sábado, setembro 17, 2011

Diário da Argentina: nas eleições da UBA (Universidad de Buenos Aires)

- Vou para a faculdade de ciências sociais da UBA. - digo ao motorista no meu espanhol tosco. Funciona no começo, ele nem percebe que sou "gringo".
- A que fica no bairro X?
Meu disfarce não resiste ao primeiro teste. Eu sei o nome da rua, e até como chega lá, mas não o bairro. Afirmo que é na Marcelo T. de Alvelar e revelo que "no soy de acá".
- Sim, sim, é logo ali. Política?
Surpreendo-me.
- Sim, como sabe?
- Estão acontecendo eleições em todas as faculdades. - mostra-me os prédios quando passamos. - aqui é a odontologia, ali o direito (ou era medicina?). A Sociais é a mais politizada.
Vendo no google, antes de sair, eu descobri que tive sorte. Tinha receio que fosse difícil encontrar os meus camaradas do PTS, nosso partido na Argentina, o maior de nossa organização internacional. Mas no e-mail que recebi dizia que havia eleições para os centros estudantis, e procurando no google descobri que estava há meia hora a pé da Sociais. Ia andando, mas além do cansaço da viagem, minha ansiedade por chegar logo me fez optar por pegar um táxi. Agora que estava conseguindo, apesar de meu portunhol e de minha escassa habilidade para conversar, falar com o motorista, não me arrependi. Ele me ensinou como voltava de ônibus, me deu o troco em moedas para pegá-lo, afirmou conhecer o PTS e me disse que naquele dia havia uma marcha pois completavam-se 35 anos da "noche de los lapices" artigo do PTS sobre os 35 anos da "Noche dos lapices" e artigo do PTS há 33 anos da "noche". Quando lhe contei que era da organização irmã do PTS no Brasil, disse-me que conhecia o PTS. Deixou-me à porta da faculdade dizendo:
- Buena sorte com tus compañeros! És preciso luchar!
Impressionante o que vi quando cheguei lá. À porta, dezenas de cartazes, faixas, militantes de todas as chapas. Entrei procurando algum camarada. A faculdade estava tomada pelas eleições, num clima de debate e politização que só havia visto antes nas eleições presidenciais de 89 no Brasil. Perguntei para um estudante que panfletava, que logo me levou aos camaradas do PTS, que imediatamente me receberam calorosamente quando disse que era militante da LER-QI.
Gastón, meu camarada que conheci por lá, foi quem mais me guiou pelo mundo desconhecido das eleições da sociais. Vi os corredores apinhados de gente por todos os cantos, todas (e quero dizer realmente TODAS) as paredes estavam preenchidas de cima a baixo pelos "afiches" das distintas "listas" (chapas) que concorriam. Não sei quantas haviam, mas Gastón me disse que as principais eram três: o kirchnerismo (governismo), o autonomismo estudantilista, que é uma espécie de esquerda reformista (o grupo que é seu principal expoente, "La Mella", surgiu anos atrás de um racha à direita de um dirigente estudantil de nosso partido); e, por fim, a nossa chapa, da esquerda revolucionária. Somente nossa chapa era composta por oito grupos diferentes: PTS, PO, IS, MAS (troskos), 29 de Mayo, PRISMA (maoístas envergonhados), FEL (anarquistas) e El Viejo Topo (estudantilistas). Sei lá quantos milhares de outros compunham cada chapa. Vi nos cartazes, eram muitos.
Contrariamente ao que parecia pelos corredores entulhados de gente, foi-me dito que era um dia vazio: quase todas aquelas pessoas eram das chapas. Mesmo dentro das salas de aula todas as paredes eram forradas de cartazes. Era o último dia de eleição, e estavam votando também os professores, pois as eleições eram unificadas com o conselho diretor de cada faculdade e com as direções de cada carreira (cada curso dentro das faculdades). Christian Castillo, "Chipi", nosso camarada que é professor de sociologia e é candidato a vice-presidente pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) era também candidato a diretor da carreira de sociologia. Ganhou de longe entre estudantes, mas o voto destes vale muito pouco: algo como vinte, sendo o dos funcionários 70 e dos professores 100. Impressionante como a própria estrutura de poder da universidade é milhões de vezes mais democrática que aqui, disse aos meus camaradas.
- Sim, sabemos que é muito mais democrática que nos outros lugares, mas isso não nos impede de fazer um grande barulho para protestar.
E aqui no Brasil, o movimento estudantil adapta-se à miséria completa. Pedem no máximo diretas para reitor. Quando levantamos o programa de dissolução do Conselho Universitário e constituição de um governo tripartite com maioria estudantil, chamam-nos de loucos...
Meu espanhol porco me atrapalhou muito (entendia tudo quando falavam comigo, mas quase nada quando falavam entre si ou quando cantavam), mas tudo o que vi foi suficiente para me deixar assombrado. Óbvio que já sabia o quão diferente é a situação política daqui e do Brasil, onde vigora uma passividade acachapante. Mas ver de perto nunca é o mesmo.
O que mais me espantou, para além da quantidade e da qualidade dos militantes, da quantidade de propaganda política e de votantes, foi a moral que têm. E isto não apenas de meus camaradas, mas de todos, inclusive o governismo! Nas eleições da faculdade de sociais votam aproximadamente 8.000 estudantes (já é mais do que para o DCE da USP. Hoje li uma notícia sobre as eleições de ontem (com um caráter bem menos reacionário e superficial do que nas de qualquer jornal brasileiro) no jornal "La Nación", que afirmava que em todas as votações foram cerca de 300.000 estudantes!!!
Depois de terminada as votações, formavam-se blocos de dezenas de estudantes das distintas chapas e cantavam-se palavras de ordem de confronto. No auge do tensionamento estivemos próximos de um embate físico com os governistas (eram a chapa mais à direita nas eleições). Infelizmente meu espanhol limitou muito não apenas meu entendimento como minha participação, mas as poucas que entendi cantei a plenos pulmões com meus camaradas. Os governistas nos provocavam com canções despolitizadas que diziam que o PTS é "a fração da fração da fração". Respondíamos:
- Vai acabar, vai acabar! A burocracia sindical!
Lembrávamos a morte de Mariano Ferreyra, companheiro do Partido Obrero assassinado pela burocracia sindical kirchnerista durante a luta pela incorporação dos terceirizados nas ferrovias (o livro editado pela LER-QI sobre a greve das terceirizadas da USP em 2005 "A precarização tem rosto de mulher" foi dedicado a ele). Cantávamos:
- E Mariano Ferreyra nós vamos vingar, e Mariano Ferreyra nós vamos vingar, com piquete e a greve geral!
Denunciávamos o caráter antipopular e antioperário do governo de Cristina Kirchner cantando:
- Kirchnerista, que popular: é o governo com mais presos por lutar!
Há uma que gostei muito, da qual já havia ouvido uma variação cantada pelos trabalhadores da Brukman:
- Universidad a los trabajadores! Y a que no le gusta: se jode, se jode!
Havia uma infinidade de outras músicas, muito mais longas e complexas, que infelizmente não sei reproduzir (certamente é daí que herdamos noss hábito na LER-QI de fazer palavras de ordem muito mais complexas que a esquerda brasileira. Já cheguei a ouvir de uma amiga do PSTU que nossas palavras de ordem eram impossíveis de aprender rs).
A faculdade havia sido dividida em três blocos: na frente, na rua, ficaram os governistas; dentro, "nosotros, la izquierda"; no estacionamento estava "La Juntada", a esquerda autonomista. Esta situação durou por longas horas com os camaradas cantando incansavelmente contra os governistas. Depois, saímos ao estacionamento, onde, debaixo de uma fina chuva, os camaradas desenrolaram as bandeiras e passaram a se enfrentar com cantos com "La juntada". Eram incansáveis! Eu, exausto, acabei indo para casa, sabe-se lá até que horas ficaram.
Amanhã é dia de marchar contra a impunidade e o acobertamento do governo ao desaparecimento de Julio López, lutador que testemunhava contra os crimes da ditadura e está há cinco anos desaparecido Chamado do PTS ao ato amanhã

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