sábado, maio 17, 2014

Em memória de Nelson: mais um irmão de classe a vingar

Não conheci Nelson. Era operário metalúrgico e, como a maioria dos trabalhadores, deixou seus anos e sua saúde na linha de produção, na labuta de cada dia, aumentando a fortuna de um patrão qualquer. Aposentado por invalidez, praticamente surdo e cego, Nelson foi reposto sem mais considerações, como mais uma peça gasta da máquina que faz o capital girar. Outro operário entrou em seu lugar para suportar o pesado fardo da exploração.

Nelson passou seus últimos anos em casa, e enfrentou as consequências tardias da brutalidade com que o ritmo da fábrica extraiu dia-a-dia sua energia num trabalho febril. Contraiu câncer, doença que certamente também era consequência de seu trabalho. Se fosse rico, ele teria acesso ao mais avançado da nossa técnica semi-bárbara das terapias químicas e radiológicas em pouco tempo. Uma medicina tão fundada no lucro e numa visão selvagem de saúde e doença que muitas vezes tem um tratamento mais doloroso e letal do que a própria patologia, mesmo para os que podem pagar seus exorbitantes preços. Mas Nelson não era rico: era um trabalhador aposentado, um peão de fábrica sujeito ao que tivesse a saúde pública a lhe oferecer. E o que ela lhe ofereceu foi espera, uma espera que permitiu à doença se alastrar irrestritamente por seu corpo, debilitar sua saúde cada vez mais.

Longos meses depois, Nelson iniciou seu tratamento. Quando foi internado, para fazer uma cirurgia relativamente simples e sem grandes riscos, continuou seu calvário pela sistema de "saúde" pública contraindo infecções hospitalares e sofrendo todo tipo de negligências por parte do hospital, dos médicos, e mesmo aqueles que provavelmente gostariam de lhe oferecer o melhor tratamento possível não podiam, pois eram eles mesmos, como trabalhadores da saúde, peças sendo gastas pela exploração cotidiana, como fora seu paciente antes de adoecer. Muitos endureceram e se insensibilizaram diante do sofrimento dos pacientes como a única forma de sobreviver psiquicamente em meio a tanta dor e impotência.

Foram três infecções hospitalares que contraiu, agravando progressivamente seu estado de saúde de maneira avassaladora e irreversível. Sua família, impotente, assistia o sistema de saúde assassinar lentamente aquele que para eles não era uma peça gasta, mas uma pessoa que amavam. Nas estatísticas, M. era um número. Para nós, era um irmão de classe. Ele ontem não resistiu mais ao lento e doloroso processo de destruição a que lhe submeteram, e seu corpo cedeu. Sua morte entrou para a história como mais um dos incontáveis crimes do capitalismo contra os explorados e oprimidos do mundo. Para minha camarada e amiga, sua filha, este crime entrará em sua consciência e sua história como uma marca a ferro e fogo da crueldade desse mundo podre. O assassinato de seu pai será uma dor eterna, mas também a cicatriz de uma luta que levamos todos os dias. Uma luta ao lado de cada Nelson que foi assassinado, de cada explorado, oprimido, mutilado, assassinado por este mundo cão. Uma luta contra cada patrão miserável que impõe a dor às famílias, a cada trabalhador, em nome de suas festas luxuosas, suas mansões, helicópteros e iates.

Para a burguesia, a morte de Nelson é mais um número em uma estatística sem importância. Para nós é a morte de um irmão de classe, de um de nossas fileiras, e não passará impune. Por ele e por todos os outros, marchamos a cada dia. Junto a minha camarada e amiga, sigo em luta e tento dividir com ela como puder a tristeza de perder um pai de uma forma tão brutal. Seu ódio é nosso, e nosso ódio é o combustível que vai nos colocar de pé a cada dia para combater, para fugir a cada hesitação e vacilo, para enfrentar cada dificuldade que se coloque no caminho com coragem, paciência e perseverança, pois sabemos que qualquer luta e qualquer sacrifício vale a pena para não viver em mundo podre como esse de cabeça baixa, aceitando passivamente que a cada dia este tipo de sofrimento se repita infinitamente em cada lar operário, em cada família na periferia, em cada um que perde sua vida e que poderia ainda estar aqui. Para nós, marxistas, a paz não está na vida após a morte - Nelson se foi, não existe mais e não tem alma imortal. A herança e o legado de sua vida - além da marca que deixou em cada um que o conheceu - é a luta para que não deixemos sua morte em vão, e saber que sua vida foi a dura história de mais um membro da classe que irá dar o passo definitivo para emancipar a humanidade, para que nunca mais alguém passe por isso novamente. É, sem dúvida, uma forma gloriosa de permanecer na história.

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