quarta-feira, maio 06, 2020

Apesar de tudo

A voz, à distância, acalma o coração
como uma criança, que chora angustiada no berço
sem saber de si e do mundo, grita a plenos pulmões
pela ausência de sabe-se-lá-o-que, é puro desespero
e sente o seio ausente chegar, numa ilusão de completude,
e se acalma.

A voz, a fantasia de ser um só num encaixe perfeito,
acalma a angústia.
A dura realidade de ser só um, e, ainda por cima,
bastante incompleto,
é que queremos negar.

A falta, esse buraco, que pulsa, que dói
essa ânsia de procurar o preenchimento
para uma ausência infinita, e que sempre o será,
busco nesses ex-futuros planos,
onde vivo, respiro, como um prêmio ou um consolo.

A voz, do outro lado, alimenta essa fantasia tola
de que as chaves estão todas lá, e as fechaduras aqui
esperando serem abertas no momento certo.
De que os navios estão todos lá, e os portos aqui
esperando o momento certo da chegada.

Não estão. E era esse todo o engodo primeiro
A gente precisa não se iludir?
A essa pergunta, a dura resposta é:
não somos capazes de não nos iludirmos
e, no entanto, precisamos tentar isso a cada dia.

Das mentiras que inventei, você é preferida
e com as fantasias que crio disso,
e das que escuto de sua boca,
tento remendar esse buraco
que a ausência de sua presença-ausente deixou.

É o suficiente por hoje
por hoje e nada mais
para chegar ao fim de mais um dia
por mais um dia eu sobrevivo
cobrindo o futuro de ilusões
que me permitirão, quem sabe,
sobreviver também amanhã

No amanhã eu te vejo
e no três, desligamos.

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