terça-feira, setembro 27, 2005

Um post de silêncio por Ronald Golias.

quinta-feira, setembro 22, 2005

Eu vi no jornal uma mulher, devia ter uns sessenta anos, que foi pra cadeia por quatro meses por roubar um queijo e dois pacotes de bolacha no supermercado pro filho poder comer. Na saída do supermercado, o segurança chutou ela e depois levou pra delegacia.

Eu realmente não entendo quem acha este mundo um lugar bom. Espero conseguir fazer isto um dia.

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sexta-feira, setembro 16, 2005

Eu me sinto agora (apenas neste momento) como se pudesse ter uma noite repousante de sono depois de anos acordado. Isso é porque eu consegui sentar e escrever de verdade. E tá aqui o meu conto de Natal que fiquei devendo do ano passado.

Violetas


Sentada na cama reclinável, cercada pelo ambiente estéril, asséptico e desolador do quarto de hospital, ela observava o vaso de violetas. Discretamente no parapeito da janela, aventurando-se na tentativa de irromper um vestígio de cor e vida no meio daquele deserto branco. No começo de uma tarde quente, o sol pousava seus mornos raios sobre as pétalas roxas. Era um vaso pequeno, as flores dispunham-se tão harmoniosamente que sua beleza parecia quase além do natural. O sol detinha-se no limite das flores, parecendo se admirar tanto com o encanto daquelas pétalas que não ousava seguir adiante para iluminar o quarto, a cama, os aparelhos com seus angustiantes bipes e outros barulhos mecânicos, monitorando constantemente a vida que se fragilizava mais e mais naquela cama. Lembrando constantemente que a decomposição, a dor e a morte se aproximavam a largos passos. A liberdade de viver por si só já fora arrancada por completo. A roupa verde-água misturava-a na tonalidade morta do resto do quarto, na ausência do sol tão distante do roxo vivo e intenso no parapeito.
A garoa fina e delicada que surgiu na janela pareceu um reflexo de suas vontades, expressando as lágrimas que já não saiam de seus olhos debilitados. Vermelhos e ardendo, haviam chorado muito. Agora, por exaustão ou fraqueza, se encontravam incapazes de produzir novas lágrimas. Mas as finas gotas que vertiam do céu pareciam suficientes para exprimir aquela tristeza. Desceram suavemente acariciando as pétalas roxas, umedecendo a terra do vaso e alimentando a vida da planta. Logo as gotas tornaram-se maiores, entrando pela janela aberta, molhando o chão do quarto. As pétalas balançavam para cima e para baixo com o impacto das gotas, acertando-as em cheio, asperamente. A água já não alimentava e nem era vida. Ela descia impiedosa, exagerada, dolorida por cima de cada pétala. Afogavam-se, desesperadas. Ela gostaria de levantar, de fechar a janela, pegar o vaso e protegê-lo. Ela gostaria de salvar as flores, de impedir o sofrimento. Algumas pétalas começavam a se soltar, caindo sobre o chão. Já não eram belas e cheias de sol. Eram enrugadas, amassadas, a água as havia deformado.
Seu corpo enfraquecido não conseguia deixar a cama e realizar o curto trajeto até a janela. Ela não podia fazer nada para salvar as flores, assim como ninguém podia fazer nada para salvá-la. Aflita, ela assistiu impotente à destruição das flores e suas pétalas, assim como assistia a própria decomposição de seu corpo enfermo nos longos dias e noites que se seguiam. Por fim, o que sobrava da violeta não se distinguia mais do resto do quarto: estéril, morto e sem cor. A mulher, tentando se confortar com um resto do efeito da morfina que tornava sua dor mais suportável, refugiou-se em suas memórias, que agora eram o último canto em que havia vida naquele quarto. Sua mente, também amortecida pela droga e sensibilizada pela doença, misturavam a cronologia de sua curta vida. Quando seus olhos conseguiam por um momento se concentrar e assistir pela janela o entardecer, ela enxergava do outro lado da rua no parapeito das janelas pequenas luzes brilhantes, piscantes. Eram as mesmas luzes que se acendiam em suas primeiras memórias de infância, ao lado de grandes caixas embrulhadas com papéis coloridos de presente.
Estas manhãs tinham um cheiro diferente em suas lembranças. As violetas, sempre lindas por cima da mesa da sala. Ainda que menos chamativas que os grandes embrulhos ao redor da árvore coberta de enfeites, suas cores eram as mais sinceras em sua humilde discrição. As flores preferidas de sua mãe, que todos os anos ganhava no natal, passaram a ser suas preferidas também, desde aquela época. Mas, apesar de nunca ter feito esta distinção para si mesma, não era das flores que realmente gostava, e nunca gostou das coisas pelo que elas eram. Gostava de saborear as pequenas lembranças escondidas em cada pétala, do cheiro que era de sua mãe dentro daquele pequeno vaso. Da sua mãe, lhe sobrara tão pouco. A lembrança de um toque macio e acolhedor, que não poderia nunca recuperar, tal qual a sensação de mergulhar o nariz nos profusos cachos que se prolongavam pelo contorno de seu corpo, e o modo como eles acariciavam. Sobrava uma lembrança pálida também, quase uma idealização, da voz doce que enchia seus ouvidos de melodias de ninar todas as noites, e de canções antigas nos sábados à tarde. De seu rosto, sabia os contornos e o branco dos olhos, sabia o tom de vinho sutil que delineava os finos lábios nas noites de festa, sabia as cores das compridas unhas que ajudava a pintar, sabia as duas maças do rosto que sentia em seus sonhos como se estivessem ainda ali, sabia o contorno das sobrancelhas e as linhas de expressão, sabia o contorno dos sorrisos e por onde passavam as lágrimas quando caíam. Mas fotos não havia, tampouco gravações. O tempo, que não havia se contentado em levar a mulher que cultivava sua vida com a paciência de um artesão e uma bondade que era impossível guardar, ano a ano lhe tirava mais um pedaço das memórias que haviam sobrado. E as violetas, seu cheiro, sua cor e seu gosto, talvez já fossem o pedaço mais concreto de amor que lhe sobrara. Um pedaço do único amor que havia existido, em uma idade em que o aproveitara da maneira mais autêntica mas, infelizmente, e talvez mesmo por isso, não soube o reconhecer como tal.
Sentia ainda, nas noites de sonhos ruins, o peso infinito do vaso que carregava aos treze anos, no dia em que primeiro entrou naquele prédio austero, silencioso e de brancas e assustadoras paredes onde agora aguardava a morte. Cada passo ressoando no corredor, enquanto ao seu lado acompanhavam uma freira e seu pai, como sempre de terno e cara fechada. Tentavam, dia após dia, lhe esconder a verdade. Teve raiva, mas não muita. Mesmo pequena, soube pela primeira vez entender que por mais que as pessoas vivam e aprendam, elas nunca realmente sabem o que fazer. E viu nos olhos distantes e despreparados do seu pai, que nunca soubera como lhe dar um vestígio do afeto que havia nos abraços da mãe, que ele tentava apenas poupar a dor que ele próprio sentia. Desejando poder ignorar aquela tragédia, queria colocar a filha mais próxima desse estado no qual ele imaginava não haver sofrimento. Mas o pai não sabia, e nunca saberia, que ele era apenas um apêndice naquela família. A empatia que a menina desenvolvera com sua mãe ao longo dos anos já havia há muito substituído o velho e gasto amor do casal. As lágrimas e confissões, as expectativas e alegrias, não eram para o senhor severo e engravatado que não sabia dar abraços que não fossem forçados ou dizer palavras de amor como se elas pertencessem à sua boca. Os momentos íntimos eram da menina, que os recebia e abraçava com o amor de uma criança, e com uma maturidade que escapava às margens de sua curta vida.
E, cruzando aquele corredor frio, a menina sabia muito bem aonde ia. Presa horrivelmente entre sua afetividade infantil e sua compreensão quase adulta, carregava uma angustia indizível, sentia o peso da morte naquele pequeno vasinho de violetas. Conforme levava aquelas miúdas flores roxas pro quarto de hospital da sua mãe, sentia cada vez mais que era como se carregasse o cadáver de mulher que amava para sua sepultura. Os olhos não queriam se defrontar com a palidez do edifício, muito menos com o desolador olhar do seu pai ou o sombrio semblante da freira que os escoltava. Mantinha-os fixos nas pétalas roxas, sempre os sentindo arder, como se a primeira lágrima fosse escapar a qualquer momento. Mas elas se mantinham presas aos olhos marejados, embaçando a visão que tinha das pétalas até transformarem-nas em um borrão roxo. O silêncio, também assustador demais, era substituído pela voz da mãe ressoando em uma canção dentro de sua cabeça. Os passos no corredor marcavam o tempo para a imagem de sua mãe que cantava.
A dor tornara-se mais forte, a cada dia piorava. A enfermeira, mal pôde vê-la enquanto perambulava os recantos das suas lembranças, sussurrou-lhe algumas palavras gentis e administrou mais morfina. Provavelmente a última dose, ela imaginava. A realidade de seu quarto era cada vez menos palpável, cada vez mais se mesclava com as memórias. E a voz da enfermeira soou como as palavras de sua mãe enferma, reafirmando seu amor na cama do hospital. Foi difícil encarar a mãe naquele momento. Pela janela do hospital fitava as luzinhas brilhantes de natal nas outras janelas. Já sem poder conter as lágrimas, entregou à mãe o pequeno vaso de violetas, esperando ingenuamente que assim pudesse se livrar do fardo que carregava. A mãe deu um último sorriso, agradecendo à filha por ter se lembrado das suas violetas de natal. Via as pétalas despedaçadas no quarto do hospital, sem saber se eram as de sua mãe ou as que tinha pedido para seu próprio quarto, como seu cortejo fúnebre. Filha para trazê-las não havia, nem alguém que as retirasse do parapeito da janela para que a forte chuva nas as estragasse. Pela primeira vez, desde que a mãe morrera da mesma doença que agora a consumia, a menina não poderia depositar um pequeno vaso de violetas sobre o túmulo da mãe. Fechou os olhos, lembrando do momento em que sua mãe fez o mesmo há tantos anos atrás. Suas lágrimas caíram sobre as pétalas das flores, como uma garoa fina e delicada caindo sobre um mundo que anoitece.
Ela era feita de futuro, da matéria-prima rústica que se encontra nos escombros, nas profundezas, nos berços, nas montanhas, nos esboços e rascunhos, que surgem da beleza espontânea das primeiras idéias frescas que vêm ao mundo. Ela era feita de possibilidades, da esperança mais cândida, daquele tipo que não se tornou um lugar comum, uma palavra gasta prostituída na boca de um farsante. Ela era feita de um amanhã que se concretiza a cada dia em um hoje cheio de tudo, de um dia que encontra as coisas por elas mesmas, autênticas e com a ousadia destemida de quem não se importa em parar pra se preocupar.
As alegrias, quando passageiras, tinham como rebento a mais bem acomodada lembrança, cultivada cuidadosamente e com os floreios que a realidade crua merece que nossa mente lhe forneça. As tristezas ganhavam o lugar de sua merecida importância, tomando para si ares de tragédia e forjando as paredes do castelo de cartas de acontecimentos que formavam o modo de ser e pensar e sentir. Até as mais simplórias banalidades abandonavam sua triste fugacidade para ganhar as entrelinhas que as vestiam como uma coisa que valia a pena ser lembrada, escrita, rememorada, revista, guardada.
As palavras e os gestos, ela sabia, eram inexperientes, cheios de medo e hesitação, mas até mesmo por isso embutidos de uma satisfação e de uma coragem que os tornavam mais verdadeiros, mais contundentes em suas intenções. As tentativas, mesmo quando pretensiosas, não eram arrogantes e sabiam da sua chance de sempre dar errado. E quanto maior fosse a chance de fracassar, maior era a satisfação de conseguir. A ignorância nunca fora um motivo de vergonha, mas sim de alegria por poder aprender alguma coisa nova sempre. A imaturidade nunca fora um obstáculo, mas um passaporte para poder ousar e conhecer sem o fardo das convenções e das limitações sociais. A falta de idade apenas cumpria o papel de encobrir agradavelmente o infinito de tempo por descobrir.
Eu devo estar no meu inferno astral, só pode ser.