quarta-feira, outubro 21, 2020

Sem garantias

 Nada garante

quem você é

o que você é

o que você pode

até onde você vai.


Nada garante

que amanhã você é o mesmo

porque você não é

e nem quem você gostaria

que te garantisse isto.


Nada garante

que você é bom

que você é capaz

que você consegue

que não vai falhar.


Nada garante

que você é um

que você é todo

que é inteiro

porque você não é.


Como uma onda indiferente

se espalhando sobre um castelo de areia

que retorna ao mar sem deixar rastros

de si ou das ruínas que fez

assim serão suas certezas 

desmanchadas em um sopro

apenas caminhe, um passo por vez

porque nada te garante

não há garantias.

terça-feira, outubro 20, 2020

 Um dia se acorda sem mais se aceitar

que é necessário um fiador do nosso eu


segunda-feira, outubro 19, 2020

Palafita

 

Se a cura é pela palavra

o silêncio adoenta


Mas já adoecido cheguei aqui

e de que adiantam minhas palavras

se não sei nada dizer

das dores


as dores são palafitas

sobre a qual ergui esse casebre

as paredes úmidas

de uma madeira podre


quem não viu, entrou

sentou, se acomodou

fez do silêncio canção

entoou seus poemas

ecoaram no ar


mas nada se sustenta nessa fantasia

palafita de vigas ocas

com o desejo que a circunda

por fora, por dentro

sem jamais ter substância


Tua casa não tinha chão

nem teto

nem casa

nem nada

Destila. destino

 

Fermenta no peito essa dor

que cavei nos dias

curando, como um queijo,

cada farpa de rancor, numa suada gota

caindo no fundo do pote


um pingo de fel, um rastro de lágrima

escorre na pele, na sombra dos dias

não se vê, nem se ouve

a dor surda,

recalque

mágoa

sem


na foto, no som

retorço a escuta

passado fugidio

só meu


na fantasia de fazer um

nutri as escolhas

todas erradas

mal feitas

mudas


não te dirijo a palavra mais

nem escrita, nem gemida

são minhas agora

e as escondo

no fundo

cegas


não são

não se diz

não se representam

em nenhum sonho requentado

nessa pura ilusão crescente que já se vai