quinta-feira, dezembro 15, 2011

Faísca num barril de pólvora: o dia 27 de outubro

Depois de quase dois meses de imersão completa no ativismo da luta dos estudantes da USP, estou com um pouquinho mais de tempo, agora que as tarefas estão um pouco menos urgentes. Resolvi, portanto, tentar fazer aqui neste blog um breve resumo de pontos centrais da luta, recapitular algumas coisas que ocorreram desde o início da nossa mobilização. E começando, evidentemente, pelo estopim que desatou tudo isso: o dia 27 de outubro.

Era uma tarde bastante rotineira, se é que pode-se chamar este momento histórico de rotineiro em qualquer âmbito. Eu estava saindo de uma reunião do grupo de estudos e indo para outra, de discussão de chapa para o DCE da USP...

A política das correntes frente às eleições estudantis no momento pré-mobilização

Acho que vale à pena retomar um pouco como estava a política de formação de chapas, pois isto demonstra bem a visão estratégica de como atuam as correntes que existem no movimento estudantil da USP. Nós, da Juventude às Ruas e LER-QI, havíamos soltado já um chamado para discutir uma necessária unidade da esquerda frente aos novos ataques da reitoria. Como pontos programáticos essenciais, colocávamos o balanço do que havia sido, até então, a principal mobilização na USP: a greve das trabalhadoras terceirizadas da União no primeiro semestre , em que todas as correntes políticas cumpriram um papel completamente aquém do necessário, quando não abertamente ignoraram a mobilização fundamental destas trabalhadoras, que expôs o que há de mais podre na universidade. Colocávamos também a necessidade da unificação com base nos principais ataques da reitoria e do governo, como o PROADE, que visa institucionalizar o assédio moral e a demissão em massa de trabalhadores da USP para aumentar a terceirização; também a luta contra a perseguição política aos trabalhadores e estudantes, às dezenas de processos administrativos e inquéritos policiais. Enfim, fazíamos um chamado à unificação da esquerda com base em um programa de combate à reitoria e ao governo nos pontos principais.

Outro chamado de unidade, com conteúdo bastante distinto, estava sendo feito pelo Movimento Negação da Negação: ausente durante todo o ano, e completamente inexistente durante a greve da União. O chamado deles consistia em conformar uma unidade contra "a direita", que em sua caracterização tinha como ponto de articulação não a reitoria e o governo, mas a direita estudantil hoje reunida na chapa "Reação", e com único ponto programático de "Fora PM", o que, para nós, é completamente insuficiente para fortalecer uma ala combativa contra o projeto da reitoria. Ora, de que vale uma chapa que se coloca contra a polícia e não diz a serviço de que ela está aqui? Que não discute a estrutura de poder e a elitização da universidade? Que não está preocupada em aprofundar a aliança estratégica de trabalhadores e estudantes.

Para além disso, havia acordos eleitorais tão espúrios como o PSTU se aliando à corrente mais à direita do PSOL, o MES, que passou dois anos dirigindo gestões que fizeram de tudo para enfraquecer a democracia de base dos estudantes, não chamando assembleias mesmo diante da ameaça de expulsão de 24 estudantes, emplacando resoluções no X Congresso que fortalecem o CCA (Conselho de Centros Acadêmicos que reúne as direções das entidades sem nenhuma discussão na base dos cursos, atuando como um verdadeiro parlamento estudantil) em detrimento das assembleias, não colocando sequer a palavra "Rodas" no manual do calouro deste ano. Como contraposição, as demais correntes do reformismo fizeram outro acordo espúrio entre APS (corrente abertamente reformista e parlamentar do PSOL), Consulta Popular, ex-militantes do PCB e CSOL.

Ou seja, as correntes do movimento estudantil, mesmo diante do grande avanço repressivo de Rodas, da assinatura do convênio com a PM, do aumento da implementação de medidas de privatização e elitização da universidade, combinadas com o aumento do elitismo e a maior precarização do ensino, continuavam vendo as eleições como um momento de disputa por aparatos completamente por fora das reais necessidades do movimento.

Mas, ainda que estas correntes insistissem em fechas seus olhos para a situação explosiva que se desenhava na universidade, com a PM fazendo revistas em CAs, blitzes todos os dias, enquadros em professores e prisões de estudantes, a realidade não é regida pela política mesquinha desta esquerda adaptada...

A merda bate no ventilador: a prisão dos estudantes na FFLCH

Nada mais natural do que a explosão desta situação insustentável se dar no principal centro da resistência estudantil na USP: a FFLCH. Já havia, sim, ocorrido uma prisão na POLI, um enquadro na ECA, entre outras medidas da PM. Contudo, foi ali na FFLCH que dezenas de estudantes anti-PM presenciaram a prisão de três estudantes por porte de maconha. Em pouco tempo haviam centenas de estudantes ali. Os policiais pediram reforço e logo havia uma dezena de viaturas. O circo estava armado. E eu, indo para uma reunião sobre chapa de DCE, vi o que estava acontecendo e me juntei às centenas que gritavam contra a polícia. Cercamos os polícias, que haviam tomado o documento dos estudantes e queriam levá-los para a delegacia. Logo, estavam ali também diretores do Sintusp, como meu camarada Pablito e o Aníbal, e professores da FFLCH, bem como a diretora Sandra Nitrini.

Naquele impasse que se criou, logo se desenharam duas posições: Sandra Nitrini, os professores e os diretores do DCE passaram a conversar com os estudantes defendendo a seguinte posição: eles deveriam ir para a delegacia e assinar o termo circunstanciado por porte de drogas, em seguida teriam seus documentos devolvidos. Não aconteceria nada demais, era o que diziam. De outro lado estava o Sintusp, nós da LER-QI e centenas de outros estudantes indignados, que defendíamos que a polícia tinha que devolver os documentos imediatamente e ir embora, que os estudantes não deveriam ir para lugar algum. Diante do impasse e da confusão que estava ali, propusemos inclusive que se fizesse uma assembleia no vão da história para que discutíssemos com calma e democraticamente, e depois os estudantes tomassem sua decisão livremente, a qual seria respeitada por todos.

A gestão do DCE toma seu lado: cordão de isolamento para que os estudantes conversem "livremente" com a diretora

O DCE e Sandra Nitrini tinham outra visão sobre qual seria a melhor maneira dos estudantes decidirem "livremente", e foi a que prevaleceu: eles foram levados para dentro do prédio da Ciências Sociais, onde entraram em uma sala em que ficaram sozinhos com a diretora e outros professores, que tentavam convencê-los a decidir "livremente" que o melhor a fazer era ir para a delegacia. Nós, estudantes contra a polícia, também queríamos dizer a eles nossa opinião: de que não deveriam ir e que não estavam sozinhos, que iríamos ficar ao lado deles e respaldar sua atitude de não ir à delegacia. Contudo, não pudemos conversar com eles porque a gestão do DCE e seus aliados tomaram a seguinte decisão "democrática": fizeram um cordão de isolamento na porta da sala. Sim, isso mesmo, como se fossem capangas da diretoria, eles cerraram fileiras e piquetaram a sala, organizaram um piquete para defender a conversa da diretora com os estudantes com um ímpeto que nunca tiveram para organizar piquetes ao lado dos trabalhadores em suas diversas greves ou ao lado das terceirizadas neste ano. Chegaram mesmo a agredir diversos estudantes, como uma camarada minha que teve os pontos de uma cirurgia recém-feita abertos por uma cotovelada de um diretor do CEUPES.

A polícia tenta entrar no prédio e os estudantes a enxotam.

Neste momento os policiais tentam entrar no prédio para garantir o bom andamento das conversas entre diretoria e estudantes presos. Talvez não soubessem que a gestão do DCE (MES e CSOL compunham o cordão) já estava cumprindo este papel de modo eficiente. Nos 3 vídeos abaixo é possível ver o momento em que os estudantes expulsam a PM de dentro do prédio aos gritos de "FORA!".







Neste terceiro vídeo também podemos ver o desespero da professora Marlene, da história, tentando defender os pobres policiais dos terríveis estudantes. Vale dizer que quando ocupamos a reitoria encontramos um e-mail bizarro desta professora, em que atacava duramente os estudantes e justificava a ação da PM dizendo que havia traficantes entre os estudantes, além de dizer que a PM não usou de violência para nos reprimir. Contém ainda uma pérola que sintetiza seu pensamento nojento, quando diz que eles apenas usou "aquelas bombinhas que fazem barulho para assustar gente ignorante". Será que ela já tomou um estilhaço das tais bombinhas barulhentas?

A gestão do DCE faz um cordão para levar os estudantes...para a polícia!!!

Enquanto isso, ali na salinha onde os estudantes eram coagidos pela diretoria com a conivência do DCE, as coisas pareciam difíceis...quase uma hora e nada. Tentaram pedir um reforço de alguém que parecesse menos tendencioso do que uma comitiva de burocratas universitários: chamaram a companheira Mafê, processada pela ocupação de 2007 da reitoria. O tiro saiu pela culatra: ela disse que em sua opinião os estudantes não deveriam assinar nada. Esta atitude de coragem não saiu barato para Mafê: a diretora Sandra Nitrini, alguns dias depois, tentou por meio de seu puxa-saco Clóvis adulterar o resultado da prova de ingresso no mestrado da Mafê para que ela fosse "expurgada" da USP. Contudo, mesmo com a postura da Mafê não adiantou: os estudantes, após mais de uma hora de "debate democrático" com a diretora, decidiram ir para a delegacia. Neste momento, quando eles saíram da sala, a gestão do DCE fez um cordão humano para, como eles disseram posteriormente, "respeitar a decisão dos estudantes" de ir pra delegacia.

Os estudantes cercam a polícia

Ok, eles foram pro carro pra ir pra delegacia, mas quem disse que deixaríamos a polícia ir embora com eles? Veja um vídeo que mostra quando cercamos os carros da polícia para impedir que ela saísse.



A polícia parte pra cima

Foram alguns minutos de tensão em frente aos soldados e o delegado que também estava ali. Os companheiros do PCO haviam estacionado um carro de som logo ali ao lado, e os policiais passaram a tentar força-los a fechar o porta-malas e desligar o som, e acabaram por quebrar o carro deles e danificar o aparelho de som. No vídeo abaixo é possível ver o momento, ainda que de forma um pouco confusa, quem que os policiais partem para cima de nós.



Vejam uma das primeiras matérias que saiu na Globo sobre o conflito, que sintetiza bem a posição de toda a mídia burguesa:



Além de sua posição reacionária de defesa da ideologia de que a polícia serve para defender as pessoas e que os estudantes-maconheiros começaram a atacar a pobre polícia, é interessante como a globo fala de 3 policiais supostamente feridos enquanto tentávamos nos defender desesperadamente com pedras e paus, mas não fala do companheiro que ficou com a cabeça rachada e sangrando fartamente. Infelizmente, só consegui registrar dois ferimentos, pouco expressivos diante das agressões que sofremos. O primeiro é o que eu mesmo sofri no braço:



O segundo é o de uma estudante de pedagogia, que também passou muito mal porque ficou nervosa e teve uma crise de pânico:



Além disso tiveram inúmeros outros casos de violência. Um camarada meu que tem asma quase sufocou com as bombas de gás lacrimogêneo.

A assembleia decide responder à violência policial ocupando a diretoria da FFLCH

Depois que nos reagrupamos no saguão da história éramos cerca de 450 estudantes. E o DCE, que não havia chamado nenhuma assembleia no ano, subitamente se viu forçado a referendar uma assembleia espontânea. E, mesmo com o bloco PSTU+PSOL que defendeu contra a ocupação da diretoria com seu falacioso argumento de que era necessário "ir aos cursos", colocando uma falsa oposição entre esta necessária atitude e uma resposta imediata e contundente, foi votada a ocupação da diretoria por apenas onze votos de vantagem.