quarta-feira, agosto 18, 2021

 Eu olho pros olhos do gato enquanto ele me observa tomar banho, pela fresta do box, empoleirado na janela. O que move ele? Por que ele se empoleira para me ver tomar banho? O que sente o gato?

Eu não sou um gato, e não sei se ele sofre minha ausência quando não estou, nem o que ele sente quando, empoleirado todos os dias, me assiste tomar banho. Ou quando sobe em meu corpo para mamar minhas orelhas.

Empoleirado, eu assisto em minha memória você sorrir. Quando eu não estou, o gato sente minha falta como eu sinto a cada dia a sua?

Quando o gato quebra coisas que amo, ele não sente remorso. Ele não entende que destruiu algo importante para a pessoa que o ama e que a cada dia cuida dele. O gato destrói coisas como quem me assiste tomar banho empoleirado. Tudo ele faz com a idêntica inocência de um gato. Eu não sei o que ele sente quando minha cara de dor constata que algo que valorizo foi destruído por suas ações de gato; provavelmente, nada semelhante a arrependimento.

Mas eu não sou um gato, e a cada dia sofro porque minhas ações humanas destroem coisas importantes para a pessoa que amo. E eu sinto remorso e arrependimento. Não sendo um gato, eu possuo a humana capacidade de medir as consequências de minhas ações, e também de sofrer por ter agido de forma a trazer dor para uma pessoa que amo. E, ao contrário dos gatos, com o olho da memória, empoleirado, assisto você sorrir. Ouço as palavras de amor que você me dizia antes que minhas ações humanas lhe ferissem. 

E penso que queria ser um gato, cujas ações são sempre inocentes, e que dia após dia pode se empoleirar para assistir a quem ele ama tomar banho. Gatos que não magoam e não se arrependem em sua triste solidão, como quem perdeu um pedaço de si que não consegue reaver.

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