segunda-feira, fevereiro 02, 2015

Do que é feito o amor

É noite. Densa e sem estrelas, abafada, sem vento, sem vida, sem canto. É noite e nos arrastamos sem luz, horas adentro, horas a fio. A perna cansada persiste tesa, impassível, sobrevivente de uma vida sem rastros.

Cuspo os restos de sonhos na pia com a pasta de dente que lava o café de minha boca. Amarga ela persiste, com o gosto de menta. As palavras continuam de desmanchando nas horas, repetidas, eternas, sem sentido. Embalado em uma casca, persisto em não ser. De pé.

É noite. É dia? É morte. É vida? Já não se sabe se há algo ainda para ser, em meio a tantos dias inertes, sem sombra, sem refresco, sem porquê. E, no entanto persisto.

Numa tarde, que poderia muito bem ser mais um poço de nojo e tédio, fixo teus olhos. Teus dentes, brancos, imensos, são um sorriso que não existe. Me traga. Em alguns minutos, horas, dias (o que é esse tempo, esse tempo que inventaram fora de nós?) as fronteiras, os abismos se desfizeram, se diluíram, me derreteram em uma fusão de prantos, de risos, de sonhos. Absorvo o detalhe mais mínimo e o coloco em um altar de futuro. Queimo minhas velas, meus barcos. Me afogo. Já não há minuto sem aquela pinta, aquela fala que gagueja sem hesitar. Que me afirma, me xinga, em um desenho me corta e me vira do avesso. Me exclama em um desejo, o meu.

As pernas já não são tesas. São moles, bambas, o riso frouxo. A entrega. O peito aberto e o medo, inútil, a querer espreitar, a querer encobrir. Inútil. Já não sou do medo, nem do tédio. Já não sou das lágrimas, secas, sem escorrer. As lágrimas vertem novamente, aos montes, ao menor pronunciamento que saia por entre aqueles lábios, tão novos, tão sonhos, tão tudo. Os lábios que me têm entre eles. Que sopram, de leve, e sussurram o sentido de tudo.

Teus seios, teu sexo, meu corpo, fundido. A seiscentos quilômetros, e ainda assim fundido. A maluquice me segue. Ela te arrastou para cá, te jogou em mim, levou aquele ranço pegajoso que fazia eu me arrastar pelos cantos. Quero tua voz chorosa na madrugada, para dizer que sou teu. Que não há dor que crie essa beleza tamanha e que me possa ser estranha ou indiferente. Deixa-me mergulhar nos teus sonhos, nos teus pelos, nos teus dias, no desenho infinito de sua vida. Toma de minhas mãos essa bandeira que você fez tremular novamente. Caminhemos lado a lado, porque os dias, já não há porque temê-los. São repletos, plenos, poucos.