quarta-feira, dezembro 15, 2010

Bobagens

Acho que desde 2006 não consigo escrever um conto de natal. Quando os comecei, em 2001, a ideia era escrever um todo ano. Mas nem isso eu consigo levar à cabo. Ando me sentindo meio cretino, e que lugar melhor pra resmungar do que esta porcaria. Pronto, passou.

terça-feira, outubro 19, 2010

"Por que caralhos você não vai votar na Dilma?!?"

Pois é, eu não vou. Não vou votar na Dilma, nem que seja só pelo voto "contra o Serra". Abaixo eu reproduzo o e-mail que mandei para a lista de discussão da Letras USP que explica um pouco meus motivos, porque a discussão acalourada entre a esquerda da Letras é esta: o voto no segundo turno. Antes, uma bela foto de Dilma sendo agraciada por um nobre aliado nesta "cruzada contra a direita" representada por Serra.




Pessoal,

Esta lógica do "menos pior" é absolutamente avessa a qualquer tentativa séria de transformação social. Vi que todos os companheiros aqui que irão votar na Dilma, como o Diego, Felipe e Julia, dizem que o PT não é de esquerda e não representa nem de longe os interesses dos trabalhadores. Hoje, de fato, vivemos no Brasil ainda uma situação de imensa passividade social, em que o movimento operário está adormecido e inerte, controlado completamente pelas burocracias sindicais que não só apoiam mas estão organicamente ligadas ao PT e ao próprio estado burguês. No campo, ainda que a luta de classes seja bem mais intensa pela própria profundidade e dimensão da questão agrária em um país tão desigual como o Brasil, do ponto de vista das direções a coisa não é muito diferente. Os dirigentes do MST sempre procuraram alimentar esperanças e ilusões no governo de Lula, ainda que sejam forçados a fazer algum tipo de "tensionamento" maior do que as direções sindicais, como a marcha para Brasília que exigia a revisão do índice de produtividade (e que foi para a gaveta em poucos dias depois desta marcha, pela pressão dos aliados de Lula ligados ao agronegócio e aos latifundiários, cuja influência sobre ele é milhões de vezes superior à do MST).

Acho que esta questão agrária é de fato um bom exemplo para discutirmos esta eleição. A reforma agrária não é nada de outro mundo. É, aliás, uma questão que foi resolvida pelas burguesias dos países centrais do capitalismo há séculos. No Brasil, contudo, continua sendo a causa de morte para um número expressivo de pessoas; continua sendo a causa da miséria de milhões. Como o próprio Diego disse, o MST é o maior movimento social do mundo e é tb o que promove maior número de ações diretas de enfrrentamento, como as ocupações de terra. Mas como a gente vai resolver a questão agrária de fato? Trotsky mostrou já no começo do século passado na sua Teoria da Revolução Permanente algo que continua plenamente atual: em um país como o Brasil, uma demanda minimamente democrática como a reforma agrária NUNCA poderá ser resolvida pela burguesia. Mesmo que um ex-operário ou um partido que já foi um patrimônio da classe trabalhadora esteja à frente do estado burguês. Os número OFICIAIS dos governos mostram que nos oitos anos de mandato, FHC foi responsável por um número maior de "reforma agrária" do que ocorreu nos oito anos de Lula. Isso quer dizer que FHC é melhor? CLARO que não! Mas Lula, justamente por ter a direção destes movimentos comendo na sua mão, por ter todo o histórico de ser um dirigente operário que construiu sua trajetória política a partir de um imenso ascenso operário, etc, tem até mais poder de controlar os ânimos, de alimentar a ideia absolutamente ilusória de que é possível mudar as coisas gradualmente, pela via eleitoral.

Portanto, sim, há diferenças substanciais entre Dilma e Serra, e nas matérias do nosso jornal, que estão todas disponíveis no site da LER-QI, analisamos estas diferenças. Mas a tarefa dos revolucionários não é chamar voto em um suposto "menos pior". É combater, até o fim, qualquer ilusão que se possa ter de que a via eleitoral irá garantir uma mudança substancial na vida dos trabalhadores. Tudo o que Lula possa ter dado através de concessões como bolsa família durante seu governo, que foi durante um período de grande crescimento econômico para o Brasil, a Dilma será obrigada a retirar em nome da classe para a qual governa - a burguesia - assim que a crise econômica mostre seus efeitos no Brasil. Vide a Grécia, onde foi o governo "socialista" que implementou as medidas de austeridade que irão degradar a condição de vida das massas. O que demonstra isto é que "nunca nesse país" os banqueiros lucraram tanto, mesmo com todas as migalhas que Lula ofereceu à classe trabalhadora e a todos os pobres no país. E eles terão que partir para cima destas concessões para garantir que o estado salve seus lucros quando a crise chegue aqui com toda a força. Isso já se mostrou na primeira onda da crise, na qual tanto Serra quanto Lula deram milhões dos cofres públicos para salvar os banqueiros e empresários. O grau de ataque a que Lula estaria disposto a chegar para garantir o lucro de seus aliados pode ser vislumbrado quando este veio a público se pronunciar contra o direito elementar de greve, dizendo que greve com salário é férias. Imagina o que ele faria e diria se o negócio apertasse!

O que se trata é de lutarmos, a cada dia, para organizar politicamente a vanguarda da classe trabalhadora, para discutirmos cotidianamente com cada um que alimente a ilusão do voto na Dilma e na saída pelas reformas graduais, que o único governo que pode apontar uma saída para o capitalismo e para a profunda desigualdade social e a miséria que existem no Brasil é um governo dos trabalhadores a partir de sua auto-organização. E que para isto vale a pena lutar a cada dia. Por isto, principalmente para gente como o Diego, que diz acreditar em uma saída revolucionária, é fundamental extrair as lições do passado para saber qual deve ser nosso caminho de preparação para um momento revolucionário. Se citou aqui o Stalinismo e sua política nefasta de identificar os socialdemocratas com o fascismo e, assim, contribuir decisivamente para a vitória do nazismo na Alemanha. Esta política era, de fato, um absurdo, e era necessário que todos os partidos operários se unificassem na luta contra os nazistas, de armas na mão. Foi isso que os trotskistas fizeram, por exemplo, no Brasil dos anos 30, quando a LCI (Liga Comunista Internacionalista, que era a sessão da IV Internacional no Brasil) fez um chamado à frente única com os stalinistas e os anarquistas e debandaram de armas na mão um ato dos integralistas na Praça da Sé, no episódio que ficou conhecido como a revoada dos galinhas verdes, e que foi decisivo para desarticular esta versão brasileira do fascismo. Contudo, é completamente absurda a comparação entre a frente única para combater os nazistas e o chamado no voto para a Dilma. A Dilma não é socialdemocrata. O Serra não é fascista. A "frente única" do voto na Dilma não é uma frente única de armas na mão para combater nas ruas o fascismo. E gostaria de lembrar que alguns anos antes do stalinismo ser responsável pela derrota da classe trabalhadora na Alemanha frente o ascenso nazista, eles tiveram uma política oposta e tão nefasta quanto. A política das "Frentes Populares" era justamente baseada na unificação dos partidos operários com os partidos social democratas e com todos os setores da burguesia "progressista" em governos, sem nenhuma independência política dos trabalhadores. Foi a partir desta política de Frente Popular que o Stalinismo liquidou um dos maiores levantes revolucionários da classe trabalhadora na história - a Revolução Espanhola. Todos os partidos da esquerda - anarquistas, POUM e Stalinistas - capitularam a esta política de conciliação de classes, que preparou o terreno para o ascenso do fascismo espanhol através da subida ao poder de Franco e do esmagamento da classe trabalhadora. Vale lembrar que Franco era um dos representantes desta "burguesia progressista" que compôs o governo de Frente Popular.

Não é à toa que hoje, no segundo turno, os partidos de esquerda que tem como estratégia a conciliação de classes - PCB e P-SOL - são os que defendem um "voto crítico" em Dilma, e os partidos que, apesar das inúmeras críticas que tenho a ambos, defenderam uma posição de independência política da classe trabalhadora - PSTU e PCO - defendem o voto nulo (ainda que o PSTU "escorregue" em relação a isto, quando, por exemplo, faz a frente de esquerda com P-SOL e PCB). Pois sabem que a independência política da classe trabalhadora não é um "fetiche" ultraesquerdista, mas é uma questão fundamental e de princípios para os revolucionários, e é fundamental para desde já construirmos a independência política da única classe capaz de conduzir a derrubada do capitalismo. Por isso voto nulo no segundo turno, e chamo todos os companheiros que se dão a tarefa de construir esta independência política imprescindível para fazer a revolução a fazerem o mesmo, mostrando a todos que nem Dilma e nem Serra nos representam, e que combateremos qualquer representante da democracia burguesa na arena da luta de classes, lutando a cada dia contra a miséria do possível que este sistema quer nos oferecer.

Abraços,
pardal.

terça-feira, outubro 05, 2010

Os outros eram fortuitos; ocorriam, mas bem poderiam não ocorrer...

...E nem por isso deixavam de ser amores, ou deixavam de ser importantes. Todos os amores são, enfim, fortuitos, porque não há nenhuma predestinação em encontrarmos alguém e sequer em nos relacionarmos com um alguém que se encontre. Muito menos em não acabarmos com um amor, por grande que seja, que se construa com um alguém que se encontre. Todos os amores podem não ocorrer; em ocorrendo, todos podem se acabar. Sobrevivendo, podem ser feitos de memórias ou de concretude. Os que são feitos de memória sobrevivem mais facilmente, pois estão mudos, petrificados, para sempre paralisados em uma idealização fóssil. Os que são feitos de cotidiano são os que estão sujeitos a serem gastos, amargados, corroídos pelos atritos. E, se não forem renovados, desfazem-se ou se quebram.

Amar as pessoas é renovarmo-nos: conhecer novas sensações, recriar aquilo que conhecemos sobre nós mesmos e sobre como nos relacionamos com os outros. É um sopro de ar fresco no ar que respiramos, que se torna pesado e viciado com o passar do tempo. E amar alguém, verdadeiramente, é carregar esta mudança como parte de nós mesmos, sermos um pouco mais daquilo que pudemos ver sob os olhos de quem esteve em nosso coração.
Há amores que nos enganam, que nos enredam em suas ilusões porque somos tolos, porque somos cúmplices de suas mentiras, porque traçamos a seu lado e a seu favor cada falseamento de nós mesmos em cada dia, em cada beijo, em cada pequeno passo que damos na direção oposta. E que, se nos aprisionam, fazemos junto com eles cuidadosa e obstinadamente as paredes da prisão que nos sufoca. Damos a ele a água, a luz e a comida de que precisa para crescer e se fortalecer, tirando de nossa carne e de nosso prato para garantir seu sustento. Se há quem nos alerte para a obviedade de nossa miséria, muitas vezes somos nós mesmos que nos escondemos detrás das muralhas, dentro das celas e porões que criamos, para mais facilmente não ouvir as vozes que vem lá de fora.
Há outros amores que nos abrem os olhos. Que nos fazem sair da velha e mesma posição cômoda e petrificada de sempre e vermos como nossas articulações, músculos e ossos começavam a tornar-se fracos e incapazes, porque não mais nos levantávamos para nada. Como nossos olhos só sabiam enxergar na escuridão, porque com o tempo havíamos deixado de abrir as janelas. Como nosso sangue se tornava ralo e nossa perspectiva era obtusa. São amores que nos levam para longe da mesmice, que nos permitem ver de longe a caricatura de gente na qual o tempo sempre quer nos transformar e que nós, ridiculamente, havíamos permitido.

E, quando abrimos nossos olhos e enxergamos a amplitude da vida uma vez mais, o futuro volta a ser grande e nosso. Ao contemplarmos assustados tamanha vastidão, podemos cair na tentação de correr, desesperados e sem olhar para trás, para tentarmos nos refugiar de novo naquela escuridão carcomida, onde, se não há futuro e nem novidades, ao menos também não há o medo de não sabermos para onde ir, nem de ficarmos sozinhos. Mas a opção uma vez mais é nossa, e quando tomamos o caminho em frente enfrentamos perigos de sobra. Andar por ele, andar livremente e tomar nosso destino em nossas mãos (um pouco, mas não muito, como quer Sartre), porém sabendo que não estamos flutuando nas nuvens. Nossos pés estão firmemente presos ao chão, ao chão de um mundo cru que não nos poupa um sofrimento sequer. Um mundo que a cada esquina nos empurra um novo entorpecente para nos vermos livres da surpresa e da dor de sabermos que mudá-lo custa caro e não é fácil. Contudo, se é esta a opção que tomamos, devemos saber recusar sobriamente cada entorpecente, devemos saber usar as coisas em sua medida certa, na medida em que nos dê forças para seguir em frente, mas que não nos acomode em ilusões mornas. As coisas, frias, duras e cruéis estão aí a nossa frente. A solidão ainda está a nossa volta, e vai estar por muito tempo se todos ficarem isolados cada qual na sua ilusão. Por isto, cuidado: os amores são facas de dois gumes.

segunda-feira, outubro 04, 2010

O amor, a essência e a contingência

Hoje, quase que por acaso, dei com um livro no meu nariz: Sobre o amor, de Leandro Konder. O tal livro fala sobre alguns escritores e revolucionários, e como o amor aparece em suas vidas e obras. Uma breve olhada no índice, enquanto descansava da limpeza da festa de sexta, me despertou a atenção sobre alguns personagens ali tratados. Dei uma breve folheada no Marx, mas na verdade neste campo em particular não me interesso muito por ele e creio que não é aí que vou encontrar as melhores reflexões deste mestre, admirável em tantas outras questões de capital importância.

Passei logo a ler com atenção o capítulo sobre uma moça cuja contribuição revolucionária, aí sim, é de fazer inveja a muito marxista nesta vida (mesmo que ela não o fosse). Um capítulo curto - talvez em demasia para alguém que mereceria mais - , que li inteiro ali mesmo, me contou algumas novidades sobre a vida amorosa de Simone de Beauvoir. Vou guardá-las na cabeça e amadurecê-las, conforme eu chegue de fato a conhecer a obra desta instigante mulher.
O que me coça o cérebro agora é a definição de seus amores. Aquele que a vida inteira dividiu com seu companheiro fiel, Jean-Paul Sartre, aparecia classificado pelo casal como essencial. Os outros, mais ou menos intensos, muito ou pouco profundos, porém, sempre de alguma forma passageiros, eram os ditos contingenciais . Duas simples palavras classificando este sentimento de tamanha complexidade; duas pequenas palavras dividindo UM amor de todos os outros, unificados em toda a sua diversidade.

Isso me pôs a pensar.

Fui a alguns dicionários pra ver se realmente sabia o que era contingencial. Ali estava realmente aquilo que imaginei: as definições me diziam se tratar de algo possível, porém incerto. E o essencial, sei de relance não ser o mesmo essencial da moeda corrente. Para o existencialismo de Sartre, que está aí por detrás desta definição do "amor essencial", a existência precede a essência, e esta é o fruto de uma escolha. Ora, eu cá com meus botões não manjo lá muito deste existencialismo, mas posso dizer na lata que como marxista não-existencialista não acredito em essência, que dirá no ser humano. Há alguma semelhança com a visão de Sartre, pois de fato a existência precede a essência. Mas, esse marxismo ocidental que puxa pro idealismo, parece querer dizer pra esta "existência" e pra esta "essência" - pelo menos foi o que ouvi - que podemos escolhê-las; que o homem está fadado a ser livre, pois está fadado a determinar sua existência e, assim, sua essência. E, convenhamos, não é lá bem assim. Claro que nossas decisões individuais podem, em certa medida, mudar nossa existência e, assim, dialeticamente, transformar nossa consciência (que é a palavra que prefiro usar para determinar a tal da "essência"). Enfim, vou ler mais sobre o existencialismo, pra não falar besteira demais, e aprofundar esta reflexão.

O que me importa, de fato, é que o tal amor deles era essencial, ou seja, determinante, profundo, ancorado naquilo que a existência deles vinha a ser. Os outros eram fortuitos; ocorriam, mas bem poderiam não ocorrer. Eram frutos de circunstâncias, e não de ligações estabelecidas por um modo de viver e ver a vida. Há algo, que está além deste incômodo idealismo existencialista, em que eu acredito estar de pleno acordo na visão deste amor. Que um amor entre duas pessoas fundado em concepções, afinidades e projetos sólidos, e cimentado com uma enorme liberdade e respeito mútuos, pode navegar longamente entre amores fortuitos e ocasionais sem se deixar naufragar.
Há amores, destes contingenciais, que o tempo só pode esmorecer e apagar. Na melhor das hipóteses, transformar em felizes lembranças do passado. Mas há, raramente, amores outros. Que estão alicerçados naquilo que quiçá Sartre e Beauvoir chamaram de "essência": nossos desejos, planos, sonhos mais profundos, fruto de nossas experiências e amadurecimento, de nossos confrontos e embates com a vida. Estes amores que sabem curtir na tempestade das adversidades e brigas, temperar a firmeza e a solidez de um companheirismo que vai além das banalidades. Que não se espelha em novelas nem mira casamentos; que não se alimenta de luxúria vã; que não olha o outro como espelho ou pedestal.

Estes amores - e eles não surgem espontaneamente, mas são construídos conscientemente e com muito esforço - que são capazes de trazer à tona o que há de melhor em nós mesmos. São capazes de nos desafiar, nos jogar na cara aquilo que detestamos e escondemos e nos fazer engolir nosso orgulho para superarmos o que antes não ousávamos admitir em nós mesmos. Porque eles nos dão uma força maior do que a que tínhamos antes. Porque eles nos permitem olhar a nos mesmos pelo lado de fora, através dos olhos que mais admiramos e respeitamos; e ouvir de uma voz em que confiamos e que nos pode ser impiedosamente sincera, aquilo que ninguém mais poderia dizer. Eu acredito nestes amores. Como hoje aprendi que Simone também acreditou, e que teve que lutar para que o seu existisse e resistisse, convivendo com as amargas heranças que as condições em que vivemos neste mundo vil instalam nos nossos corações, e que nenhum livre arbítrio é capaz de extirpar.

sábado, outubro 02, 2010

Segredos...

- Posso te contar um segredo?
- Depende.
- ... de que?
- É sobre você este segredo?
- É, é sobre mim.
- Você tem muitos segredos que não me conta sobre você?
- ...
- Não precisam ser coisas secretas. Mas coisas que você pensa, sente, que são suas e que você não contou?
- Não, acho que não.
- Então não me conte. A gente também é feito de segredos, sabia? As coisas que são suas, que não são de mais ninguém. Elas também fazem você. Guarda este segredo e pensa aí se ele é realmente pra ser contado e, se for, se é pra ser contado pra mim.
- Mas eu não sou lá de ter muitos segredos.
- É uma pena. Não acho que você tem que ficar escondendo nada, não é disso que estou falando. Mas nossos desejos, sonhos, sentimentos são coisas secretas, muitas vezes. Mesmo que você conte, muitas vezes eles permanecem secretos, se a pessoa que te ouve não consegue te escutar. Há quem ache que temos que pensar bem no que contamos pros outros. Eu não acho; acho que temos que pensar bem no que guardamos. E com quem dividimos. Nossas relações também são feitas de segredos, coisas que se divide. Que não há ninguém mais com quem se possa dividir. Mas se você me contar todos os seus segredos, não dá pra gente se relacionar, porque quer dizer que você acha que eu sou você, que não há segredos entre nós e, enfim, que somos a mesma pessoa. Não é verdade. A gente sempre tem que ter segredos. O amor é construído, também, dos segredos que não se conta.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Teatro de sombras

E mais uma vez, porque nunca será demais, volto à minha camarada Alexandra Kolontai:

"A idéia da propriedade se estende muito além do matrimônio legal. É um fator inevitável que penetra até na união amorosa mais livre. Os amantes de nossa época, apesar de seu respeito teórico pela liberdade, só se satisfazem com a consciência da fidelidade psicológica da pessoa amada. Com o fim de afugentar o fantasma ameaçador da solidão, penetramos, violentamente, na alma do ser amado, com uma crueldade e uma falta de delicadeza que será incompreensível à humanidade futura. Da mesma forma pretendemos fazer valer nossos direitos sobre o seu eu espiritual mais íntimo. O amante contemporâneo está disposto a perdoar mais facilmente ao ser querido uma infidelidade física do que uma infidelidade moral e pretende que lhe pertença cada partícula da alma da pessoa amada, que se estenda mais além dos limites da sua união livre. Considera tudo isto como um desperdício, como um roubo imperdoável de tesouros que lhe pertenciam, exclusivamente e, portanto, como um saque cometido à sua revelia."

Sim, chegamos a vender tão barato o respeito e o carinho a quem amamos e a nós mesmos para fugir ao ameaçador fantasma da solidão. E, assim, sem perceber, viciamos, apodrecemos, contaminamos nossas ligações psicológicas e afetivas mais profundas com o sufoco do dia-a-dia, com a podridão que vai tomando conta do nosso espírito. Transformamos o amor em tédio, a companhia em prisão, o companheirismo em mordaça, a afeição em desespero. Transformamos um fantasma, inventado pela alienação, exploração e opressão, no carrasco maior que executa com requintes de crueldade uma das últimas e maiores vítimas desta sociedade encarquilhada e fétida. Nos fazemos cúmplices deste crime imperdoável. Somos nós os portadores hipócritas de uma moral arcaica e ressentida, que teme um sopro de ar fresco e um facho de luz que a varra de uma vez por todas da humanidade.

Vício, vício, vício. Procuramos nossos ópios, rastejando às cegas por esta masmorra em que estamos presos. Socando suas paredes, queremos um narcótico qualquer, uma ilusão que nos vendam barato à primeira esquina, para aplacar a dor lancinante de enxergarmos nossa liberdade tão longe e a custa de tanto esforço e esperança. Queremos fazer de nossas fraquezas uma força para combater. Não vemos o quanto somos cegos ao tentar vencer o jogo sem mudar, sem impor nossas regras. Não vemos que virar este jogo significa construir nossos exércitos e empunhar nossas armas, mas também extirpar o chorume viscoso que impregna nossos pensamentos e sentimentos. Lutar a cada dia para saber que não podemos ser o futuro, mas que precisamos ensiná-lo a ser, a nunca mais ser uma repetição eterna de um passado que insiste em não morrer. Que não podemos nos fazer só de passado, só de temor e ódio dos fantasmas.

Não há amor revolucionário sem atitudes revolucionárias.
Se a matéria prima do desejo humano é a ausência, saibamos que nosso desejo ávido por um futuro que enterre esta sociedade tem que ser nosso guia para a ação. Mas que nossas ações não se guiem só pelo desejo; que as saibamos conduzir, aprendendo com o passado. Que nosso desejo ávido por amor não nos torne pálidas figuras amedrontadas pela solidão, mas sim aqueles que lutam por emancipar o amor de seus grilhões enferrujados. Se nossa mente sofre hoje com esta crosta cinza e espessa que a recobre, que se espalha por nossas vidas e, como um óleo desliza sem se desmanchar, saibamos que os que mais sofrem com o velho são os que mais lutarão pelo novo. Não sejamos mais vítimas de nossos vícios, nossos ópios e desesperos. Coloquemos nossas mentes e corações a traçar planos e a se apaixonar por esta luta pelo novo. Somente se estivermos em movimento constante, sem nos deixar prostrar pelos fantasmas que nos assombram, poderemos aprender a construir esta difícil ponte entre o hoje e o porvir. E veremos assim que nossos fantasmas não passam de um orquestrado teatro de sombras, de ideologias de um museu travestido de vida, cujo objetivo é justamente nos paralisar.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Sobre páginas em branco

Lembro-me das páginas em branco. Elas sempre me foram assustadoras mas, também, irresistíveis. Assustadoras como tudo aquilo que se apresenta como um infinito de possibilidades, como um mundo inteiro em potencial, colocado nas suas mãos e sob sua responsabilidade: só cabe a você dizer o que será daquilo.
Na escola, quando era pequeno, às vezes as páginas em branco se postavam à minha frente. Para a professora, uma atividade corriqueira: redação livre. Para os colegas, em sua maioria, mais uma chata tarefa escolar da qual se desembaraçavam com o mínimo de esforço possível, alguns raros até com algum prazer. Para mim, sempre, um misto de grande euforia e angústia; a página, ou até as páginas, em branco, todas só para mim, para que eu escrevesse nelas tudo aquilo que eu quisesse. Não havia para mim notas, colegas, professora. Apenas eu e a página, e a responsabilidade de colocar nela algo que estivesse a altura de preencher aquele espaço em branco. No final havia, sim, uma satisfação de ter preenchido o espaço. Mas também a sensação sempre presente de que eu poderia ter feito outra coisa, uma coisa muito mais interessante.
Na vida, seja na escola ou em qualquer lugar, este mundo nos fornece cada vez menos páginas em branco. Na verdade, nas engrenagens em que somos forçados a nos espremer, somos nós mesmos uma palavra ou pequena frase, tentando nos adequar para preencher uma lacuna obscura e alheia a nossa vontade, na qual nunca nos encaixamos de verdade. Perdemos as páginas, perdemos as canetas, perdemos a perspectiva de ler, escrever, criar, discutir, sonhar. Esta liberdade, das páginas para fazer o que se queira, estão reservadas apenas às crianças. Apenas a algumas poucas crianças. A liberdade que nos é dada a vislumbrar porque não há compromissos, responsabilidades, prazos, lacunas curtas onde temos que nos espremer. Há tempo, há brincadeiras, há espaço.
Um dia eu percebi, finalmente: não existem as páginas em branco. E isto é absolutamente incrível. As páginas em branco são uma conversa fiada que nos empurraram cabeça adentro, uma historinha nos faz achar que existem gênios criadores arrebatados por momentos sublimes de inspiração. Que existe ou pode existir em alguma alma excepcionalmente sensível uma melancolia ou uma alegria indeléveis, um arroubo de solidão, uma fagulha insubstituível de criatividade, um dom místico, metafísico, imaterial, esplêndido, intocável. Que há um espaço dentro de nós mesmos, ou fora, por aí, a procura de almas, onde podemos encontrar coisas secretas. Que este momento raro é a essência mesma da vida.
Quanta bobagem me haviam vendido em uma só página em branco! A página em branco da minha cabeça, onde as palavras hediondas e espelhadas em um reverso tão idêntico a si mesmas haviam sido escritas. As palavras que me deram: era com elas que eu preenchia as páginas em branco da minha infância, nas redações escolares. As palavras que me deram, que já estavam me dando e preparando e consagradas muito antes que eu nascesse, foi com estas palavras gastas que eu preenchi todos os meus relacionamentos, sonhos, perspectivas e esperanças. As palavras que querem nos fazer acreditar que são nossas, com elas preenchemos nossas páginas em branco, que se ajuntam em um imenso livro velho e empoeirado que se escreve por cima das nossas cabeças.
Há aqueles que acreditam, ingenuamente, poder formar suas próprias palavras, ter páginas em branco só suas para escrever. Se inventássemos nossas próprias palavras, quem nos entenderia? Não se trata disto, de acharmos que o que precisamos são páginas em branco preenchidas de palavras que nunca foram ditas. Há sim que criar e dizer e escrever palavras que nunca foram ditas, para que possamos de uma vez por todas mudar a mesma velha história que se escreve a cada dia. Mas não há quem possa criar sozinho suas palavras, assim como não há palavras novas que não se criem das velhas.
Temos que tomar o discurso das nossas vidas em nossas mãos; procurar no velho livro as palavras que querem nos ocultar, palavras desafiadoras que possam nos servir para mudarmos o discurso e, com tempo, esforço e, principalmente, construindo discursos coletivos, poderemos criar novas palavras, novos discursos, que se somem e possam criar, enfim, uma nova história sobre as páginas em branco que se postam a nossa frente.

domingo, setembro 12, 2010

Das coisas que se pode aprender com a solidão

Talvez a primeira coisa que eu poderia dizer que eu aprendi com a solidão foi esta vontade, um pouco absurda na minha cabeça de uns poucos dias atrás (quando eu estava sozinho mas ainda não tinha aprendido muito com isso), de que se pode vir em um lugar assim, como um blog semiabandonado, que é mais ou menos público - pois todos podem acessá-lo - e mais ou menos secreto - pois ninguém teria por que encontrar este domínio obscuro do blogspot (eu sempre fico surpreso que de fato possa haver gente tão perdida aleatoriamente na rede que chegue de fato a este texto e o leia!), e se escreva sobre coisas que no mês passado eu já nem lembrava como se contava a um amigo.

Perdoem-me os períodos gigantescos, cheios de vírgulas e digressões em períodos compostos mal encaixados, mas é que minha mente está livre das regras habituais de composição; ou, melhor dizendo, eu estou fora da gaiolinha.

Bom, mas acho que escrever, e talvez o fato de eu ter parado com isto, tenha muito a ver com isso, como eu de certa forma sempre soube. Quando eu comecei a escrever, como uma necessidade e uma coisa que eu realmente amava fazer, foi durante o primeiro período da minha vida em que, como um adolescente uma tanto deprimido, entre o pós-modernismo e um comunismo quase utópico-instintivo, e, é claro, muito egocêntrico, melodramático e autocomplacente, eu estava afundado na minha primeira tristeza mais profunda, sem amigos muito próximos e, fundamentalmente, sem muita referência de vida ou de mundo. Pegando todas aquelas porcarias que ficavam se remoendo dentro da minha cabeça e estômago, joguei todas elas num conto, um autêntico escrito bobalhão, mas sincero. E eu gostei muito de ter feito isso.

Acho que um monte de coisas me levaram a interromper isto, e também um monte de outras coisas: música, escritos, criar. Mas, talvez uma das preponderantes tenha sido isso: eu passei a fugir de ficar sozinho como o diabo foge da cruz. E é impressionante, ao olhar para trás, começar a perceber a que limites isto me levou, que tipo de coisas comecei a fazer comigo mesmo e com os outros para atender desesperadamente e sem perceber a esta necessidade: ter alguém do meu lado para me socorrer da assustadora experiência de me saber por conta própria diante desta vida imensa, deste mundo horrível, podre, vil; de saber que, no fim das contas, a gente tem que saber andar nele com nossas próprias pernas, e que não adianta tentar encontrar alguma outra pessoa para jogar em cima o fardo dessa solidão, e nem para tentar prender alguém com você pelo preço de "segurar" também o fardo dela. Não é disso que são feitos os amores, os verdadeiramente revolucionários, e nem os verdadeiros companheiros, aqueles que estarão dispostos a ajudá-lo sim, sempre, pois estão unidos por algo muito mais sólido e verdadeiro do que aquele desespero de não estar sozinho. É uma relação de dois sujeitos, cada um se sabendo e agindo como isto. E a relação deles é algo fundado em coisas reais: confiança, afinidades, compreensão mútua e um desejo de ajudar aquela pessoa no que ELA quiser, e não no que VOCÊ quer que ela queira. Disto são feitos os verdadeiros companheiros, prontos, aí sim, a poder ajudar um ao outro a ter que viver em um mundo que é uma grande bosta. E, muito mais importante do que isso, a ter a disposição para procurar e lutar pelo caminho de mudança dele; e a ter a sensibilidade, ajudada pela do outro, a procurar os detalhes, as frestas. Ler, refletir, procurar.

Precisamos encontrar na solidão a nós mesmos; precisamos nos fazer sujeitos diante do que a vida nos impõe; pegar nossa história pelas mãos. E, assim, poder saber de uma maneira profunda e verdadeira que não somos nem nunca seremos o sujeito heróico burguês, o self made man, a mulher da capa de revista, o político célebre das páginas do jornal, o casal feliz da propaganda de Margarina. Somos sujeitos que precisam procurar outros sujeitos para poder construir, coletivamente, pois é esta a única forma possível, uma saída para esta escuridão em que estamos; uma saída verdadeira para que, amanhã, os sujeitos possam se saber muito mais e muito melhor como sujeitos; e possam, assim, saber muito mais profunda e verdadeiramente ser companheiros e amar. Saber os verdadeiros significados que podemos atribuir a estes conceitos, que sem dúvida ainda estão por nascer nas mentes de uma humanidade futura.

E hoje, sozinho aqui e me esforçando por procurar de verdade me descobrir como um sujeito, eu me sinto bem, apesar de às vezes um pouco assustado ainda, de saber que é este o caminho que eu estou lutando para traçar.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Ato pela redução das mensalidades e anistia dos inadimplentes na Fundação Santo André

Os estudantes da Fundação Santo André estão hoje construindo um exemplo de luta nas suas faculdades. A reitoria, além de querer aumentar as mensalidades, hoje está abrindo processos judiciais contra os estudantes que estão inadimplentes, impedindo que aqueles que não conseguem pagar as absurdas mensalidades possam estudar. Contra isso, o Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia (DA da FAFIL), a partir da gestão "Desafiando a miséria do possível", e junto aos estudantes dos outros prédios (FAECO e FAENG), estão impulsionando uma campanha pela redução das mensalidades, pela anistia da dívida dos inadimplentes e retirada dos processos contra estes.

Na semana passada ocorreu uma assembleia seguida de um ato que percorreu os três prédios. Os estudantes do Movimento A Plenos Pulmões, junto com estudantes que compõem a ANEL-SP e o bloco Anel às ruas estiveram presentes para apoiar a luta dos estudantes da FSA. Veja abaixo vídeos da assembleia e da manifestação.







sábado, setembro 04, 2010

Mudanças morais: uma necessidade para os revolucionários

"Somos o que fazemos. E, sobretudo, o que fazemos para mudar o que somos."
- Eduardo Galeano

Àqueles que colocam suas vidas a serviço da mudança radical da sociedade, da luta pela derrocada do capitalismo e de seus pútridos alicerces, passar os dias imerso nas contradições entre a vida que desejamos erradicar e aquela que queremos construir é uma inevitável e triste realidade. Contudo, não é errado dizer que devemos medir a fibra revolucionária de um militante não apenas pela sua dedicação a lutar por uma nova sociedade, mas também pelo que ele faz, desde já, para viver de acordo com a moral que defende. Isso equivale a dizer que não podemos admitir em um revolucionário uma vida dupla: aquilo que ele luta para implementar no futuro da humanidade deve, impreterivelmente, balizar até o limite do possível as suas ações cotidianas em todos os âmbitos da vida. Aí está a caminhada na corda bamba: como nos demonstra a história e nos ensina a sua análise marxista, o modo de vida e a consciência do ser humano não podem estar dissociados de suas condições materiais de vida, do mais sólido e concreto fundamento que cimenta as suas crenças, as suas ações, a sua subjetividade.

Não há caminho fácil neste sentido: os sacrifícios que temos que fazer como revolucionários não nos serão impostos apenas externamente, por tudo aquilo e aqueles que nos combatem em nossos objetivos; há sacrifícios que nós teremos que nos auto-impingir, para que possamos de fato levar nossa vontade de mudar até o fim e que tenhamos a consciência que uma moral comunista não se ergue como passe de mágica com o fim da propriedade privada ou sequer com o fim das classes. Tais condições materiais são, sim, imprescindíveis para que esta moral possa se desenvolver plenamente. Mas as sementes das novas relações morais, da mesma forma que os instrumentos que poderão dar cabo desta sociedade de exploração e miséria, devem ser construídos num esforço consciente e desde sempre pelos revolucionários.

É neste espírito que retomo a valorosa camarada Alexandra Kolontai, autora do trecho citado aqui há poucos dias, e que travou luta ferrenha e encarniçada dentro do mais avançado partido revolucionário até hoje para que as questões do amor e da moral sexual fossem tratadas com a devida importância e como um assunto coletivo, combatendo os preconceitos burgueses que hipocritamente relegam toda a camada fétida de sua ideologia sexual a uma suposta "esfera privada" de relacionamentos. A moral sexual é um dos pontos mais arraigados da ideologia burguesa nas vidas dos que se encontram sob sua égide; os revolucionários não são exceção.

Kolontai parece partir da herança fundamental já consolidada por Engels em "A origem da família, da propriedade privada e do estado", texto que consegue apontar os elementos centrais da relação entre os sexos a partir de uma visão marxista, demonstrando que a origem da opressão da mulher está indissoluvelmente vinculada à origem da propriedade privada. A partir daí, Kolontai coloca uma lupa sobre as relações amorosas e sexuais em diversos estágios de desenvolvimento social, mostrando como as sociedades feudais, patriarcais e burguesas enxergavam o amor e as relações sexuais e de que forma isto estava atrelado às suas ideologias como um todo. A lição fundamental que ela ensina é que uma tarefa histórica essencial do proletariado será jogar por terra toda a moral sexual burguesa e erigir uma nova. E que é tarefa dos revolucionários erguer os fundamentos morais do questionamento às relações amorosas como relações de posse, ao mesmo tempo em que lutam contra os fundamentos materiais da opressão à mulher e que garantem a perpetuação destas relações.

A cada um dos que hoje levantamos a bandeira da revolução social e nos postamos no campo da classe trabalhadora em sua tarefa histórica de derrubar o capitalismo, é necessário levarmos a fundo um questionamento moral de nossas relações amorosas e sexuais. É somente através disso que poderemos abrir espaço, nas fileiras da vanguarda proletária, para um novo ar, para o desenvolvimento de uma subjetividade que possa se desenvolver sem a necessidade parasitária de se impor sobre ou dominar a pessoa que pretenda amar, ou ainda seu revés, subjugar-se e viver da dependência do afeto de outro ser. O amor só pode se tornar um sentimento mais profundo, mais verdadeiro e contribuir para o desenvolvimento psicológico e afetivo dos seres humanos, se ele for uma janela que possibilite o contato verdadeiro, igualitário, solidário e livre entre duas pessoas que possam ser independentes em sua subjetividade, e, assim, realmente companheiras, lado a lado.

Transformemos esta necessidade em reflexão, e esta reflexão em prática. Àqueles que, como eu, consideram esta perspectiva essencial, recomendo resgatar a obra de Alexandra Kolontai, aliada indispensável na luta por uma nova moral sexual, seja contra os inimigos de fora ou contra nossos próprios preconceitos e sentimentos que, neste caso, podem ser nossos piores adversários.

terça-feira, agosto 31, 2010

Lição de vida


"Talvez não haja nenhuma outra relação humana como as relações entre os sexos, na qual se manifeste com tanta intensidade o individualismo grosseiro que caracteriza nossa época. Absurdamente se imagina que basta ao homem, para escapar à solidão moral que o rodeia, o amor, exigir seus direitos sobre outra pessoa. Espera assim, unicamente, obter esta sorte rara: a harmonia da afinidade moral e a compreensão entre dois seres. Nós, os indivíduos dotados de uma alma que se fez grosseira pelo constante culto de nosso eu, cremos que podemos conquistar sem nenhum sacrifício a maior das sortes humanas, o verdadeiro amor, não só para nós, como também para nossos semelhantes. Cremos poder conquistar isso sem dar em troca a nossa própria personalidade. Pretendemos conquistar a totalidade da alma do ser amado mas, em compensação, somos incapazes de respeitar a mais simples fórmula do amor: acercarmo-nos do outro dispostos a dispensar-lhe todo o gênero de considerações. Esta simples fórmula nos será unicamente inculcada pelas novas relações entre os sexos, relações que já começaram a se manifestar e que estão baseadas também, em dois princípios novos: liberdade absoluta, por um lado, e igualdade e verdadeira solidariedade entre companheiros, por outro."
- Alexandra Kolontai, 1918.

domingo, julho 18, 2010

Solidão por entre a gente

Na minha primeira noite de solteiro em quase seis anos eu: não encontrei uma pessoa pra sair comigo, nem sequer pra beber uma cerveja no boteco; recusei o convite do meu cunhado para jogar pôquer com a minha família; vaguei feito um idiota as ruas de pinheiros por quase uma hora; liguei para quem não queria falar comigo, e não fui atendido; hesitei, pensei, andei mais; voltei para casa triste, joguei pôquer, bebi cachaça mineira de graça, faturei R$8,50; me senti solitário como há muitos anos não o fazia; fiquei pensando por onde andam as pessoas que eu costumava chamar de amigos.

Escrevi uma porcaria sobre meu dia no meu ex-falecido blog, pensando que talvez ele possa voltar a ser uma companhia fundamental frente à minha nova situação.

Fui dormir, lá pelas quatro da manhã, pensando sobre como será meu futuro próximo.

sexta-feira, abril 16, 2010

Professores na corda bamba: entre a PM de Serra e os pelegos de Lula





Semana passada foi encerrada a greve de mais de um mês dos professores da rede pública do estado de São Paulo. Durante este período os professores saíram as ruas para expressar seu descontentamento acumulado por mais de uma década de políticas de precarização do seu trabalho e de destruição do ensino público básico no Estado. Seguindo à risca os modelos educacionais elaborados pelos órgãos financeiros do imperialismo (BID, FMI), o PSDB à frente do governo desde que eu era criança (ainda com o falecido já-foi-tarde Mario Covas) deu conta de transformar o trabalho dos professores em um verdadeiro inferno. Vale lembrar que o modelo neoliberal de educação que vem dominando o Brasil não é exclusividade do PSDB em São Paulo, e quem vem dando os exemplos mais contundentes nos últimos anos é o governo Lula no ensino superior, através de políticas como UAB, ProUni, Reuni, entre outras.


Aqui em São Paulo, contudo, o PSDB foi um pioneiro e hoje chegamos a um patamar sem precedentes. Impossível enumerar todos os ataques realizados em 16 anos em apenas um pequenino texto. Mas podemos ver a concretude deles entrando em qualquer escola pública, até mesmo as escolas "modelo" do estado. As salas chegam a ter mais de 50 alunos. O salário por uma jornada de 40 horas semanais (que considera apenas o tempo de reuniões e aulas, mas não o tempo de preparação de aulas, atividades e correções) é de pouco mais de mil reais. O vale alimentação dos professores é de R$4,00 por dia. O material imposto pelo governo é indescritível: em mapas da apostila de Geografia, havia países repetidos e países faltando na América Latina; na apostila de português, os exercícios do ensino médio pedem que os alunos completem conversas de MSN. E por aí vai.

As medidas mais recentes do governo incluem uma nova série de divisões e precarizações da categoria. Como disse um amigo meu, dividir a categoria não é novidade (hoje 48% da categoria é composta por professores "temporários", ou seja, não concursados e que não tem uma série de direitos elementares) o que o governo fez agora foi dividir os professores em "castas". Os temporários agora são divididos por Letras que determinam o nível de precarização a que estão submetidos. Na casta mais prejudicada, a "categoria O", os professores, depois de cumprir um contrato em que substituem algum efetivo, são obrigados a passar 200 dias letivos sem entrar em sala de aula. É isto mesmo: o professor fica um ano sem poder trabalhar! Vai viver de brisa! Além disso, agora os professores não efetivos ainda tem que fazer uma prova todo ano para poder continuar assumindo turmas. Os professores que passarem por concurso a partir de agora serão submetidos a um curso de 4 meses, de caráter eliminatório, recebendo R$600,00 por mês, antes de poderem se efetivar na rede!

E agora, prestem atenção nisto: estas novas medidas não são de 2010. Foram implementadas pelo governo no começo do ano passado. Diante disso, o sindicato dos professores da rede estadual de São Paulo, a APEOESP, chamou uma greve no ano passado. Depois de um dia, acabaram com a greve! UM DIA DE GREVE! A APEOESP é o sindicato com maior número de filiados na América Latina, conta com recursos indizíveis. Seu carro de som parece uma nave espacial do Star Wars. Sua direção majoritária é da CUT e do PT. A maior corrente de oposição, que também compõe a direção proporcional, é o PSTU.

Ora, vejamos: depois da greve de um dia no ano passado, neste ano a APEOESP convocou uma greve e, no primeiro ato na Av. Paulista, colocou mais de 20.000 professores de todos os cantos do estado na rua. Porque será que no ano passado, depois de todos estes novos ataques, a categoria estava "desmobilizada" e neste ano subitamente resolveram comparecer massivamente desde o primeiro dia? Isso fica mais fácil de compreender quando sabemos algumas coisinhas: que o governador de São Paulo, José Serra, este ano concorre à presidência da república, sendo a principal oposição à continuidade do PT no poder; este mesmo governador se recusou terminantemente a reconhecer a tremenda greve dos professores, que chegou a colocar mais de 50.000 professores na rua, dizendo que se tratava de uma "greve política", que não atingia nem 1% dos professores (número que equivaleria a cerca de 2.000 pessoas), e se recusando a negociar antes que a greve fosse encerrada; que, uma semana após Serra se licenciar do cargo para concorrer à presidência, a Bebel, presidente do sindicato, defendeu o fim da greve sem nem ao menos ter sentado em uma mesa de negociação. E aí, deu pra entender?

Bebel, depois de encerrar a greve em um ato com alguns milhares de professores, sem dúvida o mais esvaziado desde o começo da paralisação, teve que sair escoltada pelos bate-paus da CUT pra não ser moída de pancada pelos furiosos professores, que tiveram mais de um mês de salário cortado e não conseguiram absolutamente nada. A Oposição Alternativa, por sua vez, dirigida pelo PSTU, concordou com a linha dos petistas e defendeu o fim da greve dizendo que não havia mais uma adesão forte e, portanto, era impossível continuar a greve. Os atos estavam menores do que no começo da greve? Sim, eles estavam. O que explica isto então? Vejamos um comentário que uma professore deixou no blog "palavra da presidenta", escrito pela pelega-mor, Bebel:

Sinceramente, é lamentável que depois de tudo que passamos, principalmente a violência do dia 26 no Palácio dos Bandeirantes, muitos colegas pelegos não terem aderido a greve naquele semana seguinte,nem por solidariedade a nós. Na minha opinião, greve com 50% dos professores trabalhando e 50% se sacrificando não dá certo. Já perdi um mês de salário e cheguei a conclusão que a nossa categoria é muito desunida. Portanto, não farei greve novamente. Além disso, esse governo já demonstrou o não comprometimento com a educação! Esperar alguma atitude positiva com relação as nossas reivindicações , vinda desse governo truculento, somente com greve de 100%. PSDB odeia funcionário público. O negócio deles é sucatear e privatizar.

Ora, será que todos os professores não estão PUTOS DA VIDA com as condições de trabalho deles? Claro que sim! Mas Serra, desde o começo, avisou que o ponto seria cortado. Muitos professores já estão na rede há anos, e sabem muito bem que o sindicato não está disposto a levar a luta deles até o final. Perder a greve significa perder o salário, que eles precisam para sustentar suas famílias. Ao contrário de Bebel, que vive como uma parasita nojenta da estrutura sindical varguista, alimentada pelo imposto sindical compulsório de todos os professores do estado, o que rende uma verba de centenas de milhares de reais para a APEOESP todo mês. Quando ela colocou fim na greve, nenhum dos seus dias de trabalho para a candidatura da Dilma foram descontados. Esta burocrata infeliz, que, conforme ela mesma confirmou em entrevista para a coluna da socialite Mônica Bergamo, há 15 não pisa numa sala de aula, não se enfrente com nenhum dos ataques de Serra: seja as novas leis de precarização, o material didático abominável, as salas superlotadas ou o corte no ponto durante a greve. Por isso ela pode tranquilamente sentar em uma mesa de negociação com o secretário da educação depois de ter contribuído ativamente para que os professores continuem enfiados na merda, e dizer que eles estão negociando para que o desconto dos dias parados seja descontado de forma parcelada (!!!) Se você não acredita em tamanho absurdo, leia aqui nas palavras dos próprios pelegos: http://bit.ly/aVxEGz

Além do fato de que muitos professores não entram em greve porque não podem prescindir de seu salário e já tem uma longa experiência em serem jogados na fogueira pela pelegada do PT, devemos lembrar outros fatos concretos de suma importância: para que os professores do interior compareçam aos atos, eles dependem de ônibus e infraestrutura que está controlada por esta mesma pelegada, que dispõe dos recursos materiais do sindicato ao seu bel prazer. Nas cidades onde a subsede é dirigida pela oposição, por exemplo, nem pensar em ônibus! As assembleias dos professores parecem comícios ou show de trio elétrico. Enquanto a Bebel fica lá em cima falando a merda que bem entende, os professores embaixo não podem sequer apresentar suas propostas para organizar a luta! Na entrada do carro de som, alguns bate-paus da CUT vigiam o acesso ao microfone, certamente para nossa própria segurança! Não há exemplo melhor disso do que o dia em que estávamos apanhando da PM próximo ao palácio dos bandeirantes, e enquanto isso a Bebel começa a soltar suas pérolas no microfone. Depois de pedir mil vezes para que todos os professores recuassem, ela resolve usar todo seu talento argumentativo e diz: "Pessoal, recuar também é uma forma de luta", para logo em seguida começar a cantar o hino nacional, que foi recebido por uma saraivada de vaias pelos professores que enfrentavam a polícia. Para fechar com chave de ouro, quando cantamos para os burocratas: "desde do caminhão, a luta é aqui no chão!", recebemos como resposta uma garrafa d'água jogada em nossas cabeças de cima do caminhão. Eles só estavam tentando ajudar a PM de Serra a bater na gente! Os professores em cada escola são tratados como meros espectadores da greve, e não como sujeitos que a constroem ativamente! Além disso, entre as reivindicações colocadas pela direção como pauta da greve, não aparecem reivindicações elementares como a efetivação de todos os professores temporários, para que todos tenham os mesmos direitos e salários pelo mesmo trabalho!

Enfim, fica uma lição bastante evidente: enquanto não derrubarmos a burocracia pelega que controla este sindicato e faz de tudo para colocar um freio nas mobilizações dos professores, não conseguiremos avançar para travar uma luta até o fim com o governo, unificando com todos os setores do funcionalismo. Por isso convido todos os professores a discutirmos como podemos levar a frente a organização dos professores a partir da base, em cada escola e por cada demanda. Amanhã, 17/4, A LER-QI em conjunto com estudantes da Fundação Sto. André e professores, organizaremos uma atividade em conjunto na Casa Socialista do ABC, para fazer um balanço desta greve e também discutirmos um episódio exemplar quando, em 2006, uma greve de professores em Oaxaca, no México, conseguiu despertar para a luta todos os setores explorados e oprimidos, chegando a tomar estações de rádio e televisão e instaurando um governo popular na cidade.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

30 anos de atraso para a classe trabalhadora


Ontem o PT fez 30 anos.
No fim de semana passado eu assisti, na casa de uma amiga, o programa eleitoral do PT em 1989. Confesso que fiquei um pouco surpreso. Quer dizer, que a degeneração eleitoralista era um mal de nascença e a transição do PT em mantenedor da ordem burguesa está consolidada há anos todo mundo sabe. Mas ver um pouco daquela retórica Lulista das raízes me surpreendeu um pouco. Não há mais propaganda eleitoral que se assemelhe àquela no Brasil, nem DE LONGE. O programa cuspia na cara do empresariado, da oligarquia política e latifundiária, escancarava podres. O sujeito falava em como era candidato porque a classe trabalhadora decidiu atuar politicamente. Compare-se ao programinha ridículo de "ética na política" do P-SOL, que nem se preocupa em esconder o quão pequeno-burguês é: http://bit.ly/cT0AJA
O lance era outro. Víamos os peões saindo da fábrica e doando, com gosto, uma parte do seu salário para a campanha. Víamos os comícios, verdadeiramente de massas, com Lula vociferando em uma retórica classista. Eu estava lá, quando tinha cinco anos, e fiz boca de urna. Havia atores e artistas se angajando ativamente na campanha. Quem caralhos consegue imaginar uma coisa assim hoje?
Dá pra ver, mesmo naquele programa, que o PT era realmente o produto de um ascenso operário. E dá pra ver, na prática, como sem um programa recolucionário um partido não tem nenhuma esperança de se degenerar. Havia um quadro no programa do PT que relacionava os políticos escrotos uns aos outros, do tipo "este anda com este que anda com este...", ligando Collor, Maluf, Sarney e diversos nomes da ditadura. Hoje, Lula caberia neste mesmo quadro como uma luva.
A direção política do PT representa não apenas um desvio de um poderoso ascenso operário nos anos 70, como constituiu no Brasil o maior aparato anti-revolucionário de sua história, tendo hoje 80% da população refém de sua política assistencialista, os movimentos de massa e as centrais sindicais na mão. Mesmo a esquerda revolucionária, como o próprio PSTU, passou anos e ainda hoje segue esta linha, de ficar refém desta política. É o maior obstáculo que os revolucionários tem hoje no Brasil pela frente, superar o petismo para conseguir forjar uma nova tradição no movimento operário e de massas no país.
A dimensão do que é a traição do PT é melhor expressa pelas palavras de Paulo Skaf, presidente da FIESP, quando completam-se os 30 anos de PT: " 'Tenho certeza de que o medo do PT não existe mais', afirma o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, que apoiou Lula em 2002. De acordo com ele, o relacionamento do empresariado com Lula e também com o PT é 'excelente', 'de carinho'."
Para entender um pouquinho melhor esta história, eu recomendo entusiasticamente a leitura desta publicação da Iskra: http://bit.ly/a8XoB1

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Chafurdando a merda (trote na USP)



Eis que a matrícula da FFLCH este ano reservava uma surpresa. Fomos com panfletos sobre a situação na USP, o acesso à universidade, e outras questões que achamos importantes para falar aos calouros. Veja o panfleto aqui:


Mas neste ano o trote ressurgiu das cinzas na FFLCH. Meninas sendo obrigadas a dançar funk em cima de cadeiras, pessoas sendo pintadas e jogadas numa piscina de bolinhas de isopor contra sua vontade, humilhações de diversos tipos. Os veteranos escreviam "UNIP", "Uniban" e coisas assim nas camisetas. O pior, é que os CAs da Sociais e Letras participavam ativamente e organizavam isto.
As pessoas dizem que isso é normal, é uma brincadeira. Que os calouros participam porque querem. Até na Folha de S. Paulo de ontem se dizia o óbvio: um calouro entrevistado falava que era humilhante mesmo, mas que ele suportava pois sabia que no outro ano seria ele a humilhar os outros.
O trote revela pra mim a nu o que em geral a universidade tenta esconder sob seu verniz de hipocrisia. O machismo, elitismo, a meritocracia e o reacionarismo da USP e de seus estudantes. Ainda que estivéssemos relativamente sozinhos em nossa empreitada, os militantes do Movimento A Plenos Pulmões e do Pão e Rosas escreveram este panfleto:

fizemos um cartaz junto a independentes que dizia: "Pixar 'Unip' é comemorar a exclusão e celebrar a meritocracia".
Foi bastante curioso ver militantes do MES/P-SOL sentados na sua mesinha do suposto movimento social de cursinhos populares "Emancipa" enquanto outros da mesma corrente escreviam "Unip" na camiseta dos calouros, cortavam seus cabelos, obrigavam-nos a seguir em fila para o pedágio chamando-os de "bixos".
A prática é o critério da verdade...
Na medicina aumentei muito o desprezo que já tinha em relação à escrota prática do trote. Este ano, confesso que fiquei muito satisfeito em ter, pela primeira vez, camaradas ao meu lado que compartilhavam da minha opinião e consideravam importante fazer alguma coisa para lutar ativamente contra isto. Ano que vem, certamente nossa luta continuará. Enquanto isto, também fico feliz em saber que em outros lugares, como no IFCH da Unicamp e na Unesp, outros camaradas estão em um posição melhor para lutar por isso, conseguindo abolir os trotes e fazer um ato-pedágio para mandar dinheiro às organizações populares e operárias do povo haitiano.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Uma bela cerimônia!

Segunda-feira, feriadão.
Lá vamos nós pra porta da Sala São Paulo. Lá dentro uma pomposa cerimônia: Kassab e outros distintos membros da honrada elite paulistana condecoram o novo autocrata da USP, João Grandino Rodas. Teve até um culto ecumênico! Juro! O cara foi literalmente abençoado por líderes religiosos para sua louvável tarefa de dirigir o centro nervoso da intelectualidade paulistana, a universidade mais elitista, racista, conservadora do Brasil.
E do lado de fora, mais de cem manifestantes tomavam chuva, com faixas, cartazes, palavras de ordem. Contra Rodas e contra Kassab e suas enchentes e aumentos de passagem. Numa das faixas do Movimento A Plenos Pulmões dizíamos: Rodas, ontem com a ditadura militar, hoje com a ditadura universitária.
Exagero?
Vejamos: Rodas participou de julgamentos responsáveis por aferir a responsabilidade do Estado brasileiro em casos de morte e tortura no período da ditadura. Trabalhou arduamente para jogar para baixo do tapete alguns dos mais brutais crimes políticos ocorridos na história recente do país. Votou, para ficar em um exemplo só, pela isenção de responsabilidade do Estado no julgamento do assassinato da estilista Zuzu Angel, cujo assassinato pelos milicos já foi retratado até em filme-novelão.
Quando presidente do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), foi responsãvel por permitir a criação da AmBev, criando um monstruoso monopólio no Brasil.
Listar todos seus podres é uma tarefa de titãs, que eu não tenho condições de cumprir agora. Mas acho que ainda vale contar um pouco do que já fez na USP, como diretor da Faculdade de Direito, mais conhecida como SanFran. Foi ele o responsável, em 2007, por meter a tropa de choque dentro da faculdade, para prender e reprimir um protesto de diversos movimentos sociais que consistia em uma "ocupação simbólica" de 24 horas do Largo São Francisco. Tinha criança, velhinho, estudante, sem terra. Meteu a PM lá dentro e disse à imprensa que era para garantir a "segurança do patrimônio" da universidade. Em 2008, propôs e obteve aprovação, no Conselho Universitário (o CU, denominado pela USP de CO, sua instância máxima de deliberação) uma resolução que recomendava o uso de força policial para reprimir manifestações dos trabalhadores e estudantes quando "necessário".
Assumiu a reitoria sem obter aprovação nem mesmo no CO, tendo sido indicado pelo abutre-mor Serra para ocupar o posto. Vem com um discurso pra lá de demagógico e hipócrita de diálogo, de acabar com a intransigência. Não resiste à menor prova dos fatos.
Foi já nesta segunda-feira que tomamos porrada na cabeça, sem que nem pra quê. A gente já vê quando Rodas acha necessário reprimir manifestações com uso da polícia: sempre. Se cem pessoas cantando na chuva e protestando já motivo pra meter bronca, imagina o que vai ser este ano na USP. Foram diversos feridos, um deles saiu com a cabeça banhada em sangue direto pro hospital. Três presos. Bombas, cacetetes, escudos, capacetes. Contra manifestantes desarmados.

Boa sorte para nós. Vai ser preciso pra enfrentar o novo magnífico Reitor e sua vasta tradição de "diálogo" na base do cacete.

sexta-feira, janeiro 22, 2010

Afogando o povo


Mais nove vítimas na região metropolitana de São Paulo:
No grajaú, um casal e sua filha de dez anos soterrados; na pompéia, um velho de 75 anos no desabamento de sua casa; em Mauá e Santo André, mais dois deslizamentos; em Ribeirão Pires, duas crianças e sua mãe soterrados.
Ontem a polícia reprimiu duas manifestações, no Jd. Lucélia e em Rio Bonito, da população revoltada com a situação em que se encontram. No Jd. Lucélia, no ano passado, uma parcela da população foi expulsa pela prefeitura para as obras de canalização de um córrego. Jogadas para fora de suas casas com uma "indenização" de cinco mil. Eu adoraria ver o filho da puta do Kassab se virar pra arranjar um lugar pra morar com cinco mil.
Quem ficou ali viu as consequências da obra que a prefeitura iniciou: nas recentes chuvas, casas que nunca sofreram problemas foram completamente inundadas. Chamados, os bombeiros nunca vieram. A ajuda que a prefeitura prometeu depois de um protesto nunca chegou.
Em Dezembro assistimos a população pobre da Zona Leste, em especial do Jardim Pantanal, sofrer as consequências de uma inundação sem precedentes. As "autoridades competentes" nos empurram a mesma cantilena de sempre: estão fazendo "de tudo" para impedir novas enchentes e "ajudar" a população atingida. Afinal, quem pode controlar as chuvas? Sem dúvida não é o prefeito, então culpem São Pedro, culpem o acaso, culpem qualquer um, menos quem controla a cidade: é uma fatalidade incontrolável.
Então, vejamos: fora o evidente fato de que só sofrem os deslizamentos e desabamentos aqueles que são obrigados a morar em condições precárias e em áreas de risco por conta da situação econômica a que, não por acaso, estão submetidos, vejamos o que os isentos governantes fizeram. No dia 8 de Dezembro todas as comportas da barragem da Penha foram fechadas, contribuindo decisivamente para o alagamento na Zona Leste. Por que elas foram fechadas? Para impedir o alagamento das marginais. Ora, o que são alguns pobres a mais morrendo lá no Jardim Pantanal?
Uma fatalidade, sem dúvida, incontrolável...

Saca só um gostinho da PM batendo na galera:
http://bit.ly/8QRUJY

Blog da campanha de solidariedade ao povo do Haiti

http://solidariedadeaohaiti.blogspot.com/?zx=bbe4a64881993a6d

http://www.youtube.com/watch?v=dS1Scrf8lHs

terça-feira, janeiro 19, 2010

Haiti: a heróica luta de um povo oprimido



Há muito blá, blá, blá por aí sobre o Haiti. É só ligar qualquer canal de TV, sintonizar qualquer estação de rádio para ver a farsa montada: o melodrama sensacionalista que a mídia burguesa faz sobre a tragédia de um povo. Concomitantemente, se abafa de maneira escandalosa as causas deste sofrimento pelo qual os haitianos passam hoje, montando um cenário imaginário em que se trata apenas de uma "catástrofe natural". Mas a coisa é tão gritante que mesmo nas arestas dos grandes monopólios da comunicação vemos algumas vozes que resgatam a exploração secular que se abate sobre os haitianos, como é o caso do texto de um professor e um estudante da Unicamp (militante do PSTU) que saiu na Folha.
Durante a greve da USP no ano passado tive a oportunidade de participar de uma atividade organizada pela Conlutas e pelo Comando de Greve dos trabalhadores e ouvir o relato de Didier Dominique, um militante de esquerda da Central Sindical e Popular Batay Ouvrier. Mesmo tendo sempre me posicionado ativamente contra a brutal ocupação das tropas da ONU no Haiti, foi só neste momento que tive a real dimensão do que se passa lá.

Didier falou sobre as revoltas que ocorreram no início de 2009 pelo aumento do salário mínimo (que tem o valor de US$1,70 por dia!). Falou sobre o tipo de perseguição política que sofrem os militantes de esquerda, sobre as repressões ao movimento que chegaram ao ponto das "tropas de paz" invadirem um hospital jogando bombas de gás lacrimogêneo em seu interior, assassinando um idoso e uma criança recém-nascida. Falou sobre a situação de miséria do Haiti, onde há 70% de desemprego e 90% de analfabetismo.
Hoje também vemos nas notícias sobre o terremoto as opiniões sobre a dificuldade de ajuda aos haitianos por conta da falta de estrutura do país. Pouco, contudo, se fala sobre o que gerou isso. Muito se fala sobre ditaduras sanguinárias que existiram lá; pouco se fala sobre que as financiou, quem as apoiou ativamente, quem ocupou o país militarmente diversas vezes. Muito se fala sobre supostas "tropas de paz"; pouco se
fala sobre o papel que cumprem cotidianamente, reprimindo a população, estuprando as mulheres, aterrorizando aqueles que se revoltam contra a miséria imposta.
Resgatar a história deste povo é fundamental, desde a luta por sua independência, que em 1804 conseguiu derrotar 25 mil homens das tropas de Napoleão e fundar o primeiro país independente da América Latina, a primeira república negra do mundo. A nossa solidariedade deve ser ao povo haitiano, que lutou e luta a cada dia contra aqueles mesmos que hoje aparecem de cara lavada nas televiões, internet e jornais, estendendo sua hipócrita mão para "ajudar".
Hoje o imperialismo disputa a tapa para decidir quem vai comandar o futuro do Haiti. O aeroporto está controlado pelas "humanitárias" forças militares estadunidenses que impedem o acesso de ajuda médica para priorizar o repatriamento de cidadãos de seu país. Mandam cada vez mais tropas, mas podemos ver nas poucas entrevistas com a população que não há ajuda alguma ao povo, que é obrigado a saquear as lojas destruídas (sendo violentamente reprimidos pelas "tropas de paz" por tentarem sobreviver) e tirar seus amigos e parentes dos escombros com as próprias mãos. A grande ajuda que chega, como apontou Adriana Diniz no JB, foi 4 mil vezes menor do que o dinheiro usado para salvar os capitalistas durante a crise.

Para quem quiser acompanhar mais notícias sobre o Haiti, estou postando algumas coisas interessantes no meu twitter (fepardal). Na quinta-feira realizaremos um ato no consulado haitiano, com horário ainda a determinar. Em breve divulgo com mais detalhes.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Livros de 2009

1- Os irmãos Karamázov (Dostoiévski)
2- Maria. Uma peça e cinco histórias (Isaac Bábel)
3- A tragédia de um povo. Revolução Russa 1891-1924 (Orlando Figes)
4- Infância (Górki)
5- Ganhando meu pão (Górki)
6- Minhas universidades (Górki)
7- No fundo (Górki)
8- O Estado e a Revolução (Lênin)
9- O programa de transição / documentos da quarta internacional (Trotsky)
10- Da Cabula (Allan da Rosa)
11- Morada (Guma e Allan da Rosa)
12- O Romantismo no Brasil (Antonio Candido)
13- Lutadoras (Andrea D'Atri e Diana Assunção orgs.)
14- Pedagogia do oprimido (Paulo Freire)
15- Letramento literário (Rildo Cosson)
16- O Cortiço (Aluisio Azevedo)
17- Um segredo no céu da boca (vários autores da Cooperifa)
18- Iracema (José de Alencar)
19- Germinal (Émile Zola)
20- Palestina: uma nação ocupada (Joe Sacco)
21- Palestina: na faixa de gaza (Joe Sacco)
22- Pyongyang (Guy Delisle)
23- Memórias do cárcere (Graciliano Ramos)
24- A terra dos meninos pelados (Graciliano Ramos)
25- A mulher de trinta anos (Honoré de Balzac)
26- Diário do exílio (Trotsky)
27- A revolução traída (Trotsky)
28- Marxism and Literary criticism (Terry Eagleton)
29- México rebelde: A comuna de Oaxaca (Gilson Dantas)
30- Escritos latinoamericanos (Trotsky)
31- A mão e a luva (Machado de Assis)
32 - Crônicas escolhidas (Machado de Assis)
33 - Valéria (Milo Manara)
34 - O clic (Milo Manara)
35 - O Grito do Povo (Vautrin/ Tardi)
36 - Filhos da pátria (João Melo)
37 - Persépolis (Marjane Satrapi)
38 - A história da revolução russa vol. 1 (Trotsky)