segunda-feira, abril 15, 2019

"Ela já morreu"

Às vezes a gente não sabe o tamanho das nossas próprias dores. O que a gente aperta no nosso inconsciente, e segue a cada dia, pode ser do tamanho do mundo.

A sombra de um objeto perdido que recai sobre o nosso eu, a perda do objeto se transformando em uma perda do eu. Essa era a forma como Freud falou da melancolia. Ela é um luto por uma perda que nunca acaba, que se torna maior do que o eu, e acaba com nossa capacidade de investir em outras coisas.

Imagine sentir que tudo que você ama é absolutamente efêmero, que não se sustenta, que seus desejos e paixões são um castelo de areia pronto a ruir - e ele rui a cada dia. Que tudo que é sólido se desmancha, mas basta para isso um minuto.

Uma das imagens mais fortes que F. usou para falar do psiquismo é a de um cristal, que se constitui ao longo de um processo mas contém em sua estrutura pontos frágeis, pontos de ruptura, que são, no entanto, completamente invisíveis quando esse cristal está inteiro. Mas, com o choque, ele se racha, justamente naqueles pontos de fragilidade que se encontravam ocultos. Todos nós temos nossas fissuras, e os choques nos fazem "regredir" para onde estas rachaduras do eu sempre estiveram.

Sete anos se passaram, e há cerca de duas semanas eu me deparei em análise interrogado sobre se eu poderia me permitir deixar que ela morresse. Se eu poderia ir adiante.

"Se eu esquecer ela, é como se ela fosse morrer de verdade." - tal foi o ato falho na minha fala, que era como um pedido para ouvir, com uma nova contundência, a verdade que meu inconsciente se recusa a assimilar.

"Ela já morreu".

Foram essas as palavras que com um baque surdo se chocaram rudemente com essa sombra da perda que às vezes parece sufocar tudo, sem que eu sequer saiba de onde isso vem. Que faz com que tudo no mundo tenha gosto de cinzas. Que nenhum edifício possa se erguer em meio a escombros que se acumulam.

Ela já morreu. E eu não posso morrer junto.