terça-feira, janeiro 28, 2014

#[Não] Vai ter Copa?[!]

Ele sai de casa às 5 da manhã, 
chega quase 7 da noite e não tem tempo
 nem de fazer um curso. (...) É o Fabrício que me sustenta. 
Fui ao banco e estou com as contas atrasadas. 
Eu não tenho como pagar as minhas contas.

- Evanilse, mãe de Fabrício, jovem de 22 anos vítima de três tiros da polícia militar no ato em São Paulo.

Não acho que são manifestantes quem anda com estilete,
 com materiais supostamente explosivos, com bolinhas de gude,
 e outros instrumentos que servem muito mais para agressão.

- Fernando Grella, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, defendendo a ação da PM contra Fabrício. 


Dilma e seu parceiro, Joseph Blatter, presidente da FIFA, comemoram o grande evento
No dia 25 de janeiro o fantasma das mobilizações de junho, que tiraram o sono dos principais governantes do país, voltaram a rondar pelo país. É verdade que o número de manifestantes que se reuniram em 13 capitais estaduais não chega a somar nem o que havia em um dos grandes atos de junho. Mas tampouco as manifestações contra o aumento da tarifa começaram com dezenas de milhares. O que vemos hoje é nada mais do que a primeira batalha de um longo combate, que por sua vez faz parte de uma secular guerra.

A copa é o evento em torno do qual se organizam os campos em conflito: de um lado os grandes capitalistas que têm lucrado e lucrarão ainda bilhões, bem como os governos que são eleitos com seu financiamento e que são pouco mais do que marionetes em defesa de seus interesses econômicos e políticos; do outro lado estão os "deserdados" da copa: todos aqueles que teriam que economizar muito - talvez anos - para sequer conseguir comprar o mais barato dos ingressos de um jogo qualquer deste evento que será realizado ali do lado de suas vidas cotidianas. Ao mesmo tempo em que começam a se organizar as vozes insurretas dos que não aceitam passivamente a realização da copa, se levantam do outro lado os porta-vozes de sua defesa.

A preocupação não é pouca: desde a copa das confederações, em que verdadeiras batalhas campais ocorreram nas cidades-sede, com direito a mortes causadas pelas agressões da polícia, como a do jovem Douglas Henrique, que caiu de um viaduto em Belo Horizonte, tanto a FIFA como o governo federal passaram a colocar os atos contra a copa na sua agenda de principais preocupações para garantir que tudo ocorra bem no bilionário evento. E, como todo bom déspota sabe, a arma do convencimento é tão importante quanto as armas físicas, por isto o PT lançou uma anti-campanha chamada #Vaitercopa, com direito a uma tremenda campanha na internet de seus blogueiros e dos partidos governistas "de esquerda", com a juventude do PT e PCdoB na linha de frente. 

Cartaz da campanha #VaiTerCopa idealizada pelos governistas na internet

Alguns dos "pontos altos" desta campanha tem sido, por exemplo, o alistamento de voluntários para trabalhar na copa feito pela UNE - entidade que supostamente representa os estudantes universitários nacionalmente, mas que é dirigida há décadas pelo PCdoB através de eleições fraudulentas com direito a métodos de gângster de burocracia sindical, como espancar a oposição, e assim virou uma mera correia de transmissão estudantil do governismo. A entidade pretende recrutar dezoito mil pessoas para trabalhar de graça na copa; afinal, seria pedir demais que as corporações que terão lucros bilionários ainda pagassem para que pessoas trabalhassem no evento, não é? Recentemente, o pessoal do #Vaitercopa lançou uma nova campanha: a #Vaiterfusca, na qual pretende arrecadar dinheiro para comprar um fusca novo para o "seu Itamar", o cidadão que tentou atravessar uma barricada de colchões em chamas com seu carro. Os "generosos" doadores divulgam a falsa informação de que os "baderneiros", os "black blocks" atearam fogo propositalmente no carro com as pessoas dentro.

A campanha do #VaiTerCopa tem o seguinte eixo: quem é contra a copa, é contra o Brasil. Ou ainda, quando é mais abertamente petista, diz: quem é contra a copa "faz o jogo da direita", tal como eles dizem em todos os momentos contra qualquer um que os critique pela esquerda (quem é pela punição dos mensaleiros "faz o jogo da direita", quem é contra o governo do PT "faz o jogo da direita" e, numa versão mais apelativa, até a Marilena Chauí disse que os black blocks eram "fascistas"!). O célebre petista Paulo Henrique Amorim chegou ao cúmulo de, em seu blog Conversa Afiada, afirmar que "o #NãoVaiTerCopa é um movimento terrorista", comparando o incêndio do fusquinha do "seu Itamar" com o incêndio do Reichstag (parlamento alemão que foi incendiado pelos nazistas) e afirmando que as manifestações são uma "obra-prima da direita" (sic!). Pode-se dizer, sem exagero, que o fusquinha de seu Itamar virou o grande mártir da campanha #Vaitercopa. Talvez os três tiros de que foi vítima Fabrício - que segue internado em estado grave - tenham pouca importância diante de... um fusquinha destruído!

Cena cinematográfica do fusquinha do Itamar em chamas - o mártir do #vaitercopa dos governistas

Como um exemplo da campanha podemos citar o texto do Antonio Lassance no site petista Carta Maior. O esforço que os ideólogos petistas vêm fazendo para combater o movimento espontâneo do #NãoVaiTerCopa! demonstra a preocupação que o risco de manifestações tem causado aos petistas, por mais que repitam histericamente que "são uma minoria barulhenta". O texto de Lassance na Carta Maior começa com pérolas nacionalistas dignas de nota, como "Pela primeira vez em todas as copas, a principal preocupação do brasileiro não é se a nossa seleção irá ganhar ou perder a competição. (...) Um clima esquisito se alastrou e, justo quando a Copa é no Brasil, até agora não apareceu aquela sensação que, por aqui, sempre foi equivalente à do Carnaval." É natural que a primeira reação de qualquer pessoa que não está cegada por um petismo crônico e conhece um pouco a história do nosso país seja a de associar este patriotismo fervoroso ao ufanismo da ditadura militar, que colocava a seleção brasileira como tropa de choque ideológica da sua campanha de "pão e circo" para abafar os gritos dos que eram torturados e assassinados nos seus porões. Hoje, a tentativa do governo petista é abafar os protestos e colocar o PT "lá em cima" pra disputar a eleição no fim do ano. E, ao longo do texto o autor destila muito mais ladainha patriótica para comover os brasileiros a não serem mais dos que "torcem contra o Brasil", tal como qualifica os que são contra a copa (Ame-o ou deixe-o!). Mas vejamos seus argumentos menos nitidamente ideológicos e tentam se encobrir com números.

Um dos fatos que gera mais indignação em nós que vamos às ruas contra a copa, é, evidentemente, a cifra exorbitante dos gastos com o evento. Desde 2007, quando a FIFA fez a primeira previsão para a construção e reforma dos estádios, orçada em R$2,6 bilhões, houve um aumento de mais de 300% neste custo. A previsão inicial de 20 bilhões de reais contando todos os custos passou já para 28,5 bilhões, segundo o Ministério dos Esportes (Lassance fala em 26 bi). O autor rebate isto dizendo que "apenas" (!!!) 8 bilhões deste dinheiro (dados oficiais falam em 8,9 bi) serão gastos com estádios, e o restante com infraestrutura que ajudará todos os habitantes. Que lindo! Mesmo que isto fosse verdade, comparemos estes 8 bilhões em um evento de um mês com o orçamento anual da educação no Brasil: R$ 101,86 bilhões (5,8% do PIB), para todos os níveis educacionais em todo o país durante um ano inteiro! Portanto, para além dos "pequenos ajustes" que Lassance faz nos números oficiais (afinal, o que é um bilhãozinho a mais ou um a menos para este "impávido colosso" promover sua grandeza mundo afora, não é?), podemos dizer que os seus "apenas" 8 bilhões não tem nada de pouco. No Brasil o governo investe na educação, em média, R$ 5.800 reais por aluno por ano (metade do recomendado pela OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), contando todos os níveis de ensino. Na primeira fase de vendas de ingressos para a copa, um pacote para assistir a sete jogos na "categoria 1" custa R$ 6.700. Acho que nem todos os "amantes da pátria" poderão ver os jogos de perto... e talvez nem todos tenham uma educação minimamente digna, mas, deixemos isto pra lá e sigamos com os números.

Quando Lassance e os dados oficiais falam em gastos com "infraestrutura" (que ajudam a todos, veja que democrático!), sob este rótulo bonito escondem o caráter real das obras. Como disse o secretário-executivo do Ministério dos Esportes, Luiz Fernandes: "são 51 obras ao todo, espalhadas pelas doze cidades que vão receber a copa". Em junho do ano passado, foi divulgada uma das últimas grandes revisões dos gastos da copa, que mostrava que o gasto com estádios crescia e o gasto com infraestrutura diminuía. As duas únicas obras de infraestrutura em Manaus, por exemplo - o monotrilho e o BRT (Bus Rapid Transit) eixo lestem, com custo total de R$ 1,6 bilhões - foram removidas dos projetos, bem como o o monotrilho da linha 17 da CPTM em São Paulo - que custaria R$ 1,9 bilhões das verbas da Copa e mais de R$ 3 bilhões no total). 

Todas as mudanças de gastos seguem este padrão: retirada de obras que minimamente atendem ao interesse da população e incremento de obras nos estádios e seu entorno, que só beneficiam a FIFA e a burguesia ligada à copa. Assim, também a maior parte das obras de "infraestrutura" são em aeroportos - R$ 6,7 bilhões (que vão beneficiar muito a população trabalhadora, que, como todos sabem, não vai espremida como sardinhas em trens, ônibus ou metrô para seu trabalho, mas sim vai cuidar de seus negócios na Europa, sofrendo as "terríveis filas" dos aeroportos) - , ou obras no entorno dos estádios (apenas a intervenção em torno do Itaquerão custará R$ 317,7 milhões, sendo que nos anos de 2011 e 2012 o governo estadual investiu em toda a linha vermelha de metrô onde uma parcela considerável da população paulista é esmagada duas vezes por dia, a cifra de R$ 384 milhões).

Além disso, Lassance nos faz a gentileza de informar que "Quase 2 bi serão gastos em segurança pública, formação de mão de obra e outros serviços". Se é que podemos confiar em seus números, vamos ver qual o excelente serviço que presta à população a "segurança pública" - ou polícia, coxa, gambé, porco (no sul) etc. para nós, leigos em administração pública. Entre tantas coisas que a polícia faz pelos cidadãos brasileiros - como, por exemplo, sua "altíssima produtividade", chegando a matar cinco pessoas por dia e sendo uma das mais "produtivas" do mundo - vamos nos deter, já que é este o assunto, aos serviços prestados pela boa realização da copa. Podemos citar, por exemplo, a bem sucedida remoção dos índios que ocupavam a Aldeia Maracanã para que ali fosse realizada uma das incríveis obras de infraestrutura da copa que "irá melhorar a vida de todos": um estacionamento.

Índio que habitava a aldeia Maracanã impede o progresso da nação, mas companheiros da segurança pública ao fundo preparam seus argumentos para convencê-lo de que a Copa é de todos
A Odebrecht e outros participantes do consórcio responsável pelas reformas do Complexo do Maracanã, ao contrários dos teimosos índios e estudantes que foram ali apoiá-los (claramente gente que está contra o Brasil e fazendo o jogo da direita), foram grandes apoiadores das medidas de segurança pública adotadas e agora trabalham na infraestrutura que irá remover esta incômoda morada indígena em plena cidade para que todos possam democraticamente usufruir da copa.

Mas se você acha que as contribuições da Segurança Pública para a copa terminam aí, está muito enganado. O Portal Popular da Copa calcula que, entre Copa e Olimpíadas, serão removidas de 150 a 170 mil pessoas, sempre contando com os bons serviços da segurança pública para ajudar na mudança. São dezenas de comunidades que serão beneficiadas por estas melhorias, perdendo suas casas para dar espaço a algo muito mais importante: a alegria de sediar a copa do mundo. Veja, por exemplo, estes alegres moradores que tiveram o privilégio de ceder seus lares para a construção da Transoeste no Rio (que, por um problema de cálculo, acabou passando longe):


E, é claro, não podemos esquecer outro serviço indispensável para a Copa, a FIFA, a Dilma e todos os brasileiros que têm orgulho de ser brasileiros e sediar este grande evento: convencer estes teimosos descontentes que eles estão fazendo barulho à toa. Para isto, contam com a ajuda da Lei Geral da Copa, mais conhecida como "AI-5 da Copa", por sua leve semelhança com o decreto da ditadura que suspendia diversos direitos constitucionais dos brasileiros (claramente, de gente que não queria ajudar o país crescer). Esta simpática lei - aprovada com grande rapidez graças aos eficientes serviços dos deputados petistas Vicente Candido (relator do projeto) e Jilmar Tatto (que pediu regime de urgência para sua aprovação - proíbe greves até três meses antes da copa, estabelece a instituição de "crime de terrorismo" inexistente na legislação brasileira (opa, quem se lembrou do Paulo Henrique Amorim chamando os protestos contra a copa de "terrorismo"?), proíbe o comércio de ambulantes ao redor dos estádios (afinal, ninguém quer que os dólares dos turistas por acidente acabem beneficiando os pobres!), responsabiliza o Estado brasileiro por danos decorrentes do evento (afinal, se os "terroristas" forem acidentalmente assassinados pelas forças de "segurança pública", ninguém quer que isso cause algum problema legal para uma entidade prestigiada internacionalmente como a FIFA, né?), entre outras coisinhas mais.

Grafite comenta os investimentos de infraestrutura referentes à segurança pública na Copa

Além disso, parece que a Dilma e seu amigo Blatter estão realmente preocupados com a nossa segurança, e por isso nossa presidenta fará uma tropa especial de dez mil homens para confraternizar com os "terroristas" que não estiverem tão felizes com os estádios, as remoções, os investimentos em infraestrutura. O dia 25 de janeiro foi, sem dúvida, um primeiro ensaio de como irão agir estes delicados porcos fardados nos momentos mais cruciais. Veja por si mesmo como eles são amigáveis com os manifestantes que tentavam se proteger das bombas e cassetetes dentro de um hotel:


Um dos manifestantes que eles "cuidadosamente renderam" ficou assim:


Já esta outra, professora, agredida pela polícia, ouvia dos policiais "vadia!" e "filha da puta!" enquanto estes a chutavam, caída no chão.



Mas não é só a repressão física que estão preparando: discursos de PT e PSDB vem se encontrando na "linha dura" contra as manifestações contra a copa. Enquanto de um lado Paulo Henrique Amorim nos chama de "terroristas", de outro lado Fernando Grella diz que, sim, a polícia está certa em meter bala (não mais as de borracha que cegaram um jornalista ano passado) nos manifestantes para se proteger "legitimamente" de um estilete escolar e de seu material "supostamente explosivo" (sic!). Fabrício, neste momento, está na UTI em estado grave. E o Estado está dando para a polícia licença para matar em manifestações.

E, se a maior parte dos gastos já está feita, por que vocês vão às ruas protestar? Não é melhor agora deixar a copa acontecer? Não! Não vamos deixar a copa acontecer porque não nos calamos diante de todos os crimes que estão ocorrendo. Nos recusamos a ir para nossas casas, ligar as tevês e assistir pacatamente os jogos da copa que está sendo utilizada como pão e circo para abafar a miséria, para continuar gerando os lucros inumeráveis de poucos enquanto milhões morrem por nenhum outro motivo se não a exploração e opressão de que são vítimas para que estes parasitas enriqueçam. No Rio de Janeiro, durante o ato, nossos camaradas da Juventude às Ruas puxaram a palavra de ordem "Fifa é o caralho! Lá no Maracanã tem sangue operário", em referência aos operários que foram assassinados (isso mesmo, assassinados) pela queda de um guindaste no Maracanã em decorrência das péssimas condições de trabalho fornecidas pelas máfias da construção civil com a conivência dos governos. Quando o ato começou a entoar estas palavras, trabalhadores da construção civil ao lado aplaudiram e saudaram a passagem dos manifestantes. Não estaremos em casa porque é ao lado destes que queremos estar, dizendo que não somos apenas contra esta copa, mas contra tudo o que ela representa, e que não descansaremos enquanto não derrotarmos os que fazem este mundo ser como é.

Lutamos contra a copa não como um fim em si mesmo, mas como parte da guerra que travamos para que esta sociedade seja dirigida pelos que produzem tudo, e para que possamos ter escolas, hospitais, transporte público, moradia, tudo isto de qualidade e para todos, para atender as necessidades dos trabalhadores e do povo pobre, e não para o lucro de um punhado de parasitas. A copa representa este mundo velho e podre, onde alguns esbanjam dinheiro enquanto outros morrem por não terem atendidas suas necessidades mais elementares. Queremos estar na linha de frente da luta contra a copa com este sentido: de transformar esta revolta em uma luta por um mundo novo, uma sociedade sem exploradores e explorados, onde cada um produza de acordo com suas possibilidades e tenha acesso ao que é produzido de acordo com suas necessidades. E, pode apostar que, no que depender de nós, #NãoVaiTerCopa!

Operários da construção civil saúdam ato no Rio ao ouvir a palavra de ordem: "Fifa é o caralho! No Maracanã tem sangue operário!"





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