sábado, setembro 04, 2010

Mudanças morais: uma necessidade para os revolucionários

"Somos o que fazemos. E, sobretudo, o que fazemos para mudar o que somos."
- Eduardo Galeano

Àqueles que colocam suas vidas a serviço da mudança radical da sociedade, da luta pela derrocada do capitalismo e de seus pútridos alicerces, passar os dias imerso nas contradições entre a vida que desejamos erradicar e aquela que queremos construir é uma inevitável e triste realidade. Contudo, não é errado dizer que devemos medir a fibra revolucionária de um militante não apenas pela sua dedicação a lutar por uma nova sociedade, mas também pelo que ele faz, desde já, para viver de acordo com a moral que defende. Isso equivale a dizer que não podemos admitir em um revolucionário uma vida dupla: aquilo que ele luta para implementar no futuro da humanidade deve, impreterivelmente, balizar até o limite do possível as suas ações cotidianas em todos os âmbitos da vida. Aí está a caminhada na corda bamba: como nos demonstra a história e nos ensina a sua análise marxista, o modo de vida e a consciência do ser humano não podem estar dissociados de suas condições materiais de vida, do mais sólido e concreto fundamento que cimenta as suas crenças, as suas ações, a sua subjetividade.

Não há caminho fácil neste sentido: os sacrifícios que temos que fazer como revolucionários não nos serão impostos apenas externamente, por tudo aquilo e aqueles que nos combatem em nossos objetivos; há sacrifícios que nós teremos que nos auto-impingir, para que possamos de fato levar nossa vontade de mudar até o fim e que tenhamos a consciência que uma moral comunista não se ergue como passe de mágica com o fim da propriedade privada ou sequer com o fim das classes. Tais condições materiais são, sim, imprescindíveis para que esta moral possa se desenvolver plenamente. Mas as sementes das novas relações morais, da mesma forma que os instrumentos que poderão dar cabo desta sociedade de exploração e miséria, devem ser construídos num esforço consciente e desde sempre pelos revolucionários.

É neste espírito que retomo a valorosa camarada Alexandra Kolontai, autora do trecho citado aqui há poucos dias, e que travou luta ferrenha e encarniçada dentro do mais avançado partido revolucionário até hoje para que as questões do amor e da moral sexual fossem tratadas com a devida importância e como um assunto coletivo, combatendo os preconceitos burgueses que hipocritamente relegam toda a camada fétida de sua ideologia sexual a uma suposta "esfera privada" de relacionamentos. A moral sexual é um dos pontos mais arraigados da ideologia burguesa nas vidas dos que se encontram sob sua égide; os revolucionários não são exceção.

Kolontai parece partir da herança fundamental já consolidada por Engels em "A origem da família, da propriedade privada e do estado", texto que consegue apontar os elementos centrais da relação entre os sexos a partir de uma visão marxista, demonstrando que a origem da opressão da mulher está indissoluvelmente vinculada à origem da propriedade privada. A partir daí, Kolontai coloca uma lupa sobre as relações amorosas e sexuais em diversos estágios de desenvolvimento social, mostrando como as sociedades feudais, patriarcais e burguesas enxergavam o amor e as relações sexuais e de que forma isto estava atrelado às suas ideologias como um todo. A lição fundamental que ela ensina é que uma tarefa histórica essencial do proletariado será jogar por terra toda a moral sexual burguesa e erigir uma nova. E que é tarefa dos revolucionários erguer os fundamentos morais do questionamento às relações amorosas como relações de posse, ao mesmo tempo em que lutam contra os fundamentos materiais da opressão à mulher e que garantem a perpetuação destas relações.

A cada um dos que hoje levantamos a bandeira da revolução social e nos postamos no campo da classe trabalhadora em sua tarefa histórica de derrubar o capitalismo, é necessário levarmos a fundo um questionamento moral de nossas relações amorosas e sexuais. É somente através disso que poderemos abrir espaço, nas fileiras da vanguarda proletária, para um novo ar, para o desenvolvimento de uma subjetividade que possa se desenvolver sem a necessidade parasitária de se impor sobre ou dominar a pessoa que pretenda amar, ou ainda seu revés, subjugar-se e viver da dependência do afeto de outro ser. O amor só pode se tornar um sentimento mais profundo, mais verdadeiro e contribuir para o desenvolvimento psicológico e afetivo dos seres humanos, se ele for uma janela que possibilite o contato verdadeiro, igualitário, solidário e livre entre duas pessoas que possam ser independentes em sua subjetividade, e, assim, realmente companheiras, lado a lado.

Transformemos esta necessidade em reflexão, e esta reflexão em prática. Àqueles que, como eu, consideram esta perspectiva essencial, recomendo resgatar a obra de Alexandra Kolontai, aliada indispensável na luta por uma nova moral sexual, seja contra os inimigos de fora ou contra nossos próprios preconceitos e sentimentos que, neste caso, podem ser nossos piores adversários.

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