sexta-feira, maio 16, 2014

A eleição da Apeoesp e "um jeitinho petista de ver a vida"

Semana passada fui atuar como fiscal na eleição da Apeoesp, o sindicato dos professores da rede estadual de São Paulo. A intenção era ajudar nossos camaradas dos Professores pela Base a garantir que a rotineira prática da fraude eleitoral, que a chapa 1 (PT e PCdoB) utiliza para se manter na direção há décadas, fosse, no mínimo, mais difícil para eles.

Bebel e seus amigos.

Maria Isabel Noronha, a "Bebel", apesar desse "meigo" apelido, é uma burocrata de carteirinha que está confortavelmente acomodada na direção do sindicato há muitos anos, e a mais de uma década não pisa numa sala de aula, vivendo do salário dos professores que a sustentam através do imposto sindical. Ano passado, Bebel e sua gangue colocoram a polícia para reprimir os professores e escoltar seu carro de som para fora da assembleia, depois de manobrar descaradamente quando mais de 60% dos professores presentes recusaram a proposta do sindicato de acabar com a greve sem nada nas mãos.

A PM, amiga da Bebel, ajuda o carro de som dos burocratas a sair da Paulista.
 
E eis que eu e mais algumas dezenas de camaradas fomos obrigados a dividir um dia de eleição ao lado dos "companheiros" que integram a chapa 1 da Bebel, como mesários e fiscais. Um dia que prometia ser longo...

Eu e mais um companheiro do Professores pela Base ficamos junto com três apoiadores da chapa 1. Eram bastante simpáticos e amenos conosco. Ao longo do dia, pude conversar bastante com eles. Eram dois mais jovens, e uma outra de bastante tempo na categoria. E pude aprender um pouco sobre como pensam os "petistas da base". Eram todos da CNB/Articulação, a corrente majoritária do PT, aquela mesma do Lula, Dilma e mensaleiros de alto escalão. Mas, sendo esta corrente aglutinada muito mais ao redor de interesses materiais do que ideológicos, eles faziam parte de um grupo dissidente aos burocratas de sua mesma corrente que dirigem a subsede Norte da Apeoesp, ligados à Nilcéia, uma "Bebel de segundo escalão", que há anos está lá parasitando a subsede. Ela, que atua como uma burocrata "cachorro louco", foi responsável pelas fraudes e seu "braço direito" tentou agredir uma camarada nossa e furou o pneu de um de nossos carros. O bê-á-bá dos burocratas sindicais.

Professor conta a Nilcéia sua opinião sobre ela, logo após a votação fraudada de fim de greve em 2013.

Já os petistas que me acompanharam na urna estavam em outro estado de espírito. Tendo sido passados pra trás pelo grupo da Nilcéia, eles haviam retirado seus candidatos à subsede para pressionar a burocrata local. Portanto, para eles era ótimo que fossemos bem na eleição, pois assim mostrariam para Nilcéia como o apoio deles é importante para ganhar votos e poderiam exigir uma "fatia maior do bolo". E é exatamente assim que a política funciona entre eles: acordos de interesses para conseguir um pouco mais de poder e privilégios. Nada que tenha a ver com o interesse dos trabalhadores, claro. Isso tudo, obviamente, com o devido verniz "democrático e popular" para agradar a base. Tudo em nome da boa "governabilidade". O mesário que tinha uma origem mais claramente pequeno-burguesa - vamos chamá-lo de Roberto para não expor o petista que tão amavelmente se abriu comigo - colocava as coisas assim, bem honestamente: ele tinha um cargo de diretor de recursos humanos em uma Diretoria de Ensino municipal - uma boa boquinha no governo petista do Haddad. Tinha uma vida tranquila com seu companheiro, guiava sua vida pelos ideais de uma religião não-monoteísta e muito progressista, desfrutava os pequenos prazeres da vida, como sua coleção de perfumes (um autêntico apreciador, um bon vivant). Havia sido bem votado na última eleição. Disse nos respeitar, porque, segundo ele, estávamos "todos lutando pela mesma causa", mas "com táticas diferentes". Ao longo do dia disse como estava ali militando, pois a remuneração que receberia como mesário era muito menor do que a de seu dia perdido na DER.

A realidade dele era um bocado diferente da do fiscal, vamos chama-lo de Wellington, que, também militante do PT, tinha uma origem de classe nitidamente mais proletária do que a de seus dois colegas. Ele contou-me brevemente sua história militante: começou a militar no PCdoB, fazendo campanha para João Felício, um burocrata da Apeoesp que havia galgado os degraus a um cargo no parlamento. Disse que lhe prometeram pagar pela campanha, mas que no final não recebeu um centavo. E, ainda, que os seus "chefes" conseguiram cargos de assessores, mas o pessoal que estava no dia-a-dia da campanha não conseguiu nada. Ficou abandonado por seus dirigentes... depois disso ele passou a militar no PT, mas disse que na outra campanha não atuou e o burocrata não conseguiu se eleger. Falou ainda que depois ingressou sem ajuda nenhuma em uma universidade privada, onde cursou história, e que durante esse tempo não recebeu nenhum auxílio do partido. E agora estava ali, fazendo a campanha pra chapa 1.

Achei muito interessante a história desses "companheiros", porque estou acostumado a pensar em dois tipos de petistas: os grandes burocratas e traidores de classe, como os dirigentes da CUT ou o Lula; e os pequeno-burgueses acomodados "progressistas", cuja mentalidade política é perfeitamente expressa pelo petismo, mas que não tem nenhum "interesse material" no triunfo do PT, como meu pai. Ali, pude conviver com um tipo diferente, os "aspirantes a burocratas": uma geração que não é aquela que construiu o PT como um partido de trabalhadores pela base e se desiludiu; nem mesmo os que se tornaram os serviçais diretos da burguesia. É, na verdade, uma geração que começou a militar no PT já completamente degenerado, e que foi educada na política como sendo um lugar onde tentar garantir seus interesses privados; cuja militância se iniciou e se formou em campanhas eleitorais, que não associa em nenhum momento a política à luta de classes, mas sim a acordos aqui e ali. É o autêntico corpo e alma do PT de hoje: um deles é um "pequeno burocrata" com um carguinho; o outro, um peão que entra ali querendo ver se consegue ganhar alguma coisa, uma migalha que caia da mesa dos de cima. Ambos se confortam na ideia de que "militam pela esquerda", "contra os tucanos" ou coisas assim.

O significado do termo "militância" para essa gente nada tem a ver com o que é para nós, que viemos da tradição revolucionária, dos bolcheviques. Lembro-me sempre de uma passagem de "Minha Vida", a autobiografia de Trotsky, em que ele fala sobre quando conheceu os membros do Partido Socialista americano, que classificava como "cavalheiros que dividem seu tempo livre entre a ópera e o Partido". A luta que Lenin deu para a conformação de um partido revolucionário, a que levou à divisão entre "bolcheviques" e "mencheviques" tinha a ver com isso: gente que via a luta revolucionária como o motivo central de sua vida, e gente que a achava "bonita" e tinha "um certo interessse" em leva-la a frente, quando não tivesse algo "mais importante" para fazer. É por isso que cada militante bolchevique vale dez reformistas ou centristas: é alguém que está convicto de levar sua luta adiante, custe o que custar.

Professores pela Base: os que levaram a luta anti-burocrática na eleição da Apeoesp.

Outro dia, quando escrevi um texto que falava um pouco sobre minha trajetória militante, um amigo "marxista de academia", um cara honesto, comentou que meu texto "poderia ter sido escrito pelo Dalai Lama", se trocasse o Partido pela religião. Interessante, lembrei-me de quando militava no Movimento Passe Livre e alguém levantou a ideia de cotizações (contribuições financeiras regulares dos militantes para a organização), e um anarquista disse que isso era "o dízimo", "coisa de Igreja" etc. Dessas analogias formais vive a ideia destes autonimistas, que, no fundo, têm algo em comum com os petistas: a militância é para eles "um passatempo". Eles cuidam de seus empregos, de suas carreiras acadêmicas, de seus casamentos... e, quando dá tempo, militam. E acham (ou não pensam muito nisso) que assim vão mudar o mundo.

É curioso como estas tendências não se desenvolvem e criam raízes no movimento operário, senão pela via da cooptação de dirigentes e quadros. Para os trabalhadores, a militância só pode ter o significado de um compromisso de vida: eles não tem "tempo de lazer" para gastar com uma militância de aparências. Cada segundo gasto em uma atividade partidária é um sacrifício pessoal em uma vida dura. E só a ideia de uma mudança de fato da sociedade pode ganhar estes setores. Para um pequeno-burguês, não é necessário se comprometer de corpo e alma com a ideia da revolução, pois, em última instância, sua vida não está mal hoje... é só sua consciência que "sofre" com a miséria alheia. Por isso, inclusive, é tão fácil para ele encher a boca para reivindicar o "avanço" dos governos do PT, já que não é o dele que está na reta. Em épocas de relativa "paz social", estas ideias de "avanços graduais" florescem inclusive no seio da classe trabalhadora. Mas, então, ela não precisa militar mesmo. E o campo político fica sendo o destes pequenos e grandes arrivistas, e dos políticos burgueses profissionais. Mas quando a luta de classes se acirra, a coisa muda radicalmente: este "jeitinho petista de ver a vida" se encontra cada vez mais espremido pelos dois campos opostos que se fortalecem: a linha dura da burguesia de aumentar mais e mais a miséria dos trabalhadores; ou uma política revolucionária que consiga mudar as coisas de fato.

E aí, muito pouco vai sobrar para aqueles que fazem a sua política procurando uma "boquinha" no banquete da burocracia sindical...

Um comentário:

Anônimo disse...

"E acham (ou não pensam muito nisso) que assim vão mudar o mundo."

E você acha, francamente, que irá mudar o mundo?