sexta-feira, abril 16, 2010

Professores na corda bamba: entre a PM de Serra e os pelegos de Lula





Semana passada foi encerrada a greve de mais de um mês dos professores da rede pública do estado de São Paulo. Durante este período os professores saíram as ruas para expressar seu descontentamento acumulado por mais de uma década de políticas de precarização do seu trabalho e de destruição do ensino público básico no Estado. Seguindo à risca os modelos educacionais elaborados pelos órgãos financeiros do imperialismo (BID, FMI), o PSDB à frente do governo desde que eu era criança (ainda com o falecido já-foi-tarde Mario Covas) deu conta de transformar o trabalho dos professores em um verdadeiro inferno. Vale lembrar que o modelo neoliberal de educação que vem dominando o Brasil não é exclusividade do PSDB em São Paulo, e quem vem dando os exemplos mais contundentes nos últimos anos é o governo Lula no ensino superior, através de políticas como UAB, ProUni, Reuni, entre outras.


Aqui em São Paulo, contudo, o PSDB foi um pioneiro e hoje chegamos a um patamar sem precedentes. Impossível enumerar todos os ataques realizados em 16 anos em apenas um pequenino texto. Mas podemos ver a concretude deles entrando em qualquer escola pública, até mesmo as escolas "modelo" do estado. As salas chegam a ter mais de 50 alunos. O salário por uma jornada de 40 horas semanais (que considera apenas o tempo de reuniões e aulas, mas não o tempo de preparação de aulas, atividades e correções) é de pouco mais de mil reais. O vale alimentação dos professores é de R$4,00 por dia. O material imposto pelo governo é indescritível: em mapas da apostila de Geografia, havia países repetidos e países faltando na América Latina; na apostila de português, os exercícios do ensino médio pedem que os alunos completem conversas de MSN. E por aí vai.

As medidas mais recentes do governo incluem uma nova série de divisões e precarizações da categoria. Como disse um amigo meu, dividir a categoria não é novidade (hoje 48% da categoria é composta por professores "temporários", ou seja, não concursados e que não tem uma série de direitos elementares) o que o governo fez agora foi dividir os professores em "castas". Os temporários agora são divididos por Letras que determinam o nível de precarização a que estão submetidos. Na casta mais prejudicada, a "categoria O", os professores, depois de cumprir um contrato em que substituem algum efetivo, são obrigados a passar 200 dias letivos sem entrar em sala de aula. É isto mesmo: o professor fica um ano sem poder trabalhar! Vai viver de brisa! Além disso, agora os professores não efetivos ainda tem que fazer uma prova todo ano para poder continuar assumindo turmas. Os professores que passarem por concurso a partir de agora serão submetidos a um curso de 4 meses, de caráter eliminatório, recebendo R$600,00 por mês, antes de poderem se efetivar na rede!

E agora, prestem atenção nisto: estas novas medidas não são de 2010. Foram implementadas pelo governo no começo do ano passado. Diante disso, o sindicato dos professores da rede estadual de São Paulo, a APEOESP, chamou uma greve no ano passado. Depois de um dia, acabaram com a greve! UM DIA DE GREVE! A APEOESP é o sindicato com maior número de filiados na América Latina, conta com recursos indizíveis. Seu carro de som parece uma nave espacial do Star Wars. Sua direção majoritária é da CUT e do PT. A maior corrente de oposição, que também compõe a direção proporcional, é o PSTU.

Ora, vejamos: depois da greve de um dia no ano passado, neste ano a APEOESP convocou uma greve e, no primeiro ato na Av. Paulista, colocou mais de 20.000 professores de todos os cantos do estado na rua. Porque será que no ano passado, depois de todos estes novos ataques, a categoria estava "desmobilizada" e neste ano subitamente resolveram comparecer massivamente desde o primeiro dia? Isso fica mais fácil de compreender quando sabemos algumas coisinhas: que o governador de São Paulo, José Serra, este ano concorre à presidência da república, sendo a principal oposição à continuidade do PT no poder; este mesmo governador se recusou terminantemente a reconhecer a tremenda greve dos professores, que chegou a colocar mais de 50.000 professores na rua, dizendo que se tratava de uma "greve política", que não atingia nem 1% dos professores (número que equivaleria a cerca de 2.000 pessoas), e se recusando a negociar antes que a greve fosse encerrada; que, uma semana após Serra se licenciar do cargo para concorrer à presidência, a Bebel, presidente do sindicato, defendeu o fim da greve sem nem ao menos ter sentado em uma mesa de negociação. E aí, deu pra entender?

Bebel, depois de encerrar a greve em um ato com alguns milhares de professores, sem dúvida o mais esvaziado desde o começo da paralisação, teve que sair escoltada pelos bate-paus da CUT pra não ser moída de pancada pelos furiosos professores, que tiveram mais de um mês de salário cortado e não conseguiram absolutamente nada. A Oposição Alternativa, por sua vez, dirigida pelo PSTU, concordou com a linha dos petistas e defendeu o fim da greve dizendo que não havia mais uma adesão forte e, portanto, era impossível continuar a greve. Os atos estavam menores do que no começo da greve? Sim, eles estavam. O que explica isto então? Vejamos um comentário que uma professore deixou no blog "palavra da presidenta", escrito pela pelega-mor, Bebel:

Sinceramente, é lamentável que depois de tudo que passamos, principalmente a violência do dia 26 no Palácio dos Bandeirantes, muitos colegas pelegos não terem aderido a greve naquele semana seguinte,nem por solidariedade a nós. Na minha opinião, greve com 50% dos professores trabalhando e 50% se sacrificando não dá certo. Já perdi um mês de salário e cheguei a conclusão que a nossa categoria é muito desunida. Portanto, não farei greve novamente. Além disso, esse governo já demonstrou o não comprometimento com a educação! Esperar alguma atitude positiva com relação as nossas reivindicações , vinda desse governo truculento, somente com greve de 100%. PSDB odeia funcionário público. O negócio deles é sucatear e privatizar.

Ora, será que todos os professores não estão PUTOS DA VIDA com as condições de trabalho deles? Claro que sim! Mas Serra, desde o começo, avisou que o ponto seria cortado. Muitos professores já estão na rede há anos, e sabem muito bem que o sindicato não está disposto a levar a luta deles até o final. Perder a greve significa perder o salário, que eles precisam para sustentar suas famílias. Ao contrário de Bebel, que vive como uma parasita nojenta da estrutura sindical varguista, alimentada pelo imposto sindical compulsório de todos os professores do estado, o que rende uma verba de centenas de milhares de reais para a APEOESP todo mês. Quando ela colocou fim na greve, nenhum dos seus dias de trabalho para a candidatura da Dilma foram descontados. Esta burocrata infeliz, que, conforme ela mesma confirmou em entrevista para a coluna da socialite Mônica Bergamo, há 15 não pisa numa sala de aula, não se enfrente com nenhum dos ataques de Serra: seja as novas leis de precarização, o material didático abominável, as salas superlotadas ou o corte no ponto durante a greve. Por isso ela pode tranquilamente sentar em uma mesa de negociação com o secretário da educação depois de ter contribuído ativamente para que os professores continuem enfiados na merda, e dizer que eles estão negociando para que o desconto dos dias parados seja descontado de forma parcelada (!!!) Se você não acredita em tamanho absurdo, leia aqui nas palavras dos próprios pelegos: http://bit.ly/aVxEGz

Além do fato de que muitos professores não entram em greve porque não podem prescindir de seu salário e já tem uma longa experiência em serem jogados na fogueira pela pelegada do PT, devemos lembrar outros fatos concretos de suma importância: para que os professores do interior compareçam aos atos, eles dependem de ônibus e infraestrutura que está controlada por esta mesma pelegada, que dispõe dos recursos materiais do sindicato ao seu bel prazer. Nas cidades onde a subsede é dirigida pela oposição, por exemplo, nem pensar em ônibus! As assembleias dos professores parecem comícios ou show de trio elétrico. Enquanto a Bebel fica lá em cima falando a merda que bem entende, os professores embaixo não podem sequer apresentar suas propostas para organizar a luta! Na entrada do carro de som, alguns bate-paus da CUT vigiam o acesso ao microfone, certamente para nossa própria segurança! Não há exemplo melhor disso do que o dia em que estávamos apanhando da PM próximo ao palácio dos bandeirantes, e enquanto isso a Bebel começa a soltar suas pérolas no microfone. Depois de pedir mil vezes para que todos os professores recuassem, ela resolve usar todo seu talento argumentativo e diz: "Pessoal, recuar também é uma forma de luta", para logo em seguida começar a cantar o hino nacional, que foi recebido por uma saraivada de vaias pelos professores que enfrentavam a polícia. Para fechar com chave de ouro, quando cantamos para os burocratas: "desde do caminhão, a luta é aqui no chão!", recebemos como resposta uma garrafa d'água jogada em nossas cabeças de cima do caminhão. Eles só estavam tentando ajudar a PM de Serra a bater na gente! Os professores em cada escola são tratados como meros espectadores da greve, e não como sujeitos que a constroem ativamente! Além disso, entre as reivindicações colocadas pela direção como pauta da greve, não aparecem reivindicações elementares como a efetivação de todos os professores temporários, para que todos tenham os mesmos direitos e salários pelo mesmo trabalho!

Enfim, fica uma lição bastante evidente: enquanto não derrubarmos a burocracia pelega que controla este sindicato e faz de tudo para colocar um freio nas mobilizações dos professores, não conseguiremos avançar para travar uma luta até o fim com o governo, unificando com todos os setores do funcionalismo. Por isso convido todos os professores a discutirmos como podemos levar a frente a organização dos professores a partir da base, em cada escola e por cada demanda. Amanhã, 17/4, A LER-QI em conjunto com estudantes da Fundação Sto. André e professores, organizaremos uma atividade em conjunto na Casa Socialista do ABC, para fazer um balanço desta greve e também discutirmos um episódio exemplar quando, em 2006, uma greve de professores em Oaxaca, no México, conseguiu despertar para a luta todos os setores explorados e oprimidos, chegando a tomar estações de rádio e televisão e instaurando um governo popular na cidade.