sábado, julho 26, 2014

Palestina - uma luta pelo direito à vida


Você sabe o que é Nakba? É uma palavra árabe, significa "catástrofe". Essa é a palavra que os palestinos usam para designar a criação do Estado de Israel, em 1948. Esse evento levou à expulsão de centenas de milhares de palestinos de suas casas, logo após um "exemplar" massacre em uma pequena aldeia palestina, Dir Yassin, em que mais de 250 pessoas, incluindo crianças, mulheres, idosos, são impiedosamente assassinados.

Os palestinos, após a resolução da ONU que aprova a criação de Israel, tentam resistir, tomam as ruas, decretam greve geral. O imperialismo inglês, que nesse momento controla o território, ajuda as forças sionistas a esmagar os protestos. Ben Gurion, líder do movimento sionista, arma os sionistas até os dentes para que estes imponham, à força, a expansão do território determinado pela ONU.

O lema do sionismo, "uma terra sem povo para um povo sem terra" foi a mentira através do qual se perpetuou um massacre por mais de seis décadas, fundado em um Estado militarizado até os dentes, no qual o serviço militar obrigatório de 3 anos para os homens e 2 para as mulheres é um pilar social. A chamada "defesa" do Estado de Israel é constituída sobre essa farsa, que hoje mantém milhares de palestinos reféns em Gaza e na Cisjordânia, e quase um milhão de refugiados espalhados pelo mundo, sem direito a retornar ao seu lado. Quando Israel foi aceita pela ONU, em 19, ela se comprometeu a garantir o retorno dos refugiados. Obviamente, uma farsa, que foi aceita e encoberta por essa organização "humanitária" do imperialismo. A ONU permaneceu e permanece decretando suas resoluções vazias, enquanto o massacre contra os palestinos continua. Para quem quiser saber melhor essa história, recomendo assistir esse filme.

No ato em São Paulo, menina leva cartaz: "Chega de matar as crianças de Gaza como eu".


É culpa dos dois lados? Um conflito entre dois povos em guerra? Não se trata de nada disso. Estudar a história da palestina deixa muito claro que se trata do exílio forçado de um povo e de seu massacre, feito com a conivência e o apoio da Inglaterra e, após 1945, dos EUA, mas com a cumplicidade dos demais países e governos capitalistas.

Hoje esse massacre chega a extremos. Não militares, pois é impraticável contabilizar todos os crimes cometidos por Israel contra os palestinos durante essas seis décadas. Mas chega a novos patamares ideológicos, com já muitas gerações tendo crescido sob a tutela da ideologia sionista e a educação militar e fascista que esse Estado dá aos seus cidadãos.

Eu vi essa educação expressa em uma amiga - talvez ex-amiga seja o termo mais correto - israelense, que se chocou ao ver minhas postagens no Facebook em defesa do povo palestino e contra Israel. É o Hammas que mata o povo palestino, me disse ela. O Hammas? Como? É o Hammas que joga mísseis sobre as casas de civis, que mantém os palestinos como reféns sem cidadania espremidos em uma pequena faixa de terra e isolados por um muro cheio de militares armados até os dentes? É o Hammas que expulsou centenas de milhares? É o Hammas que diz, como a extrema-direita israelense faz, que não existem civis palestinos, apenas terroristas e terroristas em potencial?

São "terroristas"? São "violentos"? Israel tem que "se defender"? Há um poema de Brecht chamado "Sobre a violência". Ele é assim:

A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito do rio que a contem
Ninguem chama de violento.

A tempestade que faz dobrar as betulas
E tida como violenta
E a tempetasde que faz dobrar
Os dorsos dos operarios na rua?



Você já viveu como um prisioneiro? Já teve seus familiares assassinados? Já foi um cidadão sem direitos? Já teve que apresentar seus documentos todos os dias para passar por uma vigilância militar e chegar ao seu trabalho? Teve seus antepassados expulsos de suas casas? Foi tratado como lixo, sido chamado de terrorista por tudo isso que lhe ocorreu? Não, né?

E se vivesse assim, você, toda sua família, todos os seus amigos, há décadas? O que você faria? Você sabe? Eu não sei, mas acho que, ainda que ineficaz, qualquer forma de tentar resistir a isso seria, no mínimo, legítima. Seja sequestrar um avião, tentar construir foguetes em sua casa, cavar túneis, jogar pedras contra tanques ou qualquer ato desesperado. Se isso é ser terrorista, qualquer ser humano está sujeito a ser um terrorista. Ou, como alternativa, a morrer de joelhos...

Por outro lado, como justificar que, quando se bombardeia um povo por uma suposta "legítima defesa", se sente em cadeiras de praia para assistir e aplaudir enquanto crianças são brutalmente assassinadas, escolas e hospitais são destruídos para pegar os "terroristas"? Que tipo de defesa é essa, em que professores universitários dizem que a única forma de conter os terroristas é estuprar suas mães e irmãs? Que tipo de defesa é essa em que cada cidadão é treinado para ser um assassino? Uma defesa que bombardeia crianças que jogam bola na praia, que ataca emissoras de televisão, que impede manifestações contra os ataques em seu território? Como alguém pode acreditar que isso é defesa? Como alguém pode achar que qualquer coisa que se faça contra isso não é em legítima defesa? Como alguém pode defender a existência de um Estado que, desde antes de ser criado, é responsável pela morte, sofrimento, exílio, racismo?

Ato em Londres. Na Grã Bretanha os atos contra os ataques de Israel chegaram a reunir cem mil em um dia.
Não é possível sustentar essa mentira, e por isso o apoio democrático aos palestinos, que lutam por nada mais do que seu direito a existir, a morar em sua terra, a não serem bombardeados, cresce exponencialmente no mundo inteiro. São centenas de milhares em dezenas de atos no mundo inteiro. Intelectuais e artistas como Sinead O'Connor, Massive Attack, Robert De Niro, Stephen Hawkings se somam à campanha. Enquanto isso, o massacre continua. A Nakba continua massacrando todo um povo, sem direito a viver. Não se pode dormir em paz enquanto isso continua.

E você, vai fazer o que?


terça-feira, julho 22, 2014

Chega dos parasitas dessa “democracia dos ricos”


Vem se aproximando mais uma vez aquele momento no qual, a cada dois anos, nos dizem que decidimos o futuro do nosso país. À velha e gasta propaganda do “direito e dever de cidadão” que supostamente exercemos ao ir às urnas, se soma um nem-tão-novo discurso que diz que “o verdadeiro protesto é nas urnas”. Essas “lições” vêm do mesmo lugar, e essa última, em particular, se dirige à juventude que foi às ruas às centenas de milhares no ano passado e conseguiu barrar os aumentos das passagens; dirige-se também às dezenas de milhares de trabalhadores que fizeram greves, muitas vezes atropelando seus próprios sindicatos, e conseguiram em muitos casos conquistar aumentos significativos – em especial os garis do Rio.

A ideia que esse discurso quer enfiar em cada cabeça é que pode ser até justo e eficiente protestar na rua, mas que a verdadeira mudança, a que tem consistência e profundidade, está no “voto consciente”. E essa preocupação de reafirmar tantas vezes essa ideia surge porque todos vimos que, junto com a exigência de melhores serviços públicos, direitos e salários, acompanhava constantemente o tom geral de reprovação desses governos que estão aí. Os índices de aprovação dos governantes de plantão, fossem do PT, PSDB, PMDB ou outros, despencaram a níveis historicamente baixos. E por isso se gasta hoje tanta propaganda para tentar convencer cada um que o melhor é “votar certo”.

Mas quando paramos para ver e pensar no “voto certo”, a certeza de junho e das greves desse ano volta a se manifestar: com um ou com outro, amargamos as mesmas dificuldades. E, não só isso, mas continuam os mesmos acordos, a mesma corrupção, os mesmos privilégios para quem está “por cima” enquanto nós, os que “votamos consciente”, amargamos com uma vida cheia de dificuldades, sempre as mesmas e cada vez maiores. E vemos todos os políticos, seja qual for o partido, “dançando conforme a música”, cedendo aqui e ali para as mesmas velhas oligarquias, justificando cada passo igual ao de seus antecessores em nome da tal “governabilidade”. E o que é a “governabilidade” senão continuar cedendo aos interesses das mesmas empresas, dos mesmos bancos, dos mesmos setores conservadores, para fazer um governo que, em suma, não faz nada de novo, nem nada para quem precisa?

Não podemos mais continuar acreditando que tudo o que nos cabe é votar “no menos pior” e empurrar os problemas com a barriga, vendo cada dia estourar um escândalo de corrupção novo e nos acomodarmos em pensar que “política é isso mesmo”. Não! Em junho mostramos que a política que queremos é aquela que fazemos quando dizemos aos de cima “basta”! Basta de sapatear em nossos direitos em nome de seus privilégios. A política que necessitamos e que somos capazes de fazer é aquela que fizeram os garis do Rio quando disseram “basta”! Basta de direções pelegas nos sindicatos ligadas aos empresários nos dizerem que não podemos fazer greve. Basta de prefeitos como Eduardo Paes, do Rio, que vive uma vida de luxo, mas foi à televisão dizer que os garis em greve são “marginais” e não podem lutar por um salário digno. E mostramos que somos, sim, nós, trabalhadores e juventude, capazes de fazer a nossa política por cima da vontade deles.

Nessa eleição precisamos saber que essa vontade e capacidade de lutar por democracia precisa ser expressa também para determinarmos como funcionam os governos. Para que os que elegemos, e que hoje cinicamente se denominam “representantes do povo”, o sejam de fato, eles devem viver a vida do povo, e não como parasitas privilegiados às custas de nosso trabalho. Por isso, todo político eleito, todo assessor parlamentar e qualquer cargo de confiança, todo juiz, desembargador, magistrado deve deixar de ganha salários de dezenas de milhares de reais e passar a ganhar o mesmo que um professor da rede pública de ensino. Assim vão deixar de fazer demagogia com “a importância da educação”, pois verão na pele como vive um educador nesse país. Que passem a usar o transporte, educação e saúde públicas, como os trabalhadores, para sentirem na pele o drama que vive quem depende dos serviços públicos. Que os juízes que julgam as greves de garis, motoristas de ônibus e outras categorias abusivas sejam eleitos por voto popular.

Para que nossa representação seja muito mais democrática, efetiva e barata, temos que acabar com cargos do poder executivo, como presidente e governador. Esses cargos não servem para nada se não para negociar em melhores condições com determinados empresários e banqueiros, para fazer conchavos ao gosto desse e daquele partido. Que os poderes executivo e legislativo se unifiquem, e componham uma câmara única, acabando com o Senado. Na câmara dos deputados os representantes são eleitos de acordo com o número de votantes, mas cada estado tem um número mínimo e um máximo de deputados pré-estabelecidos, independente do número total de votantes, provocando uma distorção da votação em que nem todos tem o mesmo peso, pois se dilui o peso de cada voto nos locais mais populosos e, portanto, com maior concentração de trabalhadores, como São Paulo, em relação a estados menos populosos, como Acre. No Senado, essa distorção é ainda maior, pois são eleitos três senadores por estado, independente de seu tamanho ou sua população. Essa distorção é o que mais favorece que continuem no poder por décadas oligarquias regionais como os Sarneys do Maranhão e Amapá, os Collors em Alagoas, os Magalhães na Bahia, entre outros. Que o dinheiro que banca esses parasitas no Senado seja usado para os serviços públicos!

Além disso, não é justo que tenhamos que esperar quatro anos para tirar do poder alguém que vem agindo de forma contrária aos interesses da população. É necessário que os cargos eletivos sejam revogáveis, para que aqueles que vencem a eleição saibam que não podem fazer “o que quiser”.

Essas medidas, as mais básicas para que tenhamos um governo democrático, nunca serão votadas pelos próprios privilegiados que hoje fazem as leis e se beneficiam da corrupção e de suas mordomias. Para impor essas mudanças, temos que ver o exemplo das mobilizações recentes, e saber que só podem ser conquistadas pela nossa própria força. Por um governo dos próprios trabalhadores para os trabalhadores e o povo pobre!

quinta-feira, julho 03, 2014

Como conheci Fábio Hideki e porque lutar por sua liberdade



Me lembro bem da primeira vez que conversei com Fábio. Foi em 2007, no prédio das Ciências Sociais/Filosofia da USP. Ele era um cara expansivo, bem aberto, veio puxando assunto comigo e com minha camarada Flávia, que na época estudava lá também. Achei ele meio esquisitão, em vários sentidos. Era um nerd japonês da Poli, mas era de esquerda, ainda que bastante confuso nas coisas que falava. Dava pra ver que ele se sentia bastante isolado lá na Poli, e acho que era por isso que passeava ali pela Sociais.

Logo me acostumei com o Fábio por ali, conversava sempre com ele, e o que achava mais interessante nele era sua disposição absolutamente interminável por conversar, ouvir opiniões diferentes, pensar, rever suas próprias concepções. Isso permitia a Fábio que ele avançasse muito rapidamente em suas concepções políticas, porque apesar de ser bastante convicto do que falava, também nunca deixava de ouvir os outros. Conversava com todos os grupos políticos, ouvia todas as opiniões, nunca deixava de dizer o que achava, e nunca abria mão de uma opinião para agradar ninguém.

Me lembro bem de uma discussão que tivemos, em 2009, quando Fábio defendeu uma posição que considerei completamente absurda. Foi em meio à greve pela reintegração do Brandão, diretor do Sintusp demitido político ilegalmente pelo governo Alckmin devido à sua trajetória de luta. Era uma greve bastante dura, e tal como hoje, dirigida de forma muito democrática pelo Comando de Greve dos trabalhadores e pelas assembleias da categoria. Eu militava na LER-QI, organização da qual Brandão era membro e fundador, há poucos meses. 

Acompanhava muito de perto a greve, lutando para que os estudantes percebessem como era fundamental que defendessemos o Sintusp e os trabalhadores diante desse ataque. Era uma tarefa muito difícil: a USP é muito elitista, e era uma árdua tarefa explicar para um estudante porque ele deveria ser a favor de uma greve para reintegrar um peão da universidade. Fomos duramente atacados pela mídia. Os trabalhadores radicalizaram suas medidas, piquetaram o prédio da reitoria. A burocracia acadêmica e o governo não deixaram por menos, e o setor mais reacionário, aglutinado em torno da figura do então diretor da faculdade de direito, João Grandino Rodas, pressionou a reitora Suely Vilela para que ela chamasse a polícia. E, um belo dia, a reitoria amanheceu cercada pela polícia. Foi então que os estudantes se revoltaram e aderiram à greve, na qual levantaram a pauta contra a Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), uma forma de precarização do ensino transformando-o em ensino à distância. 


No Jornal do Campus em 2009, imagem de Fábio com o monitor na cabeça


Hideki era ativo na greve: podia-se vê-lo em todos os atos com sua sempre inusitada forma de protestar - andava com um monitor na cabeça, protestando contra o EaD (Ensino à Distância). Em determinado momento da greve, os trabalhadores tiveram uma excelente ideia para divulgar sua greve e arrecadar dinheiro para a luta: um grande show. E organizaram, no velódromo da USP, um show com Tom Zé, B-Negão, entre outros artistas solidários com a luta. Cobrando um ingresso de cinco reais, cuja renda seria destinada inteiramente ao fundo de greve, o Comando de Greve colocou de pé esta fantástica atividade de greve. Fábio veio me procurar para dizer que era contra (na época ele não era trabalhador da USP, apenas estudantes). "Contra?", me espantei, e questionei seu motivo. Ele disse que ao cobrar ingresso para entrar no velódromo, um espaço público dentro da universidade pública, os trabalhadores estavam incorrendo em um tipo de privatização do espaço. No meio da discussão, chegou a comparar com as festas realizadas pelo Grêmio Politécnico que também cobravam entrada no espaço. E disse que era contra a cobrança de ingresso em qualquer evento na USP, pois era um espaço público. Discuti com ele exaustivamente e, em alguns momentos, até exaltadamente. De nada valeram meus argumentos sobre como o dinheiro era para financiar justamente a luta em defesa da universidade pública, e que não tinha absolutamente nada a ver com uma festa da Poli ou qualquer tipo de privatização do espaço. Fábio não apenas não se convenceu, mas por alguns meses insistiu nessa discussão comigo e com todos os meus camaradas, justamente porque sabia que nossa organização fazia parte do Comando de Greve e era uma impulsionadora dessa política.

Imagino que hoje a opinião dele seria outra. Mas, não importa muito. Citei esse episódio porque acho ele emblemático das posturas de Fábio: ele é duro na queda, teimoso nas suas posições, convicto mesmo quando sua opinião é isolada; mas nunca se recusa a discussão. Com o tempo e seu envolvimento no movimento estudantil, foi tendo posições progressivamente à esquerda, e sempre assumiu claramente sua posição de oposição política às direções do movimento, PSOL e PSTU, e também sempre os questionou aberta e diretamente.

Lutando pela democratização da universidade


Fábio continuou sendo uma figura muito conhecida na USP, no movimento estudantil e de trabalhadores, e acredito que isso se deva a três características marcantes suas: sua excentricidade, com coisas como andar com o monitor na cabeça em 2009, com sua espada de treino de Kendô, ou com seu capacete de motoqueiro nos atos mais recentes; sua enorme comunicatividade e vontade de discutir com todos sobre tudo, e de conhecer todas as posições políticas e se posicionar sobre tudo; sua combatividade, de estar sempre presente nos mais diversos tipos de atos com uma assiduidade que praticamente não se encontra em ativistas políticos que não sejam militantes de organizações (e mesmo nesses nem sempre se encontra).

Acho que Fábio ter se tornado um trabalhador na USP foi um enorme ganho, para a categoria e para ele. Uma categoria com uma história e uma tradição de luta tem muito a ensinar a um jovem e bem disposto ativista político; e um jovem combativo como Fábio renova a disposição de luta da categoria e de sua vanguarda. Além disso, como atestam os depoimentos de companheiras do CESEB que trabalham ao lado de Fábio, como Nilma, ele é muito atencioso com os usuários do posto; não esperaria outra coisa dele.

Fábio foi preso injustamente, ilegalmente, de maneira absurda. Fiquei pasmo quando soube que estava sendo acusado de "líder dos black blocs"; acho que o primeiro impulso de qualquer um que conheça ele ao descobrir isso é de rir. Porque, por mais que ele já tenha hoje uma relativa experiência na militância política, de uma maneira curiosa Fábio sempre manteve um jeito inexplicavelmente ingênuo, inocente, amigável. Ele é o tipo de pessoa que não condenaria de forma alguma a ação dos black blocs, pois, diferente de organizações como o PSTU, sabe que é uma questão de princípio não contribuir em uma vírgula para a criminalização dos lutadores. Mas ele nunca tomaria parte nessas ações, pois tem maturidade política suficiente para saber de sua completa ineficácia e contraproducência para as causas que defende. Sendo assim, sua prisão me faz pensar em duas possibilidades: A polícia resolveu escolher um bode expiatório completamente aleatório apenas porque recebeu ordens de cima para fazer uma "prisão midiática" e ajudar Alckmin a "ficar bem na fita" com os setores mais conservadores do eleitorado paulista; ou, o serviço de inteligência da polícia é dos mais imbecis, precários e rudimentares que já existiram. A primeira possibilidade parece mais plausível.

Agora, a tarefa de qualquer ativista minimamente consequente, ou mesmo de qualquer pessoa democrática, é lutar pela liberdade de Fábio. Pouco importa se você o conhece, se você concorda com as opiniões dele, se você é amigo dele ou se acha Fábio um louco ultra-esquerdista ou um mala sem alça. Não é isso que está em jogo. Esta prisão é um salto de qualidade na criminalização dos movimentos sociais e lutadores, um teste de força do governo. Se ela passa, é um sólido passo para o avanço da repressão e da vigilância. É um passo atrás em qualquer âmbito democrático da nossa sociedade. É a permissão para que qualquer outra pessoa seja presa sob acusações forjadas e mantida em um presídio. Me preocupa muito que organizações importantes da esquerda como PSOL e PSTU não estejam percebendo a gravidade dessa questão e não estejam mexendo um dedo para lutar pela liberdade de Fábio. É hora de nos unirmos fortemente em uma grande luta para libertar Fábio Hideki. Todos somos Fábio.

terça-feira, julho 01, 2014

Sobre garis, metrô, eleições e a estratégia revolucionária que o PSTU não aprende

Cada passo do movimento real 
é mais importante do que uma dúzia de programas.

- Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha

Zé Maria do PSTU demonstra sua "estratégia revolucionária" sentando amigavelmente com a burocracia sindical.

Está completando um ano desde que nosso país passou por um abalo que mudou muita coisa. Não há quem na esquerda brasileira não afirme - à sua maneira - que junho foi um marco. E aí, isso coloca todas as organizações à prova, depois de décadas muito difíceis para qualquer um que se reivindique marxista e revolucionário - em particular para os que não apenas falam que são, mas que agem de acordo com isso. 

Nesse marco, vemos estourar uma das mais importantes greves no país: a dos metroviários de São Paulo. Importante pelo peso social de uma categoria que é responsável por 4 milhões de viagens por dia, sobretudo de trabalhadores indo e voltando de seus postos, colocando em ação a mais-valia, a reprodução do capital, o lucro de seus patrões. Parar isso não gera apenas um impacto econômico avassalador, mas faz com que todo o país, todos os explorados, prestem atenção no que está acontecendo ali. Uma categoria com uma tradição de luta que não é qualquer coisa, com um nível de sindicalização altíssimo e a possibilidade de ser um exemplo.

Isso, depois da vitória dos garis. O primeiro exemplo contundente de que há um setor da classe operária que aprendeu com junho, e não só aprendeu mas colocou em prática aquilo que viu. Contra a burocracia sindical e o governo. Nesse episódio, os dois maiores partidos da esquerda brasileira, PSTU e PSOL, ficaram de fora, olhando, como se não fosse com eles. Se em junho sua atuação foi marginal e insignificante, quando se trata de um setor da classe operária que sai em luta, torna-se ainda mais bizarro que essas organizações se coloquem no posto de deslumbrados espectadores. E, no final, batem palma para "mais uma vitória" e voltam para sua rotina: eleições sindicais, eleições estudantis, acordos de cúpula, uma grevinha pra constrar aqui e outra ali, e, pra coroar, as eleições burguesas - aí sim um lance que levam a sério (do seu jeito-adaptado-à-democracia-burguesa-de-ser).

O triste fato é: essa esquerda não aprendeu nada. Em junho não aprendeu nada; na greve dos garis não aprendeu nada; com seus próprios erros não aprende nada. Se alguém de dez anos atrás viajasse no tempo e visse como esses partidos atuam hoje, não veriam nenhuma diferença estrutural em tudo o que fazem; apenas alterações aqui e ali, mas sem nenhuma mudança significativa. Isso ficou TÃO nítido na principal iniciativa que o PSTU teve para "organizar" a classe trabalhadora desde junho: o encontro unidade de ação, em que fechou um "acordão" de cúpula com a "esquerda" da CUT - a CUT pode mais - e depois levou trabalhadores a um encontro para bater palmas para as decisões que haviam já tomado nos bastidores. Nada mais emblemático do que o espaço que abriram para os garis no tal encontro: uma saudação de dois minutos, que poderia muito bem nunca ter acontecido, já que não mudou uma vírgula de tudo o que estava sendo discutido ali. O "resultado" desse "vitorioso" encontro foi o desmoralizante ato do dia 12 de junho, em que a polícia reprimiu exemplarmente o ato na porta do sindicato dos metroviários e o PSTU fez o vergonhoso papel de impedir a entrada no sindicato de diversos setores que compunham o ato, como Black Blocs e algumas organizações de esquerda. Depois, como a "cereja do bolo", fechou pelas costas do restante do ato um acordo com a polícia para que todos saíssem calmamente do sindicato, sem faixas, bandeiras ou palavras de ordem, rumo ao metrô, e assim a polícia "permitiria" que dispersássemos o ato. Uma vergonha!

Isso simboliza bem o que foi "aprendido" pela esquerda de junho para cá. Mas, sem dúvida, não é o pior que ela mostra na sua prática. Vejamos: os garis, sem nenhuma direção organizada conseguiram: deflagrar greve em toda a categoria; eleger uma comissão de negociação em suas assembleias; enfrentar a repressão policial que chegou a vigiar os fura-greves, intimando os garis a retornarem ao trabalho; enfrentar as 300 demissões por parte do governo com disposição de fortalecer a luta; ganhar o apoio massivo da população; destituir nove membros de sua comissão eleita que havia decidido recuar diante das ofensivas do governo e da patronal; não recuar diante do retorno ao trabalho de uma grande parcela dos garis que teve medo diante da ofensiva patronal; impor à readmissão de todos os demitidos; impor um aumento salarial de 37% e mais diversos benefícios. Essa foi a maior vitória subjetiva da classe trabalhadora no Brasil em décadas! Agora, vejamos o que o PSTU aprendeu:

No metrô, onde o sindicato é co-dirigido por PSTU (maioria) e PSOL (minoria), eles queriam a todo custo segurar a greve até a véspera da copa, e com isso deixaram de lado a oportunidade de unificar com a espontânea e combativíssima greve dos rodoviários; pressionados por uma base furiosa, que assistiu aos rodoviários, garis e diversas categorias saírem à luta, o sindicato se relocalizou nos 45 do segundo tempo e, diante de uma assembleia massiva, propôs a greve no dia 5 de junho; desconsiderou a necessidade da preparação forte nas bases para essa greve e o enfrentamento que ela geraria, muito pelo contrário, alimentou sempre a ilusão de que seria fácil ganhar apenas pelo peso da categoria; boicotou a iniciativa que propunhamos de liberação de catracas, o que seria um elemento chave para ganhar o apoio da população como os garis (ainda mais do que teve, pois a população de fato apoiou a greve, a despeito das mentiras na mídia); não preparou a auto-organização pelas bases através de um comando de greve que pudesse organizar cada setor para a luta (a preparação das bases nos garis foi um elemento decisivo para a força da greve); não deu peso para organizar as medidas que poderiam melar o plano de contingência da empresa que colocou uma parte do metrô para funcionar com as chefias ocupando os postos de trabalho; vacilou para defender a continuidade da greve quando houve demissões; defendeu contra o retorno da greve no dia da estréia da copa do mundo. E, por fim, está fazendo um criminoso "corpo mole" na campanha pela reintegração dos 42 metroviários que foram demitidos, em grande parte, por culpa de sua política irresponsável. E para completar, a pitada cômica-se-não-fosse-trágica: na reunião dos delegados sindicais após a greve, a diretoria do sindicato teve a cara-de-pau de afirmar que a greve foi "vitoriosa"! Claro que foi: para a burguesia!

Há muitos aspectos que mereceriam ser desenvolvidos nesse balanço, e uma parte boa deles pode ser encontrado na declaração da LER-QI sobre a greve do metrô. Apenas citei esses elementos para ressaltar o absurdo contraste entre o que os garis fizeram - sem nenhum partido ou mesmo uma vanguarda experiente dirigindo a luta - e o papelão que o PSTU, um partido que se auto-denomina trotskista e carrega nas suas costas uma experiência de cerca de 40 anos como corrente no Brasil, fez à frente da luta dos metroviários. E aí, chamo a atenção para um documento recentemente publicado no site do PSTU, que está sendo uma verdadeira "sensação" entre a sua militância. Trata-se da carta de entrada para o partido de dois ex-dirigentes da Insurgência, corrente interna do PSOL. Ironicamente, o documento se chama "A estratégia revolucionária posta em questão". Vejamos então a "estratégia revolucionária" do PSTU.


Afirmam eles que tanto a revolução chinesa de 1949 quanto a revolução russa de 1917 foram "os caminhos dos socialistas ao poder", já que ambas "elevaram à destruição das instituições burguesas fundamentais, principalmente as Forças Armadas, em diversos processos revolucionários." Daí, já podemos ver a origem teórica de um erro concreto bastante grande do PSTU: esses ex-dirigentes da Insurgência e futuros dirigentes do PSTU resumem em seu texto a diferença entre a revolução bolchevique de 1917 e a revolução chinesa de 1949 a que a primeira foi "a insurreição urbana" e a segunda "a guerra de guerrilhas". Ambas, a seu ver "levaram os socialistas ao poder". Isso porque, para o alegre PSTU, baseado no absurdo balanço das revoluções do século XX feito pelo fundador de sua corrente, Nahuel Moreno, "todos os caminhos levam ao socialismo". Assim, pouco importa que na Rússia foi a classe operária, auto-organizada em Sovietes, que destruiu o Estado burguês e transformou seus sovietes nos órgãos dirigentes do primeiro estado operário, sendo estes dirigidos pela política do partido operário de Lenin e Trotski, baseados em uma amplíssima vanguarda da classe operária forjada não apenas pela teoria marxista mas por décadas de sua aplicação na luta contra o tzarismo. Enquanto na China, uma camarilha burocrática dirigida por Mao-Tsé Tung à frente de um exército camponês tomou o poder e, empurrada pela ação das massas, viu-se obrigada a avançar em medidas socialistas de expropriação da burguesia e dos latifundiários para que pudesse manter-se no poder como uma casta burocrática que expropriou o poder das mãos dos camponeses e trabalhadores por décadas. Para o PSTU, os dois casos "levaram os socialistas ao poder" (!!!) Conceitos marxistas e leninistas como auto-organização dos trabalhadores, hegemonia operária e partido revolucionário operário são meros "penduricalhos" na teoria do PSTU, pois, como definiu Moreno, uma revolução como a russa constitui uma "exceção histórica". Ora, se basta um exército camponês para fazer a revolução, PSTU, então para que construir um partido operário? Nos juntemos aos "anticapitalistas" da Insurgência e façamos o socialismo, não?

Bom, mas apesar de todo seu bonito discurso sobre a necessidade de destruir o Estado burguês, na prática o PSTU de fato se alia a "anticapitalistas amplos" bem piores do que a Insurgência. Sua crítica de fachada ao eleitoralismo nesse belo texto de efeito não discute que, enquanto ele era escrito, aqui no estado de São Paulo o PSTU fechava uma frente eleitoral com Gilberto Maringoni, amplamente conhecido como "o mais petista entre os militantes do PSOL". Podemos deixar então ao PSTU a pergunta: para além da retórica vermelha desse texto, onde está "a participação nas eleições burguesas e no Parlamento não mais como pontos de apoio táticos para a construção de um partido revolucionário e a mobilização das massas". Ou será que durante os recentes conflitos operários vimos os parlamentares do PSTU, Cléber e Amanda Gurgel, colocando seu mandato inteiramente a serviço de que fortalecessem a luta? Porque não estiveram em São Paulo apoiando ativamente a greve dos metroviários e rodoviários, ou no Rio apoiando a dos garis, para citarmos apenas alguns exemplos? O que temos visto é o PSTU se aliar com setores mais à direita do PSOL, quando não com partidos que fazem parte do governo burguês de Dilma, como o PCdoB, tudo em nome de conseguir sua "fatia do bolo" do Estado burguês contra o qual vociferam tão violentamente Luisa D'Ávola e Henrique Iglecio. E se hoje o PSTU afirma com tanta veemência que "pela experiência histórica da esquerda revolucionária, nós entendemos que entrar no futuro governo Syriza seria um grande equívoco, pois seria apoiar um novo governo de Frente Popular na Grécia, que, por ser dirigido por um partido reformista, contaria, muito provavelmente, com a presença de alas burguesas em sua composição." Parece muito curioso que o façam sem apresentar um balanço de seu absurdo apoio ao Syriza, inclusive polemizando contra a LER-QI e nossa organização internacional FT-QI, há pouquíssimo tempo atrás...

O que é mais alarmante, no entanto, não é a completa incoerência do discurso destes novos militantes com a prática cotidiana do PSTU. Mas sim que este texto é mais uma amostra - tão mais contundente quanto mais é um texto "celebrado" pela sua militância - do quanto o PSTU está de olhos fechados para a luta de classes. Desde junho para cá, a única citação de algum fato da realidade política brasileira no texto são... os Black Blocs! Depois das suas virulentas investidas de Zé Maria contra este setor, que beira a criminalização de suas ações; depois de seu criminoso fechamento das portas do sindicato quando a polícia atacava o ato em defesa dos metroviários no qual eles também estavam, agora a grande polêmica estratégica entre Insurgência e PSTU se resume a Black Blocs! Creio que está na hora de perguntar ao PSTU o porquê dessa fixação inexplicável pelos Black Blocs! Por que os novos militantes do PSTU não discutem nesse texto a aliança que fizeram com a Insurgência para enterrar a heroica greve dos professores no Rio de Janeiro em 2013, quando estes mostravam uma enorme disposição de luta e a direção do sindicato, nas mãos dessas organizações, sufocou a greve! Ou por que não existe um "a" sobre a atuação desse partido à frente da greve do metrô, quando demonstraram de forma acabada para todos o quanto foram incapazes de aprender uma vírgula das lições dos garis e foram a direção de uma greve que representou a primeira derrota contundente da classe operária no Brasil desde junho! Agora, o PSTU sai por aí reproduzindo a palavra de ordem dos garis, que foi tomada pelos metroviários e que o PSTU, dirigindo o sindicato dos metroviários, transformou em letra morta: "Não tem arrego". Depois de sua defesa contra a greve na assembleia de 11 de junho, essa palavra de ordem não tem como não soar ridícula na boca de um militante do PSTU. Falta aos novos militantes do PSTU, bem como aos velhos, pensar um pouco melhor em que consiste sua "estratégia revolucionária": será de debates teóricos com as posições do mandelismo, ou de sua atuação na luta de classes para construir uma alternativa revolucionária no Brasil e no mundo? Ou, trocando em miúdos: de que adianta toda essa "polêmica", se na prática o PSTU parece cada vez mais com o reformismo adaptado que ele crítica?