segunda-feira, outubro 04, 2010

O amor, a essência e a contingência

Hoje, quase que por acaso, dei com um livro no meu nariz: Sobre o amor, de Leandro Konder. O tal livro fala sobre alguns escritores e revolucionários, e como o amor aparece em suas vidas e obras. Uma breve olhada no índice, enquanto descansava da limpeza da festa de sexta, me despertou a atenção sobre alguns personagens ali tratados. Dei uma breve folheada no Marx, mas na verdade neste campo em particular não me interesso muito por ele e creio que não é aí que vou encontrar as melhores reflexões deste mestre, admirável em tantas outras questões de capital importância.

Passei logo a ler com atenção o capítulo sobre uma moça cuja contribuição revolucionária, aí sim, é de fazer inveja a muito marxista nesta vida (mesmo que ela não o fosse). Um capítulo curto - talvez em demasia para alguém que mereceria mais - , que li inteiro ali mesmo, me contou algumas novidades sobre a vida amorosa de Simone de Beauvoir. Vou guardá-las na cabeça e amadurecê-las, conforme eu chegue de fato a conhecer a obra desta instigante mulher.
O que me coça o cérebro agora é a definição de seus amores. Aquele que a vida inteira dividiu com seu companheiro fiel, Jean-Paul Sartre, aparecia classificado pelo casal como essencial. Os outros, mais ou menos intensos, muito ou pouco profundos, porém, sempre de alguma forma passageiros, eram os ditos contingenciais . Duas simples palavras classificando este sentimento de tamanha complexidade; duas pequenas palavras dividindo UM amor de todos os outros, unificados em toda a sua diversidade.

Isso me pôs a pensar.

Fui a alguns dicionários pra ver se realmente sabia o que era contingencial. Ali estava realmente aquilo que imaginei: as definições me diziam se tratar de algo possível, porém incerto. E o essencial, sei de relance não ser o mesmo essencial da moeda corrente. Para o existencialismo de Sartre, que está aí por detrás desta definição do "amor essencial", a existência precede a essência, e esta é o fruto de uma escolha. Ora, eu cá com meus botões não manjo lá muito deste existencialismo, mas posso dizer na lata que como marxista não-existencialista não acredito em essência, que dirá no ser humano. Há alguma semelhança com a visão de Sartre, pois de fato a existência precede a essência. Mas, esse marxismo ocidental que puxa pro idealismo, parece querer dizer pra esta "existência" e pra esta "essência" - pelo menos foi o que ouvi - que podemos escolhê-las; que o homem está fadado a ser livre, pois está fadado a determinar sua existência e, assim, sua essência. E, convenhamos, não é lá bem assim. Claro que nossas decisões individuais podem, em certa medida, mudar nossa existência e, assim, dialeticamente, transformar nossa consciência (que é a palavra que prefiro usar para determinar a tal da "essência"). Enfim, vou ler mais sobre o existencialismo, pra não falar besteira demais, e aprofundar esta reflexão.

O que me importa, de fato, é que o tal amor deles era essencial, ou seja, determinante, profundo, ancorado naquilo que a existência deles vinha a ser. Os outros eram fortuitos; ocorriam, mas bem poderiam não ocorrer. Eram frutos de circunstâncias, e não de ligações estabelecidas por um modo de viver e ver a vida. Há algo, que está além deste incômodo idealismo existencialista, em que eu acredito estar de pleno acordo na visão deste amor. Que um amor entre duas pessoas fundado em concepções, afinidades e projetos sólidos, e cimentado com uma enorme liberdade e respeito mútuos, pode navegar longamente entre amores fortuitos e ocasionais sem se deixar naufragar.
Há amores, destes contingenciais, que o tempo só pode esmorecer e apagar. Na melhor das hipóteses, transformar em felizes lembranças do passado. Mas há, raramente, amores outros. Que estão alicerçados naquilo que quiçá Sartre e Beauvoir chamaram de "essência": nossos desejos, planos, sonhos mais profundos, fruto de nossas experiências e amadurecimento, de nossos confrontos e embates com a vida. Estes amores que sabem curtir na tempestade das adversidades e brigas, temperar a firmeza e a solidez de um companheirismo que vai além das banalidades. Que não se espelha em novelas nem mira casamentos; que não se alimenta de luxúria vã; que não olha o outro como espelho ou pedestal.

Estes amores - e eles não surgem espontaneamente, mas são construídos conscientemente e com muito esforço - que são capazes de trazer à tona o que há de melhor em nós mesmos. São capazes de nos desafiar, nos jogar na cara aquilo que detestamos e escondemos e nos fazer engolir nosso orgulho para superarmos o que antes não ousávamos admitir em nós mesmos. Porque eles nos dão uma força maior do que a que tínhamos antes. Porque eles nos permitem olhar a nos mesmos pelo lado de fora, através dos olhos que mais admiramos e respeitamos; e ouvir de uma voz em que confiamos e que nos pode ser impiedosamente sincera, aquilo que ninguém mais poderia dizer. Eu acredito nestes amores. Como hoje aprendi que Simone também acreditou, e que teve que lutar para que o seu existisse e resistisse, convivendo com as amargas heranças que as condições em que vivemos neste mundo vil instalam nos nossos corações, e que nenhum livre arbítrio é capaz de extirpar.

Um comentário:

Anônimo disse...

happy for you. sure u'll make the best of it.