terça-feira, maio 25, 2004

Às vezes os dias são lutas.
Acordamos como quem não quer, abrimos os olhos e levantamos como quem não deve. Contra nós mesmos nos colocamos de pé. Como quem não quer ver este mundo que parece feito para nos maltratar. Quero me agarrar nos meus sonhos, tão lindos, tão violentamente destroçados pelo ranço da realidade. Mas é tarde demais, ele gruda, ele infecta e contamina. Estamos acordados e vivendo, e não há muito que se possa fazer a respeito. Os sonhos que pareciam tão bons, agora parecem servir apenas para explicitar, esfregar na nossa cara o desgosto de cada passo, de cada momento nesta prisão a céu aberto.
Escola, trabalho, almoço, jantar, escovar os dentes, tomar banho, trocar de roupa, pagar as contas, assistir tevê, arrumar a cama, lavar a roupa, arrumar o quarto, ligar pro Zé, marcar dentista, ir no médico, trocar as fraldas, fazer as compras, ser educado, cumprir as tarefas. Não pense muito e vai dar tudo certo. Apenas faça aquilo, mantenha os pés no chão, mantenha a cabeça cheia de vazios consistentes de realidade. Idiossincrasias em excesso. Engula-as com um pão com manteiga e um café com leite e parta pra luta. A luta de se manter em constante caminho certeiro, sem hesitar nem parar. Olhando pros lados pra ver se está na frente, se está direito. Rumo imutável, inabalável, verdadeiro, na direção do dia seguinte, do insuportável e ordinário dia seguinte que te chama. Na cama, a noite, as lágrimas tem que secar rápido. Elas não pode tomar o espaço reservado para a reconfortante certeza de que acabou. Você sobreviveu de novo, a mais um dia. E isto tem que ser o suficiente pra que você não se faça a inútil pergunta. Se você ganhou a luta, não importa. O que importa é que amanhã tem outra, e que você tem que dormir pra estar bem descansado e pronto para enfrentá-la. Algumas horas de fuga, algumas horas de sono e sonhos. Ou pesadelos com o interminável amanhã e o incorrigível ontem. Pé na estrada, de carona na boleia do caminhão que vai nos levando ao nosso derradeiro destino. Uma morte agonizante e infértil que ingenuamente denominamos vida.

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