segunda-feira, maio 04, 2020

chaves

Não quero perturbar com minhas palavras. Se ponho aqui algumas pra fora é porque às vezes parece que vão explodir, ou me envenenar por dentro se não tento colocá-las para fora. É um desabafo, um desalento para aguentar o fel dessa rotina sem sonho.

Algumas chaves são mais fáceis de entregar que outras. As chaves abrem coisas sobre as quais decidimos colocar trancas. Coisas, portanto, que não queremos que sejam de acesso público. Coisas secretas, reservadas, privadas. Coisas que queremos proteger e resguardar. Coisas importantes ou preciosas por algum motivo. Coisas cuja integridade podemos considerar ameaçada, caso ficassem destrancadas.

Se entregamos uma chave a alguém é por vezes um gesto de necessidade, outras não. Mas é sempre um ato de confiança, pois damos acesso a algo restrito. E às vezes a chave não é para nada mais do que demonstrar essa confiança.

Há muitos tipos de fechaduras e chaves. Se elas foram inventadas para proteger bens materiais, há, no entanto, muitas vezes algo muito maior em sua entrega. Mesmo que ela não proteja nada materialmente, às vezes nossas trancas protegem nossos segredos, nossas dores, nossos sonhos.

Há chaves cujo peso é imenso. Mesmo que não usemos, elas nos são caras. Devolvê-las dói, não porque não poderemos mais acessar o que há por trás de uma tranca. Mas porque já não somos alguém cuja confiança seja digna de ter uma chave. Porque estamos agora do lado de fora.

Nem sempre somos senhores de nossas próprias trancas, de nossas próprias chaves. Às vezes as pessoas podem abrir nossas fechaduras muito tempo depois que já, supostamente, deveríamos ter tomado as chaves de volta. Muito tempo depois que lhes devolvemos chaves de portas.

Algumas pessoas simplesmente podem empurrar nossas portas, e entrar, quando quiser, em nossos lugares mais recônditos, mais inacessíveis, mais bem guardados. Tirar-lhes as chaves está fora de nosso alcance. Porque para elas não há sequer portas a guardar esses segredos. As portas estão sempre abertas, as feridas sempre expostas. Não há como trancar essas dores, nem estancar essas feridas.

Nem todos os unguentos vão aliviar. Não tem remédio nem nunca terá.







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