terça-feira, outubro 05, 2010

Os outros eram fortuitos; ocorriam, mas bem poderiam não ocorrer...

...E nem por isso deixavam de ser amores, ou deixavam de ser importantes. Todos os amores são, enfim, fortuitos, porque não há nenhuma predestinação em encontrarmos alguém e sequer em nos relacionarmos com um alguém que se encontre. Muito menos em não acabarmos com um amor, por grande que seja, que se construa com um alguém que se encontre. Todos os amores podem não ocorrer; em ocorrendo, todos podem se acabar. Sobrevivendo, podem ser feitos de memórias ou de concretude. Os que são feitos de memória sobrevivem mais facilmente, pois estão mudos, petrificados, para sempre paralisados em uma idealização fóssil. Os que são feitos de cotidiano são os que estão sujeitos a serem gastos, amargados, corroídos pelos atritos. E, se não forem renovados, desfazem-se ou se quebram.

Amar as pessoas é renovarmo-nos: conhecer novas sensações, recriar aquilo que conhecemos sobre nós mesmos e sobre como nos relacionamos com os outros. É um sopro de ar fresco no ar que respiramos, que se torna pesado e viciado com o passar do tempo. E amar alguém, verdadeiramente, é carregar esta mudança como parte de nós mesmos, sermos um pouco mais daquilo que pudemos ver sob os olhos de quem esteve em nosso coração.
Há amores que nos enganam, que nos enredam em suas ilusões porque somos tolos, porque somos cúmplices de suas mentiras, porque traçamos a seu lado e a seu favor cada falseamento de nós mesmos em cada dia, em cada beijo, em cada pequeno passo que damos na direção oposta. E que, se nos aprisionam, fazemos junto com eles cuidadosa e obstinadamente as paredes da prisão que nos sufoca. Damos a ele a água, a luz e a comida de que precisa para crescer e se fortalecer, tirando de nossa carne e de nosso prato para garantir seu sustento. Se há quem nos alerte para a obviedade de nossa miséria, muitas vezes somos nós mesmos que nos escondemos detrás das muralhas, dentro das celas e porões que criamos, para mais facilmente não ouvir as vozes que vem lá de fora.
Há outros amores que nos abrem os olhos. Que nos fazem sair da velha e mesma posição cômoda e petrificada de sempre e vermos como nossas articulações, músculos e ossos começavam a tornar-se fracos e incapazes, porque não mais nos levantávamos para nada. Como nossos olhos só sabiam enxergar na escuridão, porque com o tempo havíamos deixado de abrir as janelas. Como nosso sangue se tornava ralo e nossa perspectiva era obtusa. São amores que nos levam para longe da mesmice, que nos permitem ver de longe a caricatura de gente na qual o tempo sempre quer nos transformar e que nós, ridiculamente, havíamos permitido.

E, quando abrimos nossos olhos e enxergamos a amplitude da vida uma vez mais, o futuro volta a ser grande e nosso. Ao contemplarmos assustados tamanha vastidão, podemos cair na tentação de correr, desesperados e sem olhar para trás, para tentarmos nos refugiar de novo naquela escuridão carcomida, onde, se não há futuro e nem novidades, ao menos também não há o medo de não sabermos para onde ir, nem de ficarmos sozinhos. Mas a opção uma vez mais é nossa, e quando tomamos o caminho em frente enfrentamos perigos de sobra. Andar por ele, andar livremente e tomar nosso destino em nossas mãos (um pouco, mas não muito, como quer Sartre), porém sabendo que não estamos flutuando nas nuvens. Nossos pés estão firmemente presos ao chão, ao chão de um mundo cru que não nos poupa um sofrimento sequer. Um mundo que a cada esquina nos empurra um novo entorpecente para nos vermos livres da surpresa e da dor de sabermos que mudá-lo custa caro e não é fácil. Contudo, se é esta a opção que tomamos, devemos saber recusar sobriamente cada entorpecente, devemos saber usar as coisas em sua medida certa, na medida em que nos dê forças para seguir em frente, mas que não nos acomode em ilusões mornas. As coisas, frias, duras e cruéis estão aí a nossa frente. A solidão ainda está a nossa volta, e vai estar por muito tempo se todos ficarem isolados cada qual na sua ilusão. Por isto, cuidado: os amores são facas de dois gumes.

Um comentário:

Anônimo disse...

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