terça-feira, julho 01, 2014

Sobre garis, metrô, eleições e a estratégia revolucionária que o PSTU não aprende

Cada passo do movimento real 
é mais importante do que uma dúzia de programas.

- Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha

Zé Maria do PSTU demonstra sua "estratégia revolucionária" sentando amigavelmente com a burocracia sindical.

Está completando um ano desde que nosso país passou por um abalo que mudou muita coisa. Não há quem na esquerda brasileira não afirme - à sua maneira - que junho foi um marco. E aí, isso coloca todas as organizações à prova, depois de décadas muito difíceis para qualquer um que se reivindique marxista e revolucionário - em particular para os que não apenas falam que são, mas que agem de acordo com isso. 

Nesse marco, vemos estourar uma das mais importantes greves no país: a dos metroviários de São Paulo. Importante pelo peso social de uma categoria que é responsável por 4 milhões de viagens por dia, sobretudo de trabalhadores indo e voltando de seus postos, colocando em ação a mais-valia, a reprodução do capital, o lucro de seus patrões. Parar isso não gera apenas um impacto econômico avassalador, mas faz com que todo o país, todos os explorados, prestem atenção no que está acontecendo ali. Uma categoria com uma tradição de luta que não é qualquer coisa, com um nível de sindicalização altíssimo e a possibilidade de ser um exemplo.

Isso, depois da vitória dos garis. O primeiro exemplo contundente de que há um setor da classe operária que aprendeu com junho, e não só aprendeu mas colocou em prática aquilo que viu. Contra a burocracia sindical e o governo. Nesse episódio, os dois maiores partidos da esquerda brasileira, PSTU e PSOL, ficaram de fora, olhando, como se não fosse com eles. Se em junho sua atuação foi marginal e insignificante, quando se trata de um setor da classe operária que sai em luta, torna-se ainda mais bizarro que essas organizações se coloquem no posto de deslumbrados espectadores. E, no final, batem palma para "mais uma vitória" e voltam para sua rotina: eleições sindicais, eleições estudantis, acordos de cúpula, uma grevinha pra constrar aqui e outra ali, e, pra coroar, as eleições burguesas - aí sim um lance que levam a sério (do seu jeito-adaptado-à-democracia-burguesa-de-ser).

O triste fato é: essa esquerda não aprendeu nada. Em junho não aprendeu nada; na greve dos garis não aprendeu nada; com seus próprios erros não aprende nada. Se alguém de dez anos atrás viajasse no tempo e visse como esses partidos atuam hoje, não veriam nenhuma diferença estrutural em tudo o que fazem; apenas alterações aqui e ali, mas sem nenhuma mudança significativa. Isso ficou TÃO nítido na principal iniciativa que o PSTU teve para "organizar" a classe trabalhadora desde junho: o encontro unidade de ação, em que fechou um "acordão" de cúpula com a "esquerda" da CUT - a CUT pode mais - e depois levou trabalhadores a um encontro para bater palmas para as decisões que haviam já tomado nos bastidores. Nada mais emblemático do que o espaço que abriram para os garis no tal encontro: uma saudação de dois minutos, que poderia muito bem nunca ter acontecido, já que não mudou uma vírgula de tudo o que estava sendo discutido ali. O "resultado" desse "vitorioso" encontro foi o desmoralizante ato do dia 12 de junho, em que a polícia reprimiu exemplarmente o ato na porta do sindicato dos metroviários e o PSTU fez o vergonhoso papel de impedir a entrada no sindicato de diversos setores que compunham o ato, como Black Blocs e algumas organizações de esquerda. Depois, como a "cereja do bolo", fechou pelas costas do restante do ato um acordo com a polícia para que todos saíssem calmamente do sindicato, sem faixas, bandeiras ou palavras de ordem, rumo ao metrô, e assim a polícia "permitiria" que dispersássemos o ato. Uma vergonha!

Isso simboliza bem o que foi "aprendido" pela esquerda de junho para cá. Mas, sem dúvida, não é o pior que ela mostra na sua prática. Vejamos: os garis, sem nenhuma direção organizada conseguiram: deflagrar greve em toda a categoria; eleger uma comissão de negociação em suas assembleias; enfrentar a repressão policial que chegou a vigiar os fura-greves, intimando os garis a retornarem ao trabalho; enfrentar as 300 demissões por parte do governo com disposição de fortalecer a luta; ganhar o apoio massivo da população; destituir nove membros de sua comissão eleita que havia decidido recuar diante das ofensivas do governo e da patronal; não recuar diante do retorno ao trabalho de uma grande parcela dos garis que teve medo diante da ofensiva patronal; impor à readmissão de todos os demitidos; impor um aumento salarial de 37% e mais diversos benefícios. Essa foi a maior vitória subjetiva da classe trabalhadora no Brasil em décadas! Agora, vejamos o que o PSTU aprendeu:

No metrô, onde o sindicato é co-dirigido por PSTU (maioria) e PSOL (minoria), eles queriam a todo custo segurar a greve até a véspera da copa, e com isso deixaram de lado a oportunidade de unificar com a espontânea e combativíssima greve dos rodoviários; pressionados por uma base furiosa, que assistiu aos rodoviários, garis e diversas categorias saírem à luta, o sindicato se relocalizou nos 45 do segundo tempo e, diante de uma assembleia massiva, propôs a greve no dia 5 de junho; desconsiderou a necessidade da preparação forte nas bases para essa greve e o enfrentamento que ela geraria, muito pelo contrário, alimentou sempre a ilusão de que seria fácil ganhar apenas pelo peso da categoria; boicotou a iniciativa que propunhamos de liberação de catracas, o que seria um elemento chave para ganhar o apoio da população como os garis (ainda mais do que teve, pois a população de fato apoiou a greve, a despeito das mentiras na mídia); não preparou a auto-organização pelas bases através de um comando de greve que pudesse organizar cada setor para a luta (a preparação das bases nos garis foi um elemento decisivo para a força da greve); não deu peso para organizar as medidas que poderiam melar o plano de contingência da empresa que colocou uma parte do metrô para funcionar com as chefias ocupando os postos de trabalho; vacilou para defender a continuidade da greve quando houve demissões; defendeu contra o retorno da greve no dia da estréia da copa do mundo. E, por fim, está fazendo um criminoso "corpo mole" na campanha pela reintegração dos 42 metroviários que foram demitidos, em grande parte, por culpa de sua política irresponsável. E para completar, a pitada cômica-se-não-fosse-trágica: na reunião dos delegados sindicais após a greve, a diretoria do sindicato teve a cara-de-pau de afirmar que a greve foi "vitoriosa"! Claro que foi: para a burguesia!

Há muitos aspectos que mereceriam ser desenvolvidos nesse balanço, e uma parte boa deles pode ser encontrado na declaração da LER-QI sobre a greve do metrô. Apenas citei esses elementos para ressaltar o absurdo contraste entre o que os garis fizeram - sem nenhum partido ou mesmo uma vanguarda experiente dirigindo a luta - e o papelão que o PSTU, um partido que se auto-denomina trotskista e carrega nas suas costas uma experiência de cerca de 40 anos como corrente no Brasil, fez à frente da luta dos metroviários. E aí, chamo a atenção para um documento recentemente publicado no site do PSTU, que está sendo uma verdadeira "sensação" entre a sua militância. Trata-se da carta de entrada para o partido de dois ex-dirigentes da Insurgência, corrente interna do PSOL. Ironicamente, o documento se chama "A estratégia revolucionária posta em questão". Vejamos então a "estratégia revolucionária" do PSTU.


Afirmam eles que tanto a revolução chinesa de 1949 quanto a revolução russa de 1917 foram "os caminhos dos socialistas ao poder", já que ambas "elevaram à destruição das instituições burguesas fundamentais, principalmente as Forças Armadas, em diversos processos revolucionários." Daí, já podemos ver a origem teórica de um erro concreto bastante grande do PSTU: esses ex-dirigentes da Insurgência e futuros dirigentes do PSTU resumem em seu texto a diferença entre a revolução bolchevique de 1917 e a revolução chinesa de 1949 a que a primeira foi "a insurreição urbana" e a segunda "a guerra de guerrilhas". Ambas, a seu ver "levaram os socialistas ao poder". Isso porque, para o alegre PSTU, baseado no absurdo balanço das revoluções do século XX feito pelo fundador de sua corrente, Nahuel Moreno, "todos os caminhos levam ao socialismo". Assim, pouco importa que na Rússia foi a classe operária, auto-organizada em Sovietes, que destruiu o Estado burguês e transformou seus sovietes nos órgãos dirigentes do primeiro estado operário, sendo estes dirigidos pela política do partido operário de Lenin e Trotski, baseados em uma amplíssima vanguarda da classe operária forjada não apenas pela teoria marxista mas por décadas de sua aplicação na luta contra o tzarismo. Enquanto na China, uma camarilha burocrática dirigida por Mao-Tsé Tung à frente de um exército camponês tomou o poder e, empurrada pela ação das massas, viu-se obrigada a avançar em medidas socialistas de expropriação da burguesia e dos latifundiários para que pudesse manter-se no poder como uma casta burocrática que expropriou o poder das mãos dos camponeses e trabalhadores por décadas. Para o PSTU, os dois casos "levaram os socialistas ao poder" (!!!) Conceitos marxistas e leninistas como auto-organização dos trabalhadores, hegemonia operária e partido revolucionário operário são meros "penduricalhos" na teoria do PSTU, pois, como definiu Moreno, uma revolução como a russa constitui uma "exceção histórica". Ora, se basta um exército camponês para fazer a revolução, PSTU, então para que construir um partido operário? Nos juntemos aos "anticapitalistas" da Insurgência e façamos o socialismo, não?

Bom, mas apesar de todo seu bonito discurso sobre a necessidade de destruir o Estado burguês, na prática o PSTU de fato se alia a "anticapitalistas amplos" bem piores do que a Insurgência. Sua crítica de fachada ao eleitoralismo nesse belo texto de efeito não discute que, enquanto ele era escrito, aqui no estado de São Paulo o PSTU fechava uma frente eleitoral com Gilberto Maringoni, amplamente conhecido como "o mais petista entre os militantes do PSOL". Podemos deixar então ao PSTU a pergunta: para além da retórica vermelha desse texto, onde está "a participação nas eleições burguesas e no Parlamento não mais como pontos de apoio táticos para a construção de um partido revolucionário e a mobilização das massas". Ou será que durante os recentes conflitos operários vimos os parlamentares do PSTU, Cléber e Amanda Gurgel, colocando seu mandato inteiramente a serviço de que fortalecessem a luta? Porque não estiveram em São Paulo apoiando ativamente a greve dos metroviários e rodoviários, ou no Rio apoiando a dos garis, para citarmos apenas alguns exemplos? O que temos visto é o PSTU se aliar com setores mais à direita do PSOL, quando não com partidos que fazem parte do governo burguês de Dilma, como o PCdoB, tudo em nome de conseguir sua "fatia do bolo" do Estado burguês contra o qual vociferam tão violentamente Luisa D'Ávola e Henrique Iglecio. E se hoje o PSTU afirma com tanta veemência que "pela experiência histórica da esquerda revolucionária, nós entendemos que entrar no futuro governo Syriza seria um grande equívoco, pois seria apoiar um novo governo de Frente Popular na Grécia, que, por ser dirigido por um partido reformista, contaria, muito provavelmente, com a presença de alas burguesas em sua composição." Parece muito curioso que o façam sem apresentar um balanço de seu absurdo apoio ao Syriza, inclusive polemizando contra a LER-QI e nossa organização internacional FT-QI, há pouquíssimo tempo atrás...

O que é mais alarmante, no entanto, não é a completa incoerência do discurso destes novos militantes com a prática cotidiana do PSTU. Mas sim que este texto é mais uma amostra - tão mais contundente quanto mais é um texto "celebrado" pela sua militância - do quanto o PSTU está de olhos fechados para a luta de classes. Desde junho para cá, a única citação de algum fato da realidade política brasileira no texto são... os Black Blocs! Depois das suas virulentas investidas de Zé Maria contra este setor, que beira a criminalização de suas ações; depois de seu criminoso fechamento das portas do sindicato quando a polícia atacava o ato em defesa dos metroviários no qual eles também estavam, agora a grande polêmica estratégica entre Insurgência e PSTU se resume a Black Blocs! Creio que está na hora de perguntar ao PSTU o porquê dessa fixação inexplicável pelos Black Blocs! Por que os novos militantes do PSTU não discutem nesse texto a aliança que fizeram com a Insurgência para enterrar a heroica greve dos professores no Rio de Janeiro em 2013, quando estes mostravam uma enorme disposição de luta e a direção do sindicato, nas mãos dessas organizações, sufocou a greve! Ou por que não existe um "a" sobre a atuação desse partido à frente da greve do metrô, quando demonstraram de forma acabada para todos o quanto foram incapazes de aprender uma vírgula das lições dos garis e foram a direção de uma greve que representou a primeira derrota contundente da classe operária no Brasil desde junho! Agora, o PSTU sai por aí reproduzindo a palavra de ordem dos garis, que foi tomada pelos metroviários e que o PSTU, dirigindo o sindicato dos metroviários, transformou em letra morta: "Não tem arrego". Depois de sua defesa contra a greve na assembleia de 11 de junho, essa palavra de ordem não tem como não soar ridícula na boca de um militante do PSTU. Falta aos novos militantes do PSTU, bem como aos velhos, pensar um pouco melhor em que consiste sua "estratégia revolucionária": será de debates teóricos com as posições do mandelismo, ou de sua atuação na luta de classes para construir uma alternativa revolucionária no Brasil e no mundo? Ou, trocando em miúdos: de que adianta toda essa "polêmica", se na prática o PSTU parece cada vez mais com o reformismo adaptado que ele crítica?



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