domingo, fevereiro 17, 2008

Ontem eu redescobri uma coisa que já achava que tinha perdido para sempre. E lágrimas me encheram os olhos.
Nunca imaginei que Dostoiévski poderia me ajudar desta forma novamente.
Ainda há, quem sabe, esperança contra a banalidade da vida. Pelo menos alguma...

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Dizem, e as palavras passeiam rápido através da superfície das línguas ferinas que se alimentam do chorume das tristezas alheias, que as crônicas de uma triste peregrinação nunca estão completas até que a primeira gota de sangue toque o solo. Antes disto, tudo é um prelúdio, uma elaborada dança de corpos e mentes que, como um antigo ritual sagrado demais para que sobre ele se fale, encena-se num sombrio jogo de adivinhações. As facas quentes das palavras e gestos colocam suas lâminas em brasa na fogueira dos desejos. Os olhares, os toques, as lembranças. É tudo alimento, tudo é água no deserto da solidão.
Sentado num sofá, o corpo poeirento de milênios de espera, a alma amortecida de tanto pensar, o espírito calejado de tanto doer. A ânsia secreta por um projeto de vida, por um sonho de abrir, com a envergadura de quem não tem mais coragem de temer a vida inteira, as longas asas em direção ao mistério.
E se jogar. Sim!
Num último ato de desespero e esperança; em direção ao sol, em direção ao solo, em direção ao sonho. E sentir as batidas tribais de um coração estúpido e o vento lambendo as lágrimas, descolando-as dos olhos, lavando o pó dos anos, enquanto se aguarda o resultado daquelas asas estendidas. Em um golpe de sorte tudo se decide: ou se voa rumo ao longe, ou se fica rumo ao chão.
O impacto teria a dor surda de um fim sem homenagens, sem elegias. Nem ao menos uma voz rouca para cantar as vergonhas de uma alma que se despede sem vitórias.
O vôo teria o medo do novo. E os caminhos infinitos que se abrem numa jornada, cada passo é uma porta aberta no fio da navalha.
Viver é feito de desafiar a si mesmo.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Foi aí. Abrupto, aquele ódio irracional estancou numa engolida em seco, com gosto de cigarros e uma bebedeira de cerveja, que já começava a se transformar em ressaca na boca azeda e na mente empapuçada. Olhos estáticos, corpo imóvel. A mente se calou por dentro, ficou sentindo os reflexos lentos do corpo. O peito chiava arfante numa respiração difícil. O coração tamborilava sacudindo todas as veias, sentia-o retumbando no ouvido e latejando nas mãos. Foi invadido pela consciência da manhã que despertava, com seu frio manso e um galo que esganiçava em uma qualquer vizinhança. Sentiu então, como se fossem de outro, as gotas de sangue que lhe escorriam pelo braço. E a pontada de dor na mão cortada veio como um pungente aviso de que estava vivo, e que parecia que não podia fazer nada contra isto. Não podia fazer mais nada contra o dia que vinha em ondas fortes, destruindo o que encontrava por sua frente. E seu cérebro, alagado por aquele regurgitar salgado e incessante, agitou-se furioso mais uma vez, tentando entender alguma coisa. Desesperadamente qualquer coisa.
No chão, as gotas vermelhas pingavam formando pequeninos círculos no piso branco. Aqui e ali jaziam os cacos mortos do copo de requeijão, únicas testemunhas e cadáveres esmiuçados do cúmplice que transportara em longos goles a cerveja para dentro da boca, do esôfago, do estômago ulcerado, da mente confusa, cansada, sedenta.
Não adiantara.
Sentou-se maquinalmente, olhos vidrados, na cadeira ali ao lado. As primeiras lágrimas desta nova leva saíram ardidas dos olhos, acompanhando o flexionar pesado das pernas. A mão caiu sobre os joelhos espalhando manchas rubras pelo tecido cor de creme. Começaram aos poucos a vir as imagens da briga em soluços arrependidos de memória. Gritou, lembrava, mas não sabia dizer o quê. Provavelmente balbucios desconexos que naquele momento pareciam botar pra fora todo o medo que guardava a cada segundo e minutos dos dias pretensamente felizes. Seu ódio era uma colcha de retalhos daquelas pequenas provocações que se acumulavam, misturado com os sorrisinhos que lhe foram vendidos a tão alto preço. Sentiu a vida como um grilhão e desmaiou no sofá. Precisava de sonhos.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Outro dia voltava para casa a pé às seis da manhã e tinha comigo mesmo uma das mais furiosas discussões que já tive.
Um lado me acusava de ingênuo, volúvel, falso, leviano, inconsequente, anarquista imbecil pequeno burguês.
O outro me acusava de conservador de direita retrógrado, conformista, apático, desiludido, machista.
Uma hora, quando passando em frente à Igreja dos Mormons, vi uma cara assustada de um hdei por mim mesmoomem que cruzava comigo. Eu era um sujeito com cara de maluco, roupas amassadas, olheira de maquiagem, cara de bêbado, rindo e chorando ao mesmo tempo e falando alto comigo mesmo o seguinte: "Vocâ tá louco? Você tá louco?"