quarta-feira, setembro 10, 2014

Desamparo

É verdade que às vezes a felicidade é mesquinha.
E isso é também porque esse mundo, o mais mesquinho que fizeram, ensina a felidade mesquinha, forçada, de sorriso amarelo, de egoísmo.

Quem não é feliz é um fracassado, um perdedor, o que não competiu, não pisou o suficiente nos outros e não venceu na vida. O que não é feliz não tem uma família como aquela, da margarina, não tem um bom carro e um bom emprego. Ele não vai ao Pão de Açúcar, que, como sabemos, é lugar de gente feliz. A felicidade é um produto que te vendem caro a cada esquina.

E num mundo assim, mesmo quem não é feliz desse jeito, tem pouco tempo para olhar para o lado. Tem pouco sentimento para ser empático. Tem pouca paciência e carinho para as lágrimas dos outros.

A verdade é que gente que não sofreu sabe entender muito pouco sobre o sofrimento. Ele é um mistério indecifrável, porque não pode ser traduzido plenamente em palavras. As palavras explicam, mas não fazem sentir algo que nunca passou pela sua vida. É como tentar explicar uma cor a um cego de nascença.

Volta e meia bato a cabeça nessa questão. As pessoas mais lindas e sensíveis que conheci, que sabiam verdadeiramente ouvir o outro, eram as que sofreram, e muito. Outras pessoas que conheci, mesmo lutando pelo melhor do mundo, tratam o sofrimento alheio como uma dor de cabeça ou uma farpa no dedão. Não o fazem por mal.

A felicidade é burra, com frequência.

É preciso coragem para encarar as dores de frente. Cada vez mais, em um mundo que quer nos vender o alívio instântaneo para tudo. Tome isso e passou. As dores nos fazem como somos. Há uma frase de Tolstói que dizia: "Todas as famílias felizes se parecem. As infelizes o são cada uma a sua maneira.". Essa frase é de Anna Karenina, um dos livros mais belos sobre uma mulher que sofre fundamentalmente porque vive em um mundo nojento, patriarcal, horrível.

Mas saber as causas sociais de nossos sofrimentos não os aliviam, sequer os explicam de fato. Por isso, são mais belas as pessoas que sabem sofrer. Seu entendimento da dor está além de esquemas sociológicos abstratos. Não se trata aqui de nenhuma exaltação do sofrer, como faziam os românticos do "mal do século". Nada disso. Luto por um mundo onde todos possam ser felizes ao máximo. Mas sofrer e escavar nosso sofrimento, procurar em suas raízes o que há de mais íntimo nele. Ouvir, entender, ser capaz de abraçar o sofrimento de outro. Isso nos torna mais humanos.

Saber que não é com soluções mágicas que resolveremos os problemas nossos nem de ninguém. Que às vezes é necessário apenas sentar e chorar, junto ou sozinho. Que às vezes, e não são poucas, as dores serão imensas demais para nossas pequenas mãos. Que essas dores e tristezas podem vir, arrebatadoras, e levar de nós as pessoas mais queridas e que mais amamos. Elas se vão, para sempre. E nós, ficamos aqui, com um pedaço imenso de dor que é nossa herança. Aprendemos. Essa dor nos faz o que somos. E, sim, ela nos faz mais humanos. E, mesmo que eu não possa aplacar sua dor, saiba que você pode chorar ao meu lado.

Um comentário:

yuna disse...

é bom ler cada uma dessas palavras, de um jeito calmo e terno elas colocam qualquer desamparo em suspenso. e mesmo com todo o caos em volta, sua disposição para responder tão prontamente as angústias dos outros nos mostra o melhor da capacidade humana. nessa troca de textos eu saio ganhando com os seus, obrigada! :)