sábado, janeiro 06, 2018

Eu fico fritando – talvez na melhor das hipóteses, porque às vezes já nem isso me sinto muito capaz de fazer – e tentando entender o que aconteceu. Como aconteceu, quando aconteceu. Como eu fiquei desse jeito. Eu olho pra trás e pra agora, tento fantasiar qualquer coisa que me entusiasme para que eu possa acreditar numa resposta mágica, pelo menos isso, uma esperança de que não precisa ser sempre assim.

Será que aconteceu uma hora que nem percebi nada? E aí de repente eu estava assim. Será que foi aos poucos? E aí fico revendo os anos, as escolhas, as coisas que fazia e que fiz. Será que foi ali, naquele momento decisivo em que ela morreu e “tudo mudou”? Mas, o pior de tudo é: será que não tem nada de “ficar assim”, será que na real eu sempre fui assim, e o presente é só uma cela suja de onde não consigo olhar para fora, e na qual fantasio que há um lugar longe dali onde tudo é bom, bonito e... sei lá, esperançoso ao menos. E cada presente sempre foi assim, mas quando essa cela se move aos poucos junto comigo ao longo dessa nossa abstração chamada “tempo” eu não consigo perceber que ela se move e deixa do lado de fora tudo o que acredito que eu deveria ser, fazer, viver.

Não – eu repito pra mim – não é isso. Eu lembro oras, lembro das coisas que fazia. Ora, eu escrevia, aqui mesmo, eu refletia, eu planejava, eu enfrentava as coisas. Eu tocava. Eu me interessava. Eu me apaixonava pela vida, pelos seus desafios, pelas suas novidades, seus mistérios. É claro que há um “fora” desse lugar em que me meti. É claro que eu vim de lá.

Veio? Nas suas tardes intermináveis de infância, nas quais a descoberta da palavra “tédio” foi quase uma epifania para expressar uma angústia infantil sempre presente. A incapacidade de levar qualquer tipo de paixão até o segundo degrau de uma longa escada. O precoce ódio da humanidade, a descoberta de sua insuficiência.

As amizades, você diz. Elas eram uma diferença substancial. Esse isolamento impenetrável de onde não consigo me comunicar com ninguém; essa impaciência com tudo, todos, comigo, com os outros: isso não era assim. Ou era? Claro, havia tempo livre, havia distração a rodo. Isso, é nítido, é sim um presente que as crianças podem desfrutar. A ausência de preocupações sérias. Ainda que, em retrospectiva, algum adulto que pudesse passear pela sua cabeça infantil certamente poderia ficar assombrado com algumas questões bem pouco infantis que já te atormentavam. A carapaça que você criou pôde ter brechas pelo contato com os semelhantes. O que acontece que nem os que mais se assemelham agora te parecem semelhantes? Por que não há contato?


As palavras já não te saem. São mecânicas, forçadas, se as consegue a custo arrancar dos dedos. São obrigatórias. A vida é um beco sem saída. Se consegue se perguntar, logo o ímpeto esmorece frente à brutal muralha de um cinza infinito, que pinta uniformemente, o fora e o dentro se confundindo, a vida e a morte indistintas. Às vezes chora, e quer pedir desculpas por todos com quem invariavelmente falhou. Os amigos que abandonou, as namoradas que decepcionou, a família a qual não pertence, os camaradas a quem trai com seu interior ressecado de onde não brota nenhum futuro. Nenhuma insignificância pode te salvar de si mesmo. Dorme e já não consegue sonhar. Corta-se, e não escorre sangue. Tua vida gangrenou. E, balbuciando esse lixo, agora já apenas por uma ilusória busca de sentido, de alívio, já não sabe o que faz. Nem porque.

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