia que entendiam. Ele achava que ia ser bom se as pessoas conseguissem se comunicar melhor. Ele achava muito ruim isso das pessoas não se entenderem direito.
Mas ele também achava difícil isto de ter que pensar tanto nas coisas e delas darem trabalho. O sol já estava alto e ele tinha muito o que fazer. Mas o mundo era complicado demais, e nos seus sonhos tudo acontecia sem ele ter que pensar. Secou as mãos no lençol e dormiu. Deixou a vida pra depois.

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Vamos brincar de uma coisa que eu não brinco faz tempo. Funciona assim, eu pego um pedaço de um conto meu grande o suficiente pra encher o saco de qualquer um e posto aqui.



Todos os Reinos se fazem, todos os Reinos se ruem.
Nos escombros dos velhos Reinos, nas cinzas das antigas Vidas, nas sombras dos esquecidos Amores, sempre se criarão novas Vidas, novos Amores, que erguerão novos Reinos.
As grandes batalhas nunca serão as de Sangue e Espada. Elas serão de Corações e Mentes. As grandes guerras não se travam em vastos campos, mas sim, dentro dos Corações.
Pois o mais imponente Castelo ou Palácio será sempre uma carcaça sem valor, se suas paredes não abrigarem o Amor e Lealdade dos Corações.
A Vida não surge com a ascensão do primeiro Rei, nem há de se apagar com a queda da última Rainha. A Vida é persistente e teimosa, capaz de se arrastar por cantos escuros para voltar em esplendor. E ela não há de pertencer a ninguém, nem submeter seu poder a nenhuma ganância.
O Poder é uma ficção dos homens, mas a Vida é uma Verdade do mundo.
Quanto ao Amor, ninguém saberá jamais.

Estas palavras já existiam, muito antes que se soubesse do primeiro Reino erguido sob o testemunho dos astros eternos, pairando sobre as cabeças mortais. Quem primeiro as havia proferido, ninguém sabia. Mas um Rei uma vez disse, e muitos concordaram, que eram apenas palavras e, como tal, estavam fadadas a se desvanecerem nas areias do Tempo. Se o Tempo consumia florestas, oceanos, Reis e Rainhas, havia de consumir palavras ditas ao acaso. Um dia não significariam nada, para ninguém. E neste dia, quem as proclamou não existiria nem mesmo nas mais derradeiras canções do mais soturno bardo, e nunca poderia recriar a força que suas palavras um dia possuíram.
No entanto, havia quem discordasse deste Rei, vendo nestas palavras algo de verdadeiro e imortal. Havia quem acreditasse que estas palavras não teriam sido cunhadas por meras mãos mortais, mas sim por alguém que via as tramas invisíveis que criavam e desfaziam os Amores e os Reinados. E eram palavras que deveriam permanecer guardadas com zelo e observadas quando qualquer decisão importante devesse ser tomada. Principalmente, pelo governante de um Reino.
Um dos que valorizavam estas palavras era um jovem de poucas aventuras e sem grandes feitos heróicos. Ele gostava de palavras, pois as palavras viravam pensamentos. Os pensamentos, por sua vez, originam as idéias. E este jovem sempre acreditou que as idéias e emoções tinham uma relação estreita, mais valiosa do que era costumeiro acreditar na terra onde ele nasceu. Idéias originam Amores, Amores originam Idéias. Era isto e algo mais. Idealizar era isto para ele: transformar idéias em sentimentos, em Amores, que eram os cavalos a puxar as carruagens das ações. Era isto, o jovem pensava, que erguia e derrubava os Reinos e os Corações. Era isto que criava as histórias e, por fim, as transformava em Lendas. Idealizar era, em si, o ato supremo de criar o Amor. Ele especulava muito sobre o Amor, pensando de que maneira ele se criava e se desfazia e até que ponto os Corações podiam se unir. Muitos de seus dias e noites dedicaram-se a isto: pensar nas idéias e nos sentimentos; pensar nos Corações e nos pensamentos.
Ele via naquelas misteriosas palavras proferidas em um passado remoto, este poder mágico, ao mesmo tempo criador e transformador. Eram palavras que suscitavam algo, e ele sabia que não eram todos que pensavam assim. Seriam as palavras, de fato, apenas seqüências mortas de letras, incapazes e estéreis? Não, sem dúvida as palavras eram portais de poder infinito. Portais para dentro dos Corações e mentes, e tudo se faria através delas. Mas de nada valia o poder das palavras se ninguém acreditasse nelas. O poder estava em acreditar, esta era a maior conclusão a que ele havia chegado.
No pequeno vilarejo onde vivia, o jovem tinha alguns bons amigos e levava uma vida simples. Nada de guerras ou Reis ambiciosos, nada de conflitos ou disputas. Nos seus dias tranqüilos, o jovem tinha muito tempo para pensar nestas coisas, e muitas vezes tentava compartilhar seus pensamentos com algum companheiro, mas a resposta quase sempre era a mesma. Com um sorriso de escárnio e comiseração estampado nos seus rostos, todos lhe diziam que faltava algo fundamental para que ele pudesse afirmar com tanta autoridade sobre Corações e Amores: ao pobre jovem, faltava um verdadeiro Amor. Ele sempre se zangava com esta resposta, que considerava demasiadamente simplória. Ora, não é preciso ser um Rei para poder julgar se as atitudes de um Rei são justas ou não. Não é preciso ser perfurado por uma espada para saber que a frieza de sua lâmina é capaz de causar a dor e extinguir o brilho de uma vida. Por que seria preciso um verdadeiro Amor para saber o que o causa, qual é o seu poder e como ele funciona? Dentro de si o jovem tinha a certeza de que os que lhe diziam isto é que se encontravam verdadeiramente iludidos, pois o Amor que eles julgavam tão essencial para compreender esta questão os havia cegado completamente e isto impedia que o enxergassem objetivamente, como um objeto de contemplações e estudos, que poderia ser entendido como outro qualquer. Afinal, estes que criticavam suas idéias, nunca surgiram com outras idéias para contrapor às suas. A maioria simplesmente dizia que tentar entender o verdadeiro Amor era estupidez, perda de tempo, como seria tentar movimentar o sol com suas próprias mãos.
Foi na véspera do casamento de seu melhor amigo, que a decisão de partir finalmente foi forte o suficiente para lhe arrancar de seu povoado. Era uma noite quente de verão, os dois estavam sentados perto do bosque, vendo as estrelas e conversando. Eram tempos magros na aldeia, o clima severo havia acabado com muitas plantações e as dificuldades para alimentar tantas bocas famintas se faziam presentes no dia-a-dia de todas as famílias. Definitivamente, não era uma boa época para casamentos ou filhos. Estas coisas significavam mais despesas, que poderiam perfeitamente ser adiadas para uma época de maior fartura. Insistentemente o jovem dizia isto para seu amigo.
- Eu já coloquei todos os meus argumentos à sua disposição, com os quais você concordou prontamente, e já se fez mais do que evidente o fato de que o casamento complicará sua vida. Passará mais tempo trabalhando e mesmo assim isto pode não ser o suficiente para garantir seu sustento. Se tiverem filhos então, não sei como conseguirá mantê-los. Explique-me por que você não adia o casamento, pelo menos até a próxima colheita?
O amigo sorria ao responder a pergunta para ele. Sabia que tudo o que ele dizia era verdade, mas isto não abalava sua felicidade.
- Caso-me porque é isto que devo fazer. Se os tempos são de fome, sobreviveremos juntos a eles. Não há porque me preocupar, nós vamos passar por isto. Eu sei que você não entende isto, você ainda não é capaz de entender o que me dá forças.
- Forças? Como você diz que isto dá forças ao seu Coração? Isto apenas está cegando você, fazendo com que tome decisões precipitadas e inconseqüentes. E quando esta loucura se abrandar, como eu sei que o Tempo há de fazer, então perceberá os erros que cometeu. Mas então será tarde demais, e vendo os seus próprios erros julgará que a culpa por eles é daquela que conquistou seu Coração e fez com que perdesse seu caminho. E aquilo que um dia você chamou de verdadeiro Amor tornar-se-á lentamente em ódio velado e você estará amarrado a isto, fadado a carregar pelo resto de sua vida o resultado de um momento de insensatez. E criará seus filhos, frutos daquele Amor que um dia sentiu, apenas para que no futuro eles venham a cometer o mesmo erro. Você diz que o amor é incompreensível, mas o que é verdadeiramente incompreensível é sua atitude diante dele. Por que você não deseja compreender o Amor e se libertar de suas armadilhas? Não me desagrada que você viva um Amor, mas seria muito mais feliz se o vivesse com prudência.
- Não somos nós que devemos compreender o Amor, mas ele que deve nos compreender. Não há prudência na fome de um recém-nascido que sorve o leite de sua mãe, não há prudência no sono de alguém que não dorme há uma semana. Não há prudência no vôo de um pássaro ou nos homens quando respiram o ar que lhes alimenta a Vida. Um dia meu amigo, eu sei que você há de compreender que no Amor, assim como em outras situações, a prudência é uma mentira e um erro. O Amor existe por si e para si e não deve satisfações a você nem a ninguém. Ele não tem um porque ou um como, pois ele é o porquê e o como.
- Apenas palavras de um cego que não deseja enxergar. Você tem sido usado por este Amor como todos nós sempre temos sido. É assim que governantes tiranos se aproveitam de seu povo e o exploram, recebendo em troca juras de lealdade. Os Reis são homens que souberam dominar os Corações e usá-los para seu proveito, impiedosos Conquistadores de Corações. Seus súditos, cegos, apenas lhes entregam seus Corações para serem governados. Meu amigo, eu não nasci neste povoado para ter meu Coração escravizado por ninguém. Eu lhe desejo uma boa sorte em sua vida, mas meu caminho é diferente. Tomo as rédeas de meu Destino em minhas próprias mãos e um dia você há de ouvir sobre mim de novo, pois eu sei o valor das Palavras, dos Corações e das Mentes. Eu farei as pessoas acreditarem em mim, do mesmo modo que você acredita em seu Amor.
Tendo dito estas palavras, o jovem tirou de seu pescoço o pingente que pela vida inteira usou, e entregou a seu amigo.
- Não se esqueça de mim, pois eu não me esquecerei de ti. Este é meu presente de casamento. Como sabe, nada tenho que possa lhe garantir riquezas e sustento para sua família, como eu gostaria de poder garantir. O melhor que posso lhe dar é meu pingente, que para mim vale muito. Que ele mantenha perto de seu Coração o desejo que eu tenho que você seja feliz.
Então eles se abraçaram. O amigo sabia que seria a última vez que veria o jovem e sabia que nada do que dissesse o faria desistir de sua partida. Ele o conhecia bem o suficiente para saber que este dia chegaria, pois não era àquele lugar que o Coração do jovem pertencia. Ele devia procurar seu próprio Destino. Quando se olharam demoradamente uma última vez antes da partida, lágrimas escorriam dos olhos de ambos. Mas eles também sorriam, pois sabiam que os dois estavam partindo para o Destino que haviam escolhido para si.
O jovem saiu da cidade levando pouca coisa consigo e sem avisar mais ninguém, pois sabia que os outros não entenderiam seus motivos se tentasse explicá-los. Enquanto saia para um mundo que desconhecia, ele ainda pensava sobre as palavras de seu amigo e sobre o Amor. Pensou nas palavras antigas, que diziam que o Poder é uma ficção dos homens e a Vida é uma verdade do mundo. Quanto ao amor, ninguém jamais saberá. “Eu sei”, pensou o jovem. “O Amor é uma ficção dos homens, que eles criam e torna-se maior do que eles próprios. É uma ficção criada para enganarem a si mesmos, e que foge ao controle depois de feita. E, sendo uma ficção, qualquer um que o entenda pode criá-lo e usá-lo. As pessoas se submetem incondicionalmente aos Amores e aos desejos de seus Corações, e elas idealizam sem nem ao menos se darem conta disto. As Palavras são Poder, os Corações são Poder, os Amores são Poder. Se as pessoas querem realmente se enganar criando estas ficções, então eu não serei uma delas. Não me subjugarei de uma maneira tão deliberada. Como diziam as velhas palavras, a Vida é capaz de se arrastar por cantos escuros e voltar em esplendor. Ela não há de se pertencer a ninguém e nem se submeter a nenhuma ganância. A minha vida certamente não se submeterá.”
Com o Coração amargurado, o jovem decidiu que o Amor seria seu instrumento, seria seu para usá-lo. Se todos se subjugavam ao Amor, ele seria um dos poucos que subjugavam o próprio Amor para desfrutar verdadeiramente de seus benefícios. E foi assim que, quando saiu do povoado, o jovem já havia se transformado em um Caçador de Corações.

domingo, fevereiro 13, 2005

Pra todos aqueles que estão meio melancólicos.
Pra todos aqueles que estão meio apaixonados, cujas vidas vivem em sonhos.
Pra todos aqueles que gostam de dormir, e deixar a realidade pra trás.

Dream a little dream of me

Stars shining bright above you.
Night breezes seem to whisper, 'I love you,'
Birds singing in the sycamore tree.
Dream a little dream of me.

Say nighty-night and kiss me.
Just hold me tight and tell me you'll miss me.
While I'm alone and blue as can be,
Dream a little dream of me.

Stars fading, but I linger on, dear,
Still craving your kiss.
I'm longing to linger 'till dawn, dear,
Just saying this:

Sweet dreams 'till sunbeams find you,
Sweet dreams that leave all worries behind you.
But in your dreams, whatever they be.
Dream a little dream of me.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Fica muito difícil conseguir sair daqui.
Computador novo, com word e tudo mais.
Faz tanto tempo que eu não escrevo...tanto, tanto...

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Cinzas.
São as verdades de ontem, espalhadas sobre sua vida.
Lágrimas secas tem gosto de sal, tem gosto de sangue.
O sangue tem gosto de vida. Tudo o que é vivo sangra e chora.
O gosto de sal nunca vai embora.
Você pode mentir. Você pode dizer que tudo tem gosto de nada.
A verdade é que as alegrias podem não ter mais gosto de nada.
Mas o gosto de sal fica, ele nunca vai embora.
Cinzas.
O passado é feito de cinzas. A vida é feita de passado.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Hoje eu só tenho uma coisa muito bonita e verdadeira pra dizer pra vocês.
Dostoievski é foda.
Tadinho do Oscar Wild, ele até parece uma criancinha de cinco anos tentando ser malvado com suas histórias. Eu sei que a comparação não é pertinente, mas ela é minha e para mim, então se você não gostou não me enche.

domingo, janeiro 23, 2005

Pessoas que não iam beber já beberam.
Pessoas que não iam se drogar já se drogaram.
Pessoas que não iam fumar já fumam.
Pessoas que não iam beijar já beijaram.
Pessoas que não iam fazer sexo já fazem.
Pessoas que não iam namorar já namoraram.
Namoros que não iam terminar já terminaram.
Amizades que não iam terminar já terminaram.
Idéias que não iam morrer já morreram.
Valores que não sumiriam já sumiram.
Pessoas que nunca seriam amigas já são.
Pessoas que nunca iam deixar de se amar já se odiaram.
As coisas que aconteceram há muito tempo na nossa vida aconteceram quando outras coisas que aconteceram na nossa vida já haviam acontecido há muito tempo.
As pessoas que conhecemos muito bem e há muito tempo ainda eram desconhecidas quando conhecemos outras pessoas que conhecemos há muito tempo.
Já temos carros, casas, empregos, faculdades, filhos, eletrodomésticos, lembranças estúpidas.
Já sabemos que podemos ficar um ano ou mais sem ver alguém, e que as coisas podem não mudar.
Já sabemos que quando as coisas mudam elas ficam iguais.
Já não temos pressa de nada.
As coisas não são mais surpreendentes de verdade.
Paramos de ficar maiores e começamos a ficar mais velhos.

quinta-feira, janeiro 20, 2005

É sempre curioso ver as definições que a gente ganha por aí. E ficar tentando descobrir de onde elas vieram. Mas tudo bem, a gente sabe que a língua é uma construção social e que o uso dos termos ao longo da história pode redefinir seu significado. Então eis minha sugestão.

Falso Manipulador: moleque idiota que paga um mico na sarjeta do bar.

Pronto, agora é mais condizente com minha singela personalidade.
Espero que um dia eu pelo menos alcance o status de manipulador verdadeiro. Falso manipulador parece nome pra um idiota que tenta manipular os outros e não consegue.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Enfia no cu suas batatas fritas.
Eu tenho a última cerveja e o Mateus tb.
"I've got to get the next plane home"
P.S. Aliás, seus nuggets tb.