terça-feira, outubro 19, 2010

"Por que caralhos você não vai votar na Dilma?!?"

Pois é, eu não vou. Não vou votar na Dilma, nem que seja só pelo voto "contra o Serra". Abaixo eu reproduzo o e-mail que mandei para a lista de discussão da Letras USP que explica um pouco meus motivos, porque a discussão acalourada entre a esquerda da Letras é esta: o voto no segundo turno. Antes, uma bela foto de Dilma sendo agraciada por um nobre aliado nesta "cruzada contra a direita" representada por Serra.




Pessoal,

Esta lógica do "menos pior" é absolutamente avessa a qualquer tentativa séria de transformação social. Vi que todos os companheiros aqui que irão votar na Dilma, como o Diego, Felipe e Julia, dizem que o PT não é de esquerda e não representa nem de longe os interesses dos trabalhadores. Hoje, de fato, vivemos no Brasil ainda uma situação de imensa passividade social, em que o movimento operário está adormecido e inerte, controlado completamente pelas burocracias sindicais que não só apoiam mas estão organicamente ligadas ao PT e ao próprio estado burguês. No campo, ainda que a luta de classes seja bem mais intensa pela própria profundidade e dimensão da questão agrária em um país tão desigual como o Brasil, do ponto de vista das direções a coisa não é muito diferente. Os dirigentes do MST sempre procuraram alimentar esperanças e ilusões no governo de Lula, ainda que sejam forçados a fazer algum tipo de "tensionamento" maior do que as direções sindicais, como a marcha para Brasília que exigia a revisão do índice de produtividade (e que foi para a gaveta em poucos dias depois desta marcha, pela pressão dos aliados de Lula ligados ao agronegócio e aos latifundiários, cuja influência sobre ele é milhões de vezes superior à do MST).

Acho que esta questão agrária é de fato um bom exemplo para discutirmos esta eleição. A reforma agrária não é nada de outro mundo. É, aliás, uma questão que foi resolvida pelas burguesias dos países centrais do capitalismo há séculos. No Brasil, contudo, continua sendo a causa de morte para um número expressivo de pessoas; continua sendo a causa da miséria de milhões. Como o próprio Diego disse, o MST é o maior movimento social do mundo e é tb o que promove maior número de ações diretas de enfrrentamento, como as ocupações de terra. Mas como a gente vai resolver a questão agrária de fato? Trotsky mostrou já no começo do século passado na sua Teoria da Revolução Permanente algo que continua plenamente atual: em um país como o Brasil, uma demanda minimamente democrática como a reforma agrária NUNCA poderá ser resolvida pela burguesia. Mesmo que um ex-operário ou um partido que já foi um patrimônio da classe trabalhadora esteja à frente do estado burguês. Os número OFICIAIS dos governos mostram que nos oitos anos de mandato, FHC foi responsável por um número maior de "reforma agrária" do que ocorreu nos oito anos de Lula. Isso quer dizer que FHC é melhor? CLARO que não! Mas Lula, justamente por ter a direção destes movimentos comendo na sua mão, por ter todo o histórico de ser um dirigente operário que construiu sua trajetória política a partir de um imenso ascenso operário, etc, tem até mais poder de controlar os ânimos, de alimentar a ideia absolutamente ilusória de que é possível mudar as coisas gradualmente, pela via eleitoral.

Portanto, sim, há diferenças substanciais entre Dilma e Serra, e nas matérias do nosso jornal, que estão todas disponíveis no site da LER-QI, analisamos estas diferenças. Mas a tarefa dos revolucionários não é chamar voto em um suposto "menos pior". É combater, até o fim, qualquer ilusão que se possa ter de que a via eleitoral irá garantir uma mudança substancial na vida dos trabalhadores. Tudo o que Lula possa ter dado através de concessões como bolsa família durante seu governo, que foi durante um período de grande crescimento econômico para o Brasil, a Dilma será obrigada a retirar em nome da classe para a qual governa - a burguesia - assim que a crise econômica mostre seus efeitos no Brasil. Vide a Grécia, onde foi o governo "socialista" que implementou as medidas de austeridade que irão degradar a condição de vida das massas. O que demonstra isto é que "nunca nesse país" os banqueiros lucraram tanto, mesmo com todas as migalhas que Lula ofereceu à classe trabalhadora e a todos os pobres no país. E eles terão que partir para cima destas concessões para garantir que o estado salve seus lucros quando a crise chegue aqui com toda a força. Isso já se mostrou na primeira onda da crise, na qual tanto Serra quanto Lula deram milhões dos cofres públicos para salvar os banqueiros e empresários. O grau de ataque a que Lula estaria disposto a chegar para garantir o lucro de seus aliados pode ser vislumbrado quando este veio a público se pronunciar contra o direito elementar de greve, dizendo que greve com salário é férias. Imagina o que ele faria e diria se o negócio apertasse!

O que se trata é de lutarmos, a cada dia, para organizar politicamente a vanguarda da classe trabalhadora, para discutirmos cotidianamente com cada um que alimente a ilusão do voto na Dilma e na saída pelas reformas graduais, que o único governo que pode apontar uma saída para o capitalismo e para a profunda desigualdade social e a miséria que existem no Brasil é um governo dos trabalhadores a partir de sua auto-organização. E que para isto vale a pena lutar a cada dia. Por isto, principalmente para gente como o Diego, que diz acreditar em uma saída revolucionária, é fundamental extrair as lições do passado para saber qual deve ser nosso caminho de preparação para um momento revolucionário. Se citou aqui o Stalinismo e sua política nefasta de identificar os socialdemocratas com o fascismo e, assim, contribuir decisivamente para a vitória do nazismo na Alemanha. Esta política era, de fato, um absurdo, e era necessário que todos os partidos operários se unificassem na luta contra os nazistas, de armas na mão. Foi isso que os trotskistas fizeram, por exemplo, no Brasil dos anos 30, quando a LCI (Liga Comunista Internacionalista, que era a sessão da IV Internacional no Brasil) fez um chamado à frente única com os stalinistas e os anarquistas e debandaram de armas na mão um ato dos integralistas na Praça da Sé, no episódio que ficou conhecido como a revoada dos galinhas verdes, e que foi decisivo para desarticular esta versão brasileira do fascismo. Contudo, é completamente absurda a comparação entre a frente única para combater os nazistas e o chamado no voto para a Dilma. A Dilma não é socialdemocrata. O Serra não é fascista. A "frente única" do voto na Dilma não é uma frente única de armas na mão para combater nas ruas o fascismo. E gostaria de lembrar que alguns anos antes do stalinismo ser responsável pela derrota da classe trabalhadora na Alemanha frente o ascenso nazista, eles tiveram uma política oposta e tão nefasta quanto. A política das "Frentes Populares" era justamente baseada na unificação dos partidos operários com os partidos social democratas e com todos os setores da burguesia "progressista" em governos, sem nenhuma independência política dos trabalhadores. Foi a partir desta política de Frente Popular que o Stalinismo liquidou um dos maiores levantes revolucionários da classe trabalhadora na história - a Revolução Espanhola. Todos os partidos da esquerda - anarquistas, POUM e Stalinistas - capitularam a esta política de conciliação de classes, que preparou o terreno para o ascenso do fascismo espanhol através da subida ao poder de Franco e do esmagamento da classe trabalhadora. Vale lembrar que Franco era um dos representantes desta "burguesia progressista" que compôs o governo de Frente Popular.

Não é à toa que hoje, no segundo turno, os partidos de esquerda que tem como estratégia a conciliação de classes - PCB e P-SOL - são os que defendem um "voto crítico" em Dilma, e os partidos que, apesar das inúmeras críticas que tenho a ambos, defenderam uma posição de independência política da classe trabalhadora - PSTU e PCO - defendem o voto nulo (ainda que o PSTU "escorregue" em relação a isto, quando, por exemplo, faz a frente de esquerda com P-SOL e PCB). Pois sabem que a independência política da classe trabalhadora não é um "fetiche" ultraesquerdista, mas é uma questão fundamental e de princípios para os revolucionários, e é fundamental para desde já construirmos a independência política da única classe capaz de conduzir a derrubada do capitalismo. Por isso voto nulo no segundo turno, e chamo todos os companheiros que se dão a tarefa de construir esta independência política imprescindível para fazer a revolução a fazerem o mesmo, mostrando a todos que nem Dilma e nem Serra nos representam, e que combateremos qualquer representante da democracia burguesa na arena da luta de classes, lutando a cada dia contra a miséria do possível que este sistema quer nos oferecer.

Abraços,
pardal.

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