quinta-feira, julho 03, 2014

Como conheci Fábio Hideki e porque lutar por sua liberdade



Me lembro bem da primeira vez que conversei com Fábio. Foi em 2007, no prédio das Ciências Sociais/Filosofia da USP. Ele era um cara expansivo, bem aberto, veio puxando assunto comigo e com minha camarada Flávia, que na época estudava lá também. Achei ele meio esquisitão, em vários sentidos. Era um nerd japonês da Poli, mas era de esquerda, ainda que bastante confuso nas coisas que falava. Dava pra ver que ele se sentia bastante isolado lá na Poli, e acho que era por isso que passeava ali pela Sociais.

Logo me acostumei com o Fábio por ali, conversava sempre com ele, e o que achava mais interessante nele era sua disposição absolutamente interminável por conversar, ouvir opiniões diferentes, pensar, rever suas próprias concepções. Isso permitia a Fábio que ele avançasse muito rapidamente em suas concepções políticas, porque apesar de ser bastante convicto do que falava, também nunca deixava de ouvir os outros. Conversava com todos os grupos políticos, ouvia todas as opiniões, nunca deixava de dizer o que achava, e nunca abria mão de uma opinião para agradar ninguém.

Me lembro bem de uma discussão que tivemos, em 2009, quando Fábio defendeu uma posição que considerei completamente absurda. Foi em meio à greve pela reintegração do Brandão, diretor do Sintusp demitido político ilegalmente pelo governo Alckmin devido à sua trajetória de luta. Era uma greve bastante dura, e tal como hoje, dirigida de forma muito democrática pelo Comando de Greve dos trabalhadores e pelas assembleias da categoria. Eu militava na LER-QI, organização da qual Brandão era membro e fundador, há poucos meses. 

Acompanhava muito de perto a greve, lutando para que os estudantes percebessem como era fundamental que defendessemos o Sintusp e os trabalhadores diante desse ataque. Era uma tarefa muito difícil: a USP é muito elitista, e era uma árdua tarefa explicar para um estudante porque ele deveria ser a favor de uma greve para reintegrar um peão da universidade. Fomos duramente atacados pela mídia. Os trabalhadores radicalizaram suas medidas, piquetaram o prédio da reitoria. A burocracia acadêmica e o governo não deixaram por menos, e o setor mais reacionário, aglutinado em torno da figura do então diretor da faculdade de direito, João Grandino Rodas, pressionou a reitora Suely Vilela para que ela chamasse a polícia. E, um belo dia, a reitoria amanheceu cercada pela polícia. Foi então que os estudantes se revoltaram e aderiram à greve, na qual levantaram a pauta contra a Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), uma forma de precarização do ensino transformando-o em ensino à distância. 


No Jornal do Campus em 2009, imagem de Fábio com o monitor na cabeça


Hideki era ativo na greve: podia-se vê-lo em todos os atos com sua sempre inusitada forma de protestar - andava com um monitor na cabeça, protestando contra o EaD (Ensino à Distância). Em determinado momento da greve, os trabalhadores tiveram uma excelente ideia para divulgar sua greve e arrecadar dinheiro para a luta: um grande show. E organizaram, no velódromo da USP, um show com Tom Zé, B-Negão, entre outros artistas solidários com a luta. Cobrando um ingresso de cinco reais, cuja renda seria destinada inteiramente ao fundo de greve, o Comando de Greve colocou de pé esta fantástica atividade de greve. Fábio veio me procurar para dizer que era contra (na época ele não era trabalhador da USP, apenas estudantes). "Contra?", me espantei, e questionei seu motivo. Ele disse que ao cobrar ingresso para entrar no velódromo, um espaço público dentro da universidade pública, os trabalhadores estavam incorrendo em um tipo de privatização do espaço. No meio da discussão, chegou a comparar com as festas realizadas pelo Grêmio Politécnico que também cobravam entrada no espaço. E disse que era contra a cobrança de ingresso em qualquer evento na USP, pois era um espaço público. Discuti com ele exaustivamente e, em alguns momentos, até exaltadamente. De nada valeram meus argumentos sobre como o dinheiro era para financiar justamente a luta em defesa da universidade pública, e que não tinha absolutamente nada a ver com uma festa da Poli ou qualquer tipo de privatização do espaço. Fábio não apenas não se convenceu, mas por alguns meses insistiu nessa discussão comigo e com todos os meus camaradas, justamente porque sabia que nossa organização fazia parte do Comando de Greve e era uma impulsionadora dessa política.

Imagino que hoje a opinião dele seria outra. Mas, não importa muito. Citei esse episódio porque acho ele emblemático das posturas de Fábio: ele é duro na queda, teimoso nas suas posições, convicto mesmo quando sua opinião é isolada; mas nunca se recusa a discussão. Com o tempo e seu envolvimento no movimento estudantil, foi tendo posições progressivamente à esquerda, e sempre assumiu claramente sua posição de oposição política às direções do movimento, PSOL e PSTU, e também sempre os questionou aberta e diretamente.

Lutando pela democratização da universidade


Fábio continuou sendo uma figura muito conhecida na USP, no movimento estudantil e de trabalhadores, e acredito que isso se deva a três características marcantes suas: sua excentricidade, com coisas como andar com o monitor na cabeça em 2009, com sua espada de treino de Kendô, ou com seu capacete de motoqueiro nos atos mais recentes; sua enorme comunicatividade e vontade de discutir com todos sobre tudo, e de conhecer todas as posições políticas e se posicionar sobre tudo; sua combatividade, de estar sempre presente nos mais diversos tipos de atos com uma assiduidade que praticamente não se encontra em ativistas políticos que não sejam militantes de organizações (e mesmo nesses nem sempre se encontra).

Acho que Fábio ter se tornado um trabalhador na USP foi um enorme ganho, para a categoria e para ele. Uma categoria com uma história e uma tradição de luta tem muito a ensinar a um jovem e bem disposto ativista político; e um jovem combativo como Fábio renova a disposição de luta da categoria e de sua vanguarda. Além disso, como atestam os depoimentos de companheiras do CESEB que trabalham ao lado de Fábio, como Nilma, ele é muito atencioso com os usuários do posto; não esperaria outra coisa dele.

Fábio foi preso injustamente, ilegalmente, de maneira absurda. Fiquei pasmo quando soube que estava sendo acusado de "líder dos black blocs"; acho que o primeiro impulso de qualquer um que conheça ele ao descobrir isso é de rir. Porque, por mais que ele já tenha hoje uma relativa experiência na militância política, de uma maneira curiosa Fábio sempre manteve um jeito inexplicavelmente ingênuo, inocente, amigável. Ele é o tipo de pessoa que não condenaria de forma alguma a ação dos black blocs, pois, diferente de organizações como o PSTU, sabe que é uma questão de princípio não contribuir em uma vírgula para a criminalização dos lutadores. Mas ele nunca tomaria parte nessas ações, pois tem maturidade política suficiente para saber de sua completa ineficácia e contraproducência para as causas que defende. Sendo assim, sua prisão me faz pensar em duas possibilidades: A polícia resolveu escolher um bode expiatório completamente aleatório apenas porque recebeu ordens de cima para fazer uma "prisão midiática" e ajudar Alckmin a "ficar bem na fita" com os setores mais conservadores do eleitorado paulista; ou, o serviço de inteligência da polícia é dos mais imbecis, precários e rudimentares que já existiram. A primeira possibilidade parece mais plausível.

Agora, a tarefa de qualquer ativista minimamente consequente, ou mesmo de qualquer pessoa democrática, é lutar pela liberdade de Fábio. Pouco importa se você o conhece, se você concorda com as opiniões dele, se você é amigo dele ou se acha Fábio um louco ultra-esquerdista ou um mala sem alça. Não é isso que está em jogo. Esta prisão é um salto de qualidade na criminalização dos movimentos sociais e lutadores, um teste de força do governo. Se ela passa, é um sólido passo para o avanço da repressão e da vigilância. É um passo atrás em qualquer âmbito democrático da nossa sociedade. É a permissão para que qualquer outra pessoa seja presa sob acusações forjadas e mantida em um presídio. Me preocupa muito que organizações importantes da esquerda como PSOL e PSTU não estejam percebendo a gravidade dessa questão e não estejam mexendo um dedo para lutar pela liberdade de Fábio. É hora de nos unirmos fortemente em uma grande luta para libertar Fábio Hideki. Todos somos Fábio.

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