quinta-feira, dezembro 29, 2005

IV

Foi através da filha do prefeito, e não poderia ter sido outra pessoa, que Pablo conheceu seus amigos e passou a ter uma vida fora de sua triste esfera profissional e familiar. Maria Pilatos poderia ser a ovelha negra da família se seus pais não fizessem vista grossa para todos seus pecados, tratando-a como se fosse uma verdadeira princesa. Coisa da idade, logo passa, segredava o prefeito para sua esposa, torcendo em seu íntimo e rezando todas as noites para que isso fosse verdade. Como não poderia deixar de ser, os hábitos da garota não escapavam à ávida perseguição de todos. Maria era certamente a figura mais comentada da cidade nas fofocas de maldizer que alegravam o dia-a-dia das comadres. Nas línguas ferinas das beatas, a moral cristã fritava a alma da menina como se no inferno já estivesse. Era uma vagabunda, uma pequena prostituta, pensava Dona Carmela com estas mesmas palavras sujas que nunca poderiam ser proferidas por sua boca casta e pura, de onde saíam apenas palavras de uma adoração voraz por nosso Senhor.
Maria gostava de viver o máximo que podia, mesmo naquela cidade em que a vida parece estar sempre aprisionada a um estado inescapável de torpor. A letargia das tardes quentes na pracinha e a hipocrisia das missas de domingo não alcançaram a menina, que permanecia incólume como se pertencesse a outro mundo. Era capaz de tratar seus pais com grande amor e dedicação, e ainda assim mantinha todos os costumes que a civilidade de Nazaré tanto condenava, especialmente no que se refere ao comportamento sexual de uma moça de família como ela. Como dizia Alexandre Pôncio, as putas ao menos ganhavam dinheiro com sua vadiagem, e isso as fazia mais valorosas que Maria Pilatos, vagabunda por vocação. Nascida em berço de ouro, não precisava se preocupar com dinheiro, trabalho, estudo. Quem sabe um dia destes não engravidava de um qualquer por aí e, aí sim, nem o frouxo do Felipe Pilatos iria aturar sustentar uma vadia desonrada.
Mas era evidente que as coisas que se diziam e pensavam de Maria Pilatos estavam sempre confinadas à esfera da vida particular. Em público, não se poderia desrespeitar a filha única de Felipe Pilatos, honrado prefeito da cidade. Havia, evidentemente, as inconvenientes indiretas por parte de algumas pessoas mais exaltadas em defender os bons costumes. Mas, ao concordarem secretamente, todos fingiam não entender de que se tratava. Grande parte dos bons cidadãos de Nazaré do Bom Jesus sentiam pena de Felipe Pilatos, que nada fizera para merecer uma filha assim a sujar o bom nome de sua família.
E foi justamente pelo estranho marceneiro que ninguém notava que se apaixonou Maria. Aos poucos, o pequeno mundo familiar de Pablo se anulou diante das possibilidades trazidas pela garota. Foi uma questão de tempo até que o marceneiro se convencesse a conseguir, em suas viagens na camioneta para a capital, algo para ajudar a escapar à enfadonha realidade de Nazaré do Bom Jesus.

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