segunda-feira, janeiro 13, 2014

um "rolezinho" na sociedade de classes


Vivemos no país com a segunda maior população negra do mundo. A maior fora da África. Considerem que este dado é subestimado, já que o racismo institucionalizado no nosso país entra fundo na cabeça de todos, incluindo dos próprios negros, que por conta disso muitas vezes acabam se enxergando como tudo que se possa imaginar (escurinho, moreno, jambo, pardo, marrom etc etc.) menos como aquilo que são: negros. Quem poderá culpá-los por querer se livrar daquilo que poderia ser considerado um estigma, neste país que é um dos mais racistas do mundo?

Um país construído na base da chibata e do pelourinho, com o maior influxo de escravos da história da humanidade, patrocinado pelos imperialismos europeus para explorar melhor este país e construir a sua riqueza. Um país que criou as favelas, os bandeirantes, a polícia mais assassina do mundo para tentar controlar uma população negra que ao longo da história deste país foi relegada ao que há de pior na sociedade. Uma população que nunca foi passiva ou resignada diante de sua exploração, mas que lutou, assassinou seus senhores, construiu seus quilombos, que luta a cada dia, como acontece hoje contra as remoções da copa. A escravidão não acabou com a abolição de 1888; ela apenas começou.



A escravidão mudou de nome, mudou de roupa, tornou-se assalariada e mudou de discurso, vestindo o disfarce encardido e cínico da ideologia racista da "democracia racial", que quer convencer os explorados e oprimidos de que já conseguiram sua liberdade e que somos todos iguais nesta sociedade miserável. A escravidão mudou de vários jeitos, mas não mudou de cor. Provar isto é tão simples quanto parece: entre em qualquer prédio público, um fórum, por exemplo. Veja a cor dos advogados, juízes, magistrados. Agora veja a cor dos que limpam os banheiros, dos seguranças. Entre em um condomínio de luxo, veja a cor dos moradores; agora veja a cor das babás, porteiros, empregadas, faxineiras, motoristas, seguranças. Entre em uma universidade pública como a USP ou a Unicamp; entre em uma sala de aula e veja a cor dos alunos. Agora, vá ao bandejão, para a cozinha, e veja a cor dos funcionários. Entre em um presídio e veja a cor dos presidiários; entre em um parlamento e veja a cor dos parlamentares. Vá a um jogo da copa, veja a cor dos que ocupam as cadeiras. Vá ao lado de fora, veja a cor dos camelôs. Veja as estatísticas salariais, de mortes violentas, de presos, de educação, saúde e moradia. Veja a cor delas. Não há nenhuma mágica argumentativa que possa, diante da realidade, sustentar que não há racismo no Brasil.



Mas o que há é muito cinismo. Nas escolas, nas universidades, nas novelas, na religião, nas famílias. Nos ensinam mentiras, mentiras tão grandes e poderosas que chegam a fazer as pessoas não conseguirem ver o que há bem diante de seus narizes. Fazem as pessoas não verem que dentro de um shopping center, o mais simbólico templo do consumo em nossa sociedade, os negros tem lugares bem determinados: atrás dos balcões das praças de alimentação, vestindo os uniformes de funcionários de limpeza, os uniformes dos seguranças.



Até onde eu sei, começou na cidade de Vitória, no final do ano passado: jovens realizavam um baile funk num píer, ao lado de um shopping. Os bailes funk, tal como outrora os terreiros de candomblé ou as rodas de capoeiras (manifestações culturais predominantemente do povo negro) vem sendo criminalizados e perseguidos. Assim, a polícia resolveu acabar com o baile, e os jovens se refugiaram dentro do Shopping Vitória. Os clientes ficaram apavorados quando viram os jovens, em sua maioria negros, entrando: tratava-se de um arrastão, para eles. A polícia interviu, prendendo as centenas de jovens que não estavam fazendo nada, se não tentar procurar proteção da própria polícia e de sua violência assassina e racista.



Foi depois disso que os "rolezinhos" começaram a ser marcados por todo o país. Milhares de jovens que sofrem todos os dias com o racismo, a violência policial, a exploração em seus trabalhos, a falta de lazer em suas comunidades, resolveram se vingar, e dizer que eles também tem direito de andar no shopping, como qualquer branco cheio de dinheiro. Mas a nossa sociedade discorda desta conclusão.



Primeiro foi a polícia, intervindo da única forma que sabe fazer, de forma violenta e racista, para assegurar o passeio "tranquilo" da classe média branca dos shoppings. Depois, a justiça seguiu seu exemplo e passou a conceder liminares aos shopping proibindo os rolezinhos e garantindo multas e prisões para quem os praticasse. Qual o crime? Estar em um lugar ao qual você não pertence. Mostrar àqueles que querem que você exista apenas para servir, que você existe também quando não está de uniforme e trabalhando. Os que criaram e perpetuam a desigualdade e a miséria tem medo: temem todos os dias que a violência que eles mesmos criaram venha bater em sua porta, venha tomar deles aquilo que eles sistematicamente negaram à maioria. Por isto, escondem-se em enormes condomínios com grades e seguranças (muitas vezes negros, mas devidamente uniformizados e servindo); por isto, apelam para a polícia para ameaçar, reprimir, enxotar. Por isto escondem-se nos shoppings, espaços controlados, seguros, onde estão entre os seus. E por isto os rolezinhos lhes apavoram tanto.


O apartheid e o racismo no Brasil não tem nada de sutil ou velado. Ele é tão ostensivo, assassino e opressor quanto foi na época em que os senhores de engenho chicoteavam seus escravos. Só não vê quem não quer, ou quem está soterrado pela ideologia de uma classe dominante que vive com medo. Com medo de que a classe trabalhadora negra deste país tome seu destino em sua própria mão e acabe com os descendentes destes senhores de escravos, que vivem ainda hoje fazendo dos seus quartos de empregadas, de seus presídios e camburões as senzalas modernas.

Hoje, no Facebook, um amigo de uma amiga disse que a comparação entre a proibição aos rolezinhos e o apartheid (regime de segregação racial existente até os anos 90 na África do Sul) era desproporcional e descabido. Por que?, eu pergunto. Quando um estado tira sua máscara e diz abertamente que os negros não podem frequentar o mesmo espaço que brancos sob pena de serem presos, agredidos e multados, sem sequer se dar ao trabalho de uma justificativa, por mais esdrúxula que esta seja, isto é apartheid. Isto é o estado dizendo que os negros tem um lugar na sociedade, que é o de explorados.



Estes são os calouros da FEA (Faculdade de Economia e Administração da USP) fazendo seu "rolezinho" no Shopping Eldorado em 2011, devidamente guiados por seus veteranos, que tal como num ritual militar iniciam os "seus bixos" para ensiná-los na tradição do corporativismo e da segregação, cantando que a "FEA USP é a melhor escola do Brasil" e comemorando a exclusão social do vestibular berrando que "só burro paga", enquanto mais de 70% da juventude brasileira (principalmente os negros) estão excluídos das universidades públicas que sustentam com seus impostos. Destilam também machismo com suas musiquinhas imbecis.

Reparem no começo do vídeo o segurança passivamente observando ao lado, sem esboçar reação durante os mais de dez minutos desta manifestação que expressa o que há de mais nojento, racista e elitista na "universidade de excelência". A coluna da direita no Youtube mostra que tal evento ocorre todos os anos, sem nenhuma interferência da polícia, nenhuma liminar da justiça, sem tropa de choque prendendo e espancando ninguém.



Os que são proibidos pela justiça e pela polícia de entrar no shopping numa decisão que escancara o apartheid social existente na nossa sociedade são os mesmos que estão excluídos das universidades por outro tipo de apartheid tão naturalizado: o vestibular. Estes que comemoram a exclusão dos negros das universidades neste vídeo são os mesmos que exijem a presença da polícia para tirá-los de seus locais de lazer, os shopping centers. Na concepção desta burguesia e pequena burguesia, de maneira escancarada ou velada, a única função dos pobres e negros é serví-los: do outro lado do balcão nas praças de alimentação, limpando suas salas de aula como trabalhadores terceirizados.

Passa da hora de dar um basta ao apartheid que existe nesta sociedade racista. O capitalismo é a principal fonte disto. A libertação do povo negro só virá com a revolução, com o fim da sociedade de classes, com a dissolução da polícia que serve para reprimir o povo negro e os trabalhadores. 

Come ananás, mastiga perdiz: teu dia está prestes burguês!
A revolução brasileira virá, e ela será NEGRA!






7 comentários:

Anônimo disse...

Só um completo imbecil ou alguém com uma agenda política - tanto faz se de direita, ou de esquerda - transformaria uma questão tão simples como modos e boa educação em uma luta de classes. É tão simples como isso. Que combinem, se reúnam e vão, mas que se comportem como gente. Desde quando é preciso dinheiro pra saber se comportar (eu tava na roça, amigo)? Mas essas pessoas TEM SIM que respeitar o espaço e o direito tanto do Shopping, como dos outros clientes.

Anônimo disse...

Concordo !!Eles entram com atitudes e olhares susoeitos...se acham os donos do mundo.Sao intolerantes e agressivos.Isto nao e problema de cor ou raça...isto e um grande problema de falta de educaçao!!!

Anônimo disse...

entao vc nao entendeu o texto. sim, é um grande problema de falta de educaçao, porem os mais atigidos por este problema sao os pobres e negros. enfim, nao deixa de ser um problema de cor e de classe, o momento é pra refletir, nao simplesmente dizer se é certo ou errado, mas cada um faz o q quizer nao é? entao deixe fazer.

Unknown disse...

É triste a nossa realidade, e mais triste ainda ver certos pensamentos, é fácil taxar como falta de educação a atitude de alguém tão marcado pelo preconceito, invisibilidade e desrespeito, porque assim toda a nossa culpa, todos os olhares que lançamos reforçadores de um estigma somem e a falta de educação DELE é que se sobressai. Não sei se concordo com Marx ao dizer que a revolução é a solução pro fim desse sistema, mas acredito que uma mudança de pensamento ja acarretaria grandes transformações nas relações sociais.

John disse...

O autor parece definir a cor baseada na classe social ou, pior, em quem é atacado pela polícia.Por que o jovem sendo segurado pela polícia no terceiro quadro de cima para baixo é considerado "negro" e as várias pessoas de pele escura na primeira imagem (que não estão sendo detidas) não são?Seria porque o autor não quer admitir que existe sim gente negra no shopping consumindo sem sofrer a opressão da polícia?E por que elas existem, se você diz que lugar de negro é atrás do balcão?

Outra coisa.Nem todos (provavelmente nem uma pequena fração) da classe média é descendente de fazendeiros escravistas.Não se esqueça da imigração européia e japonesa em massa no século 20, o que ocorreu depois da abolição.Tentar forçar essas categorias binárias para parecer mais real sua fantasia de luta histórica é o ponto mais fraco do texto.

Rodrigo Moraes disse...

Deixar fazer? por acaso vivemos em um mondo que não existem regras? regras são para todos. a questão de sr invisível para um determinado grupo social não JUSTIFICA as atitudes agressivas de outros. querem chances na vida vão estudar, só não estudo hoje em dia quem não quer, pois chances para que a pessoa se desenvolva é infinitamente maior do que 15 anos atras!!!!!! então, por favor, não vamos colocar esse "rolezinho" como movimento social, pois não o é!!!!!!

Anônimo disse...

A maioria dos comentários são de pessoas brancas, classe média, o típico cidadão de bem que não quer nenhuma pertubação na sua zona de conforto.
É triste, mas sinto em informá-los que ao alimentarem o preconceito, a violência policial, ao votarem errado por anos, ao promoverem, mesmo que inconscientemente uma série de doenças sociais, vocês selaram seu destino. Ajudaram a criar um monstro durante décadas, que agora está descontrolado e vai cobrar tudo e de todos.
Reaças vão tremer!!!!