quarta-feira, abril 08, 2015

Aprender a separação

Três anos se passaram.

Eu perdi cabelo, ganhei peso, terminei o mestrado, mudei de casa, mudei de emprego, comecei a estudar psicanálise, terminei relacionamentos, comecei relacionamentos, parei de tomar remédios, mudei, fiquei o mesmo.


Você não.
Continua cristalizada, eternizada há três anos atrás. Sua carne desfeita, roída por vermes, seu rosto a existir naquelas memórias, as poucas, as persistentes. Seus sonhos, parados, estáticos, por serem sonhados. O tempo não passa mais.

Em três anos continuo a te sonhar, a te chorar. Você continua a ser minha dor, secreta, que diuturnamente me pega a contragolpe, me volta aguda, no nervo, num relance. Num cabelo cacheado, num cheiro, num livro, num filme, num sorriso de alguém novo, num soprar de fumaça. Num desafio a ser feito.

Porra. Queria te contar as novidades... não dá. Não tem mais novidades para você. Você ficaria feliz com elas, eu sei. Com sua voz meio estridente, seu jeito atrapalhado de falar, quantas críticas boas já teriam escapado de sua boca; quantas vezes teria se animado, apesar de tudo, e teria tomado a frente de novo. Aqueles momentos que faziam tudo valer a pena. Sei que eles ficaram ofuscados para você, mas sei também como eles existiam, eram muitos, e o quanto me alegro de ter compartilhado uma porção deles com você. Penso no que estaria fazendo. Estaria ainda na USP? No México? Estudando psicanálise comigo, aprofundando nossa parceria tão forte?

Em cada conquista, em cada passo adiante, você falta. E está lá. Ainda é quem me dá força pra tomar a batalha em dois fronts, no político e no psíquico. Continuo dando a luta que aprendi com você, carregando um sonho que tivemos juntos. Queria ser quadridimensional como um Dr. Manhattan, para poder voltar, tocar seus cachos, seu rosto, suas cicatrizes. Sentir você uma vez mais. Te dizer esse "obrigado" eternamente entalado na minha garganta.

Que merda. Essa dor aqui, indissoluta, indissolúvel, que se mistura aos poucos nesses anos que vão vindo, que vão trazendo uma montanha de coisas, coisas que se acumulam, por cima das velhas memórias, por cima, por cima do que sinto. Do que te sinto. Dessa dor, desse sonho, basilar, subjacente a tudo o que sou e que existe para mim. Esse sonho interrompido, como um suspiro, que, afinal, é do que a vida - não só a sua - é feita, sempre. Esse suspiro entrecortado, abafado pelo ruído de um mundo que nos interrompe.

Lembro que tinha medo de te esquecer. Medo desse futuro tão grande sem você. É horrível pensar que o tempo que decorreu desde que você foi embora é já maior do que o tempo que passei contigo. O tempo que passei com sua ausência é maior que o tempo ao seu lado. Já não consigo mais nem parar um pouco e remoer o passado. Esse luto inconcluso, esse luto permanente.

Esses anos, cada dia, foram de aprender a separação. A separação que nunca termina, que não tem fim. Um aprendizado que, de repente, parece que tenho que começar de novo e de novo, sempre. Não te deixo para trás. Cada coisa nova trás uma ponta de você, dessa marca decantada em mim que é uma parte do que você é agora. Porque agora você é apenas e tão somente as marcas que deixou para trás, e nisso há um orgulho que carrego junto a essa dor: o orgulho de saber que te carrego em tantas marcas; que no que você mudou em mim, você mudou o mundo, e por isso não desisto. Um passo adiante é uma marca sua, que você assina comigo. Que em tantos desencontros faiscaram, angustiaram.

É indelével a dor de ter falhado, de ser humano, de ver no passado o erro que todos carregamos - o erro de sermos, apenas. Os sentimentos mais estúpidos vêm e vão; às vezes, e com frequência, tudo o que sou capaz de fazer é ignorá-los. A vida me dá cada vez menos tempo para visitar a sua memória, e por isso ela, irreprimível, vem me pegar a contragolpe em uma besteira qualquer do dia. Me pego te lembrando, secretamente, no busão, na bilheteria, numa conversa com alguém que nem imagina que você está ali também presente; gente que não te conheceu, que não faz ideia do quanto de mim é também você; do quanto de você vive em mim. Me pego sussurrando desculpas a você, a uma pessoa que não existe. Desculpas por tudo o que não tinha como fazer; desculpas por não ser o que nenhuma pessoa pode ser; e, mesmo sabendo disso tudo, ainda queria encostar no seu ombro e poder sussurrar: "desculpa". Ou, "eu te amo", o que daria na mesma.

Nesses três anos sinto a dor da sua ausência, a marca da sua presença. Não me esqueço, não perdoo esse mundo, e te garanto, ainda e uma vez mais, que não foi em vão que o repouso para suas dores teve que ser tão drástico, tão súbito, tão incontido. Ainda te amamos. Sempre. E não esqueço que você nunca me esqueceria.

Um comentário:

Mysunkistskin disse...

Me da tanta tristeza leer esto, pero la verdad es que esta muy bien escrito. Te mando un abrazo enorme Livia...sigue con la fuerza admirable que nos has mostrado! ♡