terça-feira, julho 02, 2013

O "povo" acordou. Um debate com ideias que estão nas ruas.


As ideias dominantes de um tempo foram sempre
apenas as ideias da classe dominante.

- Karl Marx e Friederich Engels, Manifesto do Partido Comunista.

O que queremos, de fato, é que as ideias voltem a ser perigosas.

- Frase dos estudantes franceses nas lutas de maio de 1968.

         Centenas de milhares estão nas ruas por todo o país. Dobramos os governos do PT , PSDB e PMDB, e revertemos o aumento das tarifas em dezenas de cidades. O “povo” acordou. As aspas estão aí porque para entendermos o que está acontecendo, é preciso compreender de que povo estamos falando. Só assim podemos saber para onde nosso movimento vai, e inclusive tentar influenciar os seus rumos.
Nós, marxistas, analisamos as coisas a partir de suas condições materiais de existência: ou seja, tentamos entender como as ideias que surgem estão relacionadas às condições concretas de seu surgimento, as circunstâncias históricas que motivaram sua existência. Neste sentido pensamos também o “povo”: entendemos que a população da nossa sociedade é marcada, entre tantas coisas, por uma divisão fundamental: as classes sociais. As pessoas pertencem a uma ou outra classe social conforme seu papel na produção de tudo o que existe em nossa sociedade, ou seja, conforme as condições materiais de sua existência. E seus objetivos, seu modo de ver e pensar o mundo, estão sem dúvida bastante condicionados a isto (ainda que existam mil e uma outras influências que podem ser também determinantes).
Desde que existe o capitalismo, são duas as classes fundamentais da nossa sociedade, cujos interesses estão em oposição. Há os que vendem a sua força de trabalho para um patrão em troca de um salário: estes pertencem à classe trabalhadora, ou proletariado. E há os que são patrões, que empregam a força de trabalho de outras pessoas e em troca lhes dão um salário, ficando com a maior parte do resultado do trabalho de seus empregados (lucro): estes são a burguesia, a classe dominante em nossa sociedade do ponto de vista tanto político quanto econômico. O interesse da burguesia é manter a sociedade tal como ela é, para assim manter seu lucro e sua exploração sobre os trabalhadores; já o proletariado só pode se libertar de sua própria exploração acabando com o capitalismo e colocando a produção social como um bem coletivo. Entre estas duas classes fundamentais, há um meio termo nada desprezível numericamente de pessoas que trabalham “por conta própria”, sem vender sua força de trabalho para um patrão mas também sem explorar o trabalho alheio. A estes chamamos de pequena burguesia, e incluem desde profissionais liberais como médicos e advogados, passando por camelôs e donos de pequenos negócios, até pequenos agricultores. As multidões que saem às ruas hoje nos protestos não são homogêneas em sua composição de classe, e incluem tanto a classe trabalhadora como a pequena-burguesia, que por conta desta diferença de classe têm interesses distintos nas manifestações. Algumas consequências disto foram bem tratadas no texto de Iuri Tonelo. Nós, marxistas, tomamos partido da classe trabalhadora no conflito que existe entre as classes sociais, pois entendemos que a dinâmica de nossa sociedade coloca como tarefa desta classe dirigir a luta contra esta sociedade de exploração e miséria, libertando a si própria e ao restante da humanidade.
                O objetivo deste texto é tentar abordar algumas das principais ideias que têm surgido nestas manifestações, não apenas em consequência da heterogeneidade de classe dos manifestantes, mas principalmente porque carregam muito do senso comum que se forjou na geração que hoje está nas ruas. Uma geração que não viu revoluções. Algumas destas são as ideias que aprendemos com nossas famílias, nas escolas, na televisão, nos jornais. Enfim, são as ideias dominantes da nossa sociedade, e que são transmitidas pelas instituições sociais criadas e controladas pela burguesia; e por isto transmitem valores que, de uma forma ou de outra, atendem a seus interesses. Por isto, mesmo os trabalhadores são educados com valores contrários aos seus próprios interesses, com os mesmos valores de seus patrões que vivem de explorá-los. O objetivo aqui é abrir um debate franco com muitos dos que carregam algumas destas ideias, para discutir como elas podem – muitas vezes ao contrário do que desejam aqueles que as defendem – significar um atraso para o movimento que sai às ruas querendo lutar por uma sociedade melhor. Na verdade, justamente porque algumas destas ideias defendem os interesses dos patrões, muitas vezes elas são pontos de apoio dentro das manifestações para o conservadorismo de tudo aquilo que estamos querendo combater. Não à toa, são incentivadas pela imprensa, que por ser de propriedade da burguesia, expressa as ideias que são do interesse dela.

“Verás que um filho teu não foge à luta”




Os comunistas diferenciam-se dos demais partidos proletários apenas pelo fato de que, por um lado, nas diversas lutas nacionais dos proletários eles acentuam e fazem valer os interesses comuns, independentes da nacionalidade, do proletariado todo (...)

- Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista


As bandeiras do Brasil, as caras pintadas de verde e amarelo, centenas cantando o hino nacional ou músicas e palavras de ordem que expressam orgulho de ser brasileiro. Todos vimos muitas cenas como estas em todos os protestos. Mas, qual o problema de levantarmos com orgulho a bandeira de nosso país? Bom, depende da circunstância.

As nações não existiram sempre, são uma invenção relativamente recente na história da humanidade. Elas surgem junto com o domínio político da burguesia, que, para facilitar suas transações econômicas, precisava de uma unidade monetária, alfandegária, linguística, territorial, bem como de uma organização unificada com leis e forças armadas (Estado) para defender seus interesses contra outros burgueses na competição por mercados. Contudo, mais do que um simples território unificado, a ideia de nação passou a servir como uma forma de identidade de um povo, mas não uma identidade qualquer: o fundamental para a burguesia na ideia de “nação” é fazer com que a classe trabalhadora, a quem ela explora cotidianamente, veja em seu patrão e carrasco que lhe arranca o couro e lhe dá um salário de fome, um “irmão” ao invés de um inimigo de classe. E no trabalhador que sofre a mesma exploração que ele em outro país, um “inimigo” ao invés de um irmão de classe. Assim, os trabalhadores se sentem mais propensos a se juntar àqueles que os exploram para defender os interesses destes contra seus irmãos trabalhadores de outro país, e isto aparece disfarçado sob o manto do patriotismo. Como se o trabalhador estivesse defendendo o interesse da nação (e, assim, dele mesmo) e não o interesse de seus patrões.
 É por isto que o que Marx e Engels diziam em 1848 continua valendo até hoje: “Aos comunistas tem, além disso, sido censurado que querem abolir a pátria, a nacionalidade. Os operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar o que não têm. Na medida em que o proletariado tem primeiro de conquistar para si a dominação política, de se elevar a classe dirigente da nação, de se constituir a si próprio como nação, ele próprio é ainda nacional, mas de modo nenhum no sentido da burguesia. Os isolamentos e as oposições nacionais dos povos vão desaparecendo já cada vez mais com o desenvolvimento da burguesia, com a liberdade de comércio, com o mercado mundial, com a uniformidade da produção industrial e com as relações de vida que lhe correspondem. A dominação do proletariado fá-los-á desaparecer ainda mais. A unidade de ação, pelo menos dos países civilizados, é uma das primeiras condições da sua libertação. À medida que é suprimida a exploração de um indivíduo por outro, é suprimida a exploração de uma nação por outra. Com [a queda da] oposição das classes no interior da nação cai a posição hostil das nações entre si”.
Ou seja, o interesse histórico da classe trabalhadora por uma humanidade livre, de acabar com a exploração do trabalho e de um homem por outro, passa necessariamente por acabar com a divisão entre países, que só serve aos burgueses e às suas disputas. É por isto que um dos princípios fundamentais do comunismo é o internacionalismo, o entendimento que a luta dos trabalhadores brasileiros é a mesma luta dos trabalhadores de qualquer parte do mundo e, assim, devemos nos apoiar mutuamente. Por isto que defendemos a solidariedade ativa às lutas do povo egípcio, sírio, líbio, turco, grego e outros contra seus governos que os reprimem, pois quanto mais fortalecida estiver a luta deles, mais estará a nossa e vice-versa.
Contudo, nem sempre o nacionalismo possui um sentido conservador, tal como no caso da burguesia que reivindica sua pátria para arregimentar os trabalhadores para se colocar contra os trabalhadores de outro país. Como disse o revolucionário marxista Leon Trotsky: “Quando o pequeno camponês ou o operário falam de defesa da pátria, falam da defesa de sua casa, de sua família e da família de outrem contra a invasão, contra as bombas, contra os gases asfixiantes. O capitalista e seu jornalista entendem por defesa da pátria a conquista de colônias e mercados, a extensão, pela pilhagem, da parte ‘nacional’ da renda mundial. O pacifismo e o patriotismo burgueses são mentiras completas. No pacifismo e no patriotismo dos oprimidos há um germe progressista que é necessário saber compreender para daí tirar as conclusões revolucionárias necessárias. É necessário saber dirigir estas duas formas de pacifismo e de patriotismo uma contra a outra.”
Por isto, não é possível concordar com os que jogam em um mesmo saco de “fascistas” todos os que levam um sentimento nacionalista para um ato de rua. Se é verdade que há aqueles que neste nacionalismo carregam o germe do reacionarismo e mesmo grupos fascistas, também há milhares que reivindicam um sentimento progressista de que as demandas populares devem ser conquistadas nas ruas pelo “povo brasileiro” organizado, em contraposição às instituições apodrecidas do regime político burguês. Ou seja, é, contraditoriamente, uma forma de contrapor o “povo” ao Estado burguês (como dizia uma pichação na  Avenida Paulista:  “até quando o governo será contra o povo?”). Contudo, mesmo este sentimento progressista dos que levam nas bandeiras do Brasil as suas demandas por mais investimentos na saúde e educação, abre um espaço para que o nacionalismo junte em um mesmo saco os manifestantes que querem um Brasil “mais cívico e ordeiro” e aqueles que defendem sair às ruas e lutar de forma independente contra a polícia e os governos. O sentimento nacionalista é facilmente capitalizado pela direita e pela burguesia. É assim que discursos como os de Dilma se aproveitam deste sentimento nacionalista para tentar botar “panos quentes” nos protestos. Por isto, é necessário explicar pacientemente aos que reivindicam o sentimento nacionalista o porquê de nosso combate a ele.

Contra a corrupção






O moderno poder de Estado é apenas uma comissão 

que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa
.
-Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista

                É inegável que dentre as inúmeras pautas que passaram a ser levantadas nos protestos, a do combate à corrupção é uma das que tem grande peso e destaque (em particular nos atos centrais onde predomina a pequena-burguesia). Isto não apenas porque é, de fato, uma das mais levantadas pelos manifestantes oriundos da pequena-burguesia, mas também porque tem um respaldo inclusive entre a classe trabalhadora, e ainda porque a mídia burguesa faz questão de dar mais destaque a esta pauta do que a outras. Isto ocorre porque a pauta da corrupção é bastante ampla, difusa, e por isto pode facilmente ser capitalizada também pela direita burguesa. Exemplo expressivo disto é o vídeo de Flávio Bolsonaro, representante da camada mais reacionária da política brasileira, que diz – entre tantas baboseiras e mentiras deslavadas – que “o PT é o partido mais corrupto do Brasil”, e que “este protesto tem que continuar nas urnas”. Ou seja, Bolsonaro procura canalizar a revolta das ruas para eleger os representantes mais de direita da burguesia nas eleições de 2014. O que Bolsonaro quer ocultar em seu discurso é que, se o PT é comprovadamente um partido cheio de escândalos de corrupção, como mensaleiros, sanguessugas, entre tantos outros, o PSDB, o DEM e todos os partidos do regime tem suas mãos sujas com a lama da corrupção. É necessário entender que a corrupção é inerente ao sistema capitalista e a todos seus regimes de governo.
                O combate à corrupção é uma pauta legítima, que canaliza uma grande revolta contra os governos e mesmo contra o regime e os partidos da ordem, e faz muito mal a esquerda que julga esta pauta como “de direita” e deixa para Veja, Bolsonaro, Estadão a sua reivindicação. O fundamental é justamente desmascararmos estes canalhas reacionários que se colocam como “arautos da ética”, chegando à raiz deste problema. E a questão não é de governo ou mesmo de regime, mas sim do Estado burguês. É necessário compreendermos que enquanto tivermos um Estado a serviço de uma classe parasita e exploradora, a corrupção será inerente a ele. O PT, que por décadas procurou ser o partido da ética, hoje justifica sua corrupção dizendo que é necessário sujar as mãos para fazer política. Esta ideia tornou-se senso comum, e por isto muitos manifestantes afirmam que seu protesto “não é político”. Temos que combater a ideia de que a política institucional da burguesia seja compreendida como a única forma de fazer política. É necessário disputarmos aos olhos das massas e dos trabalhadores a necessidade de fazermos uma política revolucionária, que acabe com a corrupção da única forma possível: acabando com o sistema que lhe dá origem e sustentação.
Esta disputa entre uma política institucional ou revolucionária não é nova, e esteve presente também  na própria história do PT, que surgiu do movimento das greves operárias do final dos anos 70 e início dos 80 do século passado, e que eram sim muitíssimo políticas e com um forte potencial revolucionário. Dentro do PT, contudo, uma ala influente dirigida por Lula procurava fazer de tudo para separar o “sindical” do “político”, dizendo que as greves não eram contra a ditadura mas apenas por salários (escondendo que o arrocho era fruto da política dos militares), separando as lutas por regiões, por fábricas, por ramos da indústria. Um pouco desta história pode ser conhecida aqui. Isto é exatamente o contrário do que propõe o marxismo. Um dos principais dirigentes revolucionários marxistas, Lenin, afirmava que o papel dos revolucionários é atuar em cada pequena luta sindical, elevando o patamar destas à luta política contra o regime. Marx e Engels também afirmaram que “Os comunistas diferenciam-se dos demais partidos proletários apenas pelo fato de que (...) nos diversos estágios do desenvolvimento pelos quais a luta entre o proletariado e a burguesia passa, representam sempre o interesse do movimento total”. Ou seja, uma luta salarial representa um interesse particular e legítimo dos trabalhadores, mas é necessário que entendamos que o que ganhamos em uma luta salarial hoje, a inflação e o arrocho salarial comerão dos salários amanhã. Por isto nossa luta deve olhar para o todo.
Assim, a linha política que hegemonizou o PT com a ala de Lula, Genoíno, Zé Dirceu, Suplicy e outros que defendiam a via parlamentar de mudanças, só pode servir ao interesse da burguesia, de isolar as lutas dos trabalhadores para manter seu domínio político. A única política que pode servir aos interesses da libertação dos trabalhadores e, consequentemente, de toda a humanidade, é uma política revolucionária que seja feita nas ruas, nas barricadas, nas greves, nos instrumentos de auto-organização dos trabalhadores e das massas para que, a partir desta organização, possamos derrubar este Estado corrupto e corruptor da burguesia para colocar no poder os trabalhadores.
Esta lição foi ensinada pela primeira vez pelos revolucionários da Comuna de Paris, em 1871, quando os trabalhadores tomaram o poder pela primeira vez, derrubando o governo em Paris e elegendo seus próprios representantes entre eles. Estes não ganharam salários imensos e desfrutaram de privilégios como nossos parlamentares, juízes e governantes. Ganhavam o mesmo que um trabalhador comum e seus mandatos poderiam ser revogados a qualquer momento. Nem tinham dezenas de cargos comissionados com salários altíssimos. Não havia um “presidente” ou “prefeito”, mas um governo composto por todos estes representantes. O nível de privilégio que tem os parasitas de nosso congresso pode ser visto neste artigo de Leandro Ventura. Se hoje os partidos burgueses propõem uma miserável “reforma política” plebiscitária, nós devemos dizer que nossas demandas para acabar com os privilégios e a roubalheira dos empresários e políticos e democratizar o país não cabem nas perguntas de um plebiscito montado por eles mesmos! Queremos uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, com representantes eleitos nos locais de trabalho e na qual todos possam se candidatar, para fazer uma reforma radical deste regime e acabar com todas as negociatas entre os políticos burgueses e os empresários! Só assim podemos acabar com a corrupção de fato.

 “Sem partido! Sem partido!”



O pior analfabeto é o analfabeto político. (...)
Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.(...)
Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política,
nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos,
 que é o político vigarista, pilantra, corrupto
 e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

- Bertolt Brecht, O Analfabeto Político

                O rechaço aos governantes e a seus partidos tomou uma face distorcida em muitas manifestações, com pessoas que gritavam “sem partido” a organizações de esquerda e dos trabalhadores. Como dissemos acima, o rechaço aos partidos que constituem este regime apodrecido é mais do que justo, pois são eles que mantém esta ordem de uma sociedade miserável em nome do lucro de poucos. Mas é fundamental colocarmos um critério em nosso rechaço, ou se cometerá uma enorme injustiça aos principais aliados dos que lutam nas ruas por mudanças profundas na sociedade. Um partido nada mais é do que uma forma organizativa, um grupo de pessoas que se aglutina coletivamente para poder atuar politicamente na sociedade. Esta forma organizativa pode ser preenchida com conteúdos sociais muito distintos, que sem dúvida se expressarão na forma como este partido se organiza também. A burguesia se agrupa em diversos partidos para disputar seus interesses na sociedade, mas, sendo estes partidos representantes desta classe parasitária, nunca nenhum deles poderá representar os interesses dos trabalhadores e da população mais pobre. São os partidos que representam interesses de banqueiros, de empresários, que não apenas se candidatam por estes partidos (como o ex-vice-presidente José de Alencar, grande industrial cujas relações com o poder lhe garantiam negócios privilegiados) mas também financiam suas campanhas para garantir seus interesses. Em geral são regidos por alguns grandes “caciques” representantes de oligarquias regionais e frações da burguesia, como Sarneys, ACMs, Malufs, Calheiros, Collors...ou por caudilhos que por terem grande destaque abafam toda a democracia interna de um partido em nome de seus acordos com este ou aquele setor da burguesia, como é no caso de Lula.
                Se a burguesia se organiza em partidos para lutar por seus interesses, é porque reconhece nesta forma uma grande eficiência de organização. Por que os trabalhadores, que querem lutar pela derrubada deste sistema, não deveriam também se associar para fazer sua política nas fábricas, nos bairros operários, nas escolas? A sua política, contudo, não é e nem pode ser a mesma da burguesia. Os partidos burgueses disputam e fazem acordos entre si para abocanhar um pedaço deste regime apodrecido e corrupto. Os trabalhadores devem se organizar em partidos para uma política revolucionária, que possa acabar com este Estado corrupto e corruptor. Nem a sua forma organizativa pode ser a mesma, com alguns “donos” do partido e muitos braços ou funcionários. Os trabalhadores que se organizam em um partido que lute pelos interesses de sua classe não o fazem por quererem privilégios ou por ambições pessoais, mas sim porque sua compreensão política dá um salto e ele passa a ver que a miséria de sua própria vida não é individual e nem se pode acabar com ela individualmente, mas que é necessário se organizar unificadamente com seus companheiros de classe com uma estratégia para mudar a sociedade. Por isto, os partidos operários devem prezar sempre pela mais ampla democracia interna, para que as bases do partido tenham controle sobre seus dirigentes. Defendemos o princípio formulado por Lenin, denominado “centralismo democrático”, que foi sintetizado com a seguinte máxima de garantir a mais ampla democracia na discussão e a mais estrita unidade na ação.
                Por isto, quando alguém se revolta contra um partido ou uma organização operária, está na verdade combatendo um aliado contra este sistema. Os partidos operários não são o mesmo que os partidos burgueses, e não devem ser tratados da mesma forma. Mesmo a juventude e os trabalhadores que não se organizem em partidos devem entender e respeitar os que se organizam como seus aliados, e tratar as eventuais diferenças políticas a partir de debates de ideias, que são saudáveis, necessários e ajudam o movimento em seu conjunto a avançar, mas devem saber que a luta contra os governos e os partidos burgueses é uma meta em comum.
Há, evidentemente, confusões que podem surgir nesta distinção entre partidos burgueses ou partidos operários. O PT, por exemplo, leva a palavra “trabalhadores” em seu nome. E, de fato, surgiu como uma organização dos trabalhadores a partir de suas greves e mobilizações. Contudo, o setor que o hegemonizou, como dissemos antes, foi o de Lula, que apostava justamente na via institucional de disputa da política a partir das eleições, dos cargos, das comissões, dos financiamentos privados. Conforme o PT se aprofundou neste caminho, ele foi progressivamente deixando de lado qualquer vestígio de política operária. Destruiu qualquer vestígio de democracia interna, acabando com os comitês de base, tornando seus dirigentes sindicais em burocratas bem remunerados e em conluio com os empresários, e alçando Lula cada vez mais como um grande caudilho que manda no partido. Associou-se aos grandes burgueses e aos partidos que os representam. Com sua ascensão ao poder do Estado como governantes no poder executivo, reprimiram energicamente a mobilização independente dos trabalhadores, já na gestão Erundina na prefeitura de São Paulo reprimiram greves de motoristas de ônibus, por exemplo. Hoje, enviam a Força de Segurança Nacional para reprimir greves nas obras do PAC, assassinar índios, reprimir manifestações no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Por isto que para os marxistas a prática é o critério da verdade: de defesa dos trabalhadores, no PT só sobrou o nome. Não é este partido que deve estar ao nosso lado nas manifestações. Ainda assim, contra a direita fascista que os ataque, defenderemos seu direito de organização. Mas entendemos e apoiamos o repúdio dos trabalhadores que foram traídos pelo partido que construíram.
O PSOL, hoje, começa a dar os primeiros passos no mesmo rumo do PT, seguindo uma via de disputa na política institucional. Seus parlamentares já votaram leis que retiram direitos dos trabalhadores, como foi o Super-Simples. Já se associaram com partidos burgueses, como o DEM nas eleições de Macapá. Também seguiram o curso de elevar figuras parlamentares a caudilhos, como foi com Heloísa Helena, que hoje se liga a Marina Silva. Não é um partido dos trabalhadores, mas um partido eclético que tenta aglutinar em seu interior interesses de classe distintos. Mas mesmo com todos estes problemas, o PSOL possui em sua base uma parcela de juventude e trabalhadores honestos, muitos dos quais estão nas ruas lutando ao nosso lado. Seu direito à organização deve ser defendido, sem que por isto se diminuam as enormes diferenças políticas que nos separam.
Defender a possibilidade dos trabalhadores e a juventude de se organizarem em sindicatos e partidos é defender nosso próprio direito de lutar, de nos manifestarmos e de fazermos frente ao enorme poder de organização da burguesia e de seus políticos corruptos e parasitas. Sem partidos, nossa organização nunca será capaz de derrubar os poderosos e seus canhões.

“Sem violência! Sem violência”



Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. 

Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.

- Bertolt Brecht, Sobre a violência


O que é roubar um banco comparado a fundar um?

- Bertolt Brecht, A ópera dos três vinténs


Desde a brutal repressão policial que ocorreu no ato em São Paulo, no dia 13 de junho, com mais de 250 presos e 100 feridos, o movimento deu um salto. Muitos passaram a apoiá-lo nem tanto pela redução do aumento, mas pela indignação de uma manifestação democrática ser reprimida de forma tão truculenta pela polícia. A partir deste momento, a própria mídia foi obrigada a mudar drasticamente seu discurso, que até então era de condenar de forma unânime as manifestações. A violência policial chocou de tal forma a pequena-burguesia que conforma grande parte da mal chamada “opinião pública”, que os veículos de imprensa foram obrigados a endurecer seu discurso contra a repressão. Ainda que procurassem a todo momento distorcer os fatos, dizendo que se tratavam de policiais “mal preparados” ou de “excessos”, tentando assim maquiar a conduta geral da polícia e fazer passar uma regra por uma exceção.

Para entendermos a polícia, precisamos compreender que, como afirma Lenin em “O Estado e a revolução”, “O exército permanente e a polícia são os principais instrumentos do poder governamental”. Ou seja, a função primordial da polícia, ao contrário do que nos ensinam, não é a de “proteger todos”, mas de proteger a propriedade privada e o Estado. Quando uma mobilização sai às ruas para questionar os lucros de empresários cujos acordos selados com o governo determinam o funcionamento do transporte na cidade, isto está gerando um embrião de questionamento à propriedade privada dos meios de transporte. A polícia e seu principal aliado no campo das ideias – a mídia controlada pela burguesia – farão seu trabalho: reprimir por um lado e deslegitimar o movimento por outro. Exemplo emblemático foi o discurso de Arnaldo Jabor após os primeiros atos, em que ele comparou os manifestantes ao crime organizado. A realidade é que o crime organizado tem muito mais em comum com a própria polícia, e quem lucra com este é a burguesia e os policiais que tem mil e um laços com o tráfico, como mostrou, por exemplo, esta reportagem da Bandeirantes.

A atuação da polícia, contudo, é muito mais repressiva justamente onde a miséria gerada pela burguesia se expressa com maior força: nas periferias e favelas, onde cotidianamente assassinam a juventude pobre e negra. Quando falamos em violência, precisamos, portanto, lembrar que o que há de mais violento em nossa sociedade é a miséria, a fome, a pobreza, as quais o Estado se esforça para manter com suas leis e sua polícia. Perto disto, é perfeitamente compreensível que as pessoas que são violentadas pelo Estado cotidianamente coloquem um pouco de sua fúria para fora de forma caótica quando os atos conseguem minimamente tomar as ruas contra este Estado. Por mais que não concordemos com este método pela sua ineficácia, o que repudiamos não é esta “violência”, mas sim o discurso da mídia burguesa que nada fala sobre Douglas Henrique, jovem metalúrgico morto nas manifestações, mas dá grande destaque a lixeiras reviradas na manifestação. Até figuras da própria mídia, quando não estão com o cabresto que lhes é imposto pelos donos das emissoras, concordam com isto, como vemos nesta entrevista com Ricardo Boechat.

Há que se diferenciar as “violências” dos manifestantes. Não é à toa que quando as manifestações se tornam massivas, o discurso da mídia muda completamente, como vemos nas esfarrapadas “desculpas” de Jabor (na verdade uma tentativa de se relocalizar e ainda “ensinar” aos manifestantes pelo que devem lutar, colocando as pautas de um típico comentarista de direita da globo). A mídia passa a querer criar um abismo entre os “manifestantes ordeiros e cidadãos” e os “vândalos, baderneiros, arruaceiros”. Jogar uma pedra contra a polícia é um embrião de auto-defesa. Conforme a luta nas ruas cresça, esta tendência terá que se organizar e se expressar efetivamente em milícias operárias e populares. Como afirma Lenin: “a sociedade civilizada está dividida em classes hostis e irreconciliáveis cujo armamento ‘espontâneo’ provocaria a luta armada. Forma-se o Estado; cria-se uma força especial, criam-se corpos armados, e cada revolução, destruindo o aparelho governamental, põe em evidência como a classe dominante se empenha em reconstituir, a seu serviço, corpos de homens armados, como a classe oprimida se empenha em criar uma nova organização do mesmo gênero, para pô-la ao serviço, não mais dos exploradores, mas dos explorados”.

Contudo, nem toda a violência é a legítima defesa contra a polícia. Quando se joga uma pedra na vidraça de um banco, é um pequeno protesto contra o saque cotidiano aos trabalhadores que é feito pela burguesia. Quando se faz uma pichação de protesto, é uma forma de colocar para fora uma voz que não tem onde se expressar na sociedade, é uma forma de luta. Mas a depredação caótica de casas, carros populares ou pequenos comércios afeta justamente aqueles que têm motivo para colocar seu ódio nas ruas: estamos atacando a nós mesmos e ajudando a criar um rechaço popular às manifestações ao invés de ganhar mais apoio. Isto não quer dizer que devemos, como nos sugere a Rede Globo ou os comandantes da polícia, entregar os manifestantes que façam isto. Eles podem estar equivocados, mas é um dos nossos, e temos que convencê-lo de seu erro; a polícia, por outro lado, é nossa inimiga, e contra ela devemos estar unidos.

A burguesia não tomou o poder das mãos da nobreza pacificamente, e nunca um tirano deixará seu poder “pela força do diálogo”. Como disse o abolicionista Luis Gama, “todo escravo que mata seu senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Nunca confundamos a violência do opressor com a resistência do oprimido. A nossa violência, dos que são explorados e oprimidos cotidianamente, deve se organizar para resistir aos ataques dos opressores e poder se transformar em força para mudar a sociedade e coloca-la de cabeça para baixo.

Agora é hora de nos organizarmos, avançarmos em nosso programa e nos colocarmos com a classe trabalhadora nas ruas para levar esta insatisfação que explodiu às suas últimas consequências, virando de cabeça pra baixo esta sociedade!