segunda-feira, março 16, 2015

Golpe à vista?

Depois de ontem, vi muita gente ficar com medo. É bastante normal e compreensível: por onde se olhasse, uma maré verde e amarela cheia de vuvuzelas escorria pelas ruas da cidade em direção à Avenida Paulista. E, bom, já acabou a Copa né? (E que Copa inesquecível, hahaha). Vou falar especificamente de São Paulo, não apenas porque era o maior ato, como é o que eu vi de pertinho. Sim, eu fui lá ver o que rolava.

Pra começo de conversa, limpemos os campos a respeito dos números. A polícia falou em um milhão. Eu estive lá e vi, com meus olhos que a terra há de comer, quantas pessoas tinham; não tinham um milhão de jeito nenhum. Mas, como minha palavra pode não te convencer, sejamos mais científicos e vamos a uma conta rápida (tudo bem se você for de humanas, é bem fácil de entender e eu também sou). A Paulista tem seis pistas, certo? De cerca de 3,5m cada uma. Mais duas calçadas, digamos que cada uma tem cinco metros. E a extensão da avenida é de 2.700 metros, ok? Então, [(6 x 3,5) + 10] x 2.700 = 79.650 metros quadrados. Suponhamos, então, uma concentração bastante densa de pessoas em toda a extensão (bem mais do que tinha, mas vamos dar uma colher de chá para a "luta pela pátria"), de 3 pessoas por metro quadrado (tipo um trio elétrico bem animado do carnaval da Bahia). Assim, teríamos 3 x 79.650 = 238.950. Olha, tá bem próximo do número da folha, de 210.000 pessoas. Um pouco distante, contudo, daquele da polícia, que alegou ter usado "métodos geoestatísticos" em sua contagem. Uau! Melhor acreditarmos então que cabe um milhão de pessoas entuchadas na Paulista graças aos tais "métodos geoestatísticos" secretos da PM, que, aliás, é dirigida pelo governador do PSDB e não tem, claro, nenhum interesse em inflar os números do ato anti-Dilma.

Ok, então com esse número sério, sejamos francos: é gente pra caralho. E, afinal, quem eram essas pessoas que saíram no domingo com suas vuvuzelas e camisas do Brasil sem nenhum jogo pra ver? Circulando pelo ato e pelo trajeto até ele, uma coisa era nítida: tratava-se, em 90% pelo menos, daquilo que a """"jornalista"""" Eliane Catanhede definiu certa vez, de maneira muito filosófica, como uma "massa cheirosa"


Um orgulhoso membro da "massa cheirosa" se declara ao mundo

Em que consiste a tal "massa cheirosa"? Aquilo que reunimos sobre o heterogêneo nome de "classe média". Gente que não se identifica como trabalhador e que, em geral, sente certo "nojinho" deles. Afinal, trabalhar cansa, trabalhar sua, trabalhar dá trabalho, e, no fim do dia, às vezes não estamos mesmo tão cheirosos quanto uma emperequetada madame dos jardins. Ainda bem que por enquanto ainda dá pra tomar banho, mas o futuro dessa prática das massas é incerto em São Paulo...

No transporte público com destino ao ato, notava-se um dos sintomas de ser parte da massa cheirosa: a ausência de conhecimento sobre o que é e como funciona um busão ou um metrô. As bilheterias tinham filas imensas, porque essa galera anda de carro e não tem bilhete único, esse importante instrumento cotidiano do trabalhador normal. Vários de meus colegas metroviários amargaram seu domingo dando alguns milhares de vezes informações elementares que todo usuário do metrô sabe... mas uma massa cheirosa e bem esclarecida, não.

A "massa cheirosa" aprende a pegar o busão
 
E, afinal, essa gente quer um golpe militar? Quer a volta da ditadura? Bom, havia gente pedindo isso no ato sim. Três imensos carros de som localizados em frente ao MASP faziam um discurso sanguinolento bem típico das "viúvas de 1964", como Jair Bolsonaro. Espumando ódio, eles diziam que só os milicos podem varrer o país.



FFAA pede intervenção militar: "Marcha da família com Deus pela Liberdade. 1964 mais vivo do que nunca"


 Em torno desses carros de som se reuniram, chutando alto, umas 3 mil pessoas. Em dado momento eles decidiram marchar até sei lá onde pedindo para os milicos tomarem a atitude varonil que lhes cabe, e com muita hombriedade, deporem a Dilma e tomarem o poder. Eu não estava nesse momento, mas ouvi relatos de que aproximadamente 500 babacas os seguiram. O resto do ato passeava alegremente com cartazes que diziam "Fora Dilma", "Fora PT", "Fora corruPTos" e coisas afim. A palavra de ordem que mais ouvi sendo cantada (raramente eles cantavam) era "Lula cachaceiro, devolve meu dinheiro".


Exemplar de cidadão altamente politizado e consciente indo ao ato

 Essa gente quer um golpe? Não me parece... tem ali alguns reacionários conscientes, claro. Mas, em geral, é uma galera que está puta, perdida, lê muita Veja e acha que trabalha pra caralho pra ter sua vida digna, e que todo mundo poderia e deveria fazer o mesmo. A real é que muitos dos motivos que eles têm para protestar, em que pese o ridículo com o qual vestem estes motivos, é muito pertinente. Os políticos estão enchendo o cu de grana e isso é um absurdo que tem que acabar. O que talvez eles não tenham entendido (muitos) ou não queriam entender (poucos) é que são todos os políticos, de todos os partidos burgueses, e também os juízes, os funcionários de alto escalão, os deputados, os senadores... além disso, esse dinheiro não é só de corrupção - algo que vai existir enquanto esse sistema de representavidade podre estiver de pé - mas são todas as mamatas de que desfrutam, como as verbas de gabinete, os "auxílios", os salários exuberantes. A corrupção e sua respectiva impunidade nada tem a ver com o PT (ou melhor, tem tudo a ver com o PT), ela já estava lá desde que se criou o parlamento, o executivo, o judiciário. Os problemas da vida da classe média, que começa a sentir e em breve sentirá mais os efeitos da crise (que já atingem em cheio os trabalhadores) são o problema de um sistema gerido por parasitas. Militares, PSDB ou o que quer que seja vai mudar os "enfeites" para manter o essencial, e, aliás, os partidos todos já afirmaram (como o fez ontem Aécio após os atos) que estão de acordo nesse "pacto".

É por isso tudo que não, não podemos também ir de gaiato no discurso histérico dos petistas que dizem que é um bando de coxinha golpista que quer acabar com os avanços sociais do PT com uma ditadura militar. Hoje, em milhares de fábricas, de operadoras de telemarketing, de supermercados, trabalhadores se identificavam e aplaudiam o ato de ontem. Eles, muito mais do que a "massa cheirosa", têm muitos motivos para se indignar. Os "avanços sociais" do novo governo da Dilma consistem em inflação, corte de direitos trabalhistas, corte de orçamento para áreas como educação e um discurso de "segura firma que vou botar pra foder" que Dilma fez no 8 de março. Portanto, defender a Dilma contra "os coxinhas", "o PIG", a "direita golpista" é a última coisa que qualquer um deva fazer para lutar contra essa merda toda que aí está. O que temos que fazer é dar respostas sérias, que não só sejam respostas pros trabalhadores tomarem em suas próprias mãos para fazer, pois não serão feitas por nenhum pilantra desses, mas que também possam mostrar a muitos dos que estavam na Paulista ontem que tocar vuvuzela de verde e amarelo e dizer "fora PT" que isso não vai resolver nenhum problema nesse país, nem os seus, nem os dos trabalhadores.

Por fim, há muita gente dizendo que a situação de hoje é análoga a 1964. A esses afobados eu digo: calma lá, amigo. Ao contrário do que a historiografia oficial nos ensina, o golpe de 1964 não foi contra o Jango. Foi contra as Ligas Camponesas que avançavam a luta no campo por reforma agrária. Foi contra o movimento operário que protagonizava greves de centenas de milhares de operários. Foi contra a rebelião na base das forças armadas que fazia sovietes de marinheiros e se rebelava contra os oficiais. Isso criou a necessidade de um golpe. Que burguesia vai querer dar um golpe quando a presidente está aplicando à risca tudo o que ela precisa e quer, todos os ajustes contra os trabalhadores? Não há nenhuma comparação possível entre essas duas situações históricas...

Àqueles que continuem achando que há um "golpe em marcha" no país, recomendo que tomem alguns desses elementos que coloquei aí para pensarem com mais cuidado, pesquisando sobre o que está rolando nesses atos. Também recomendo fortemente a leitura desse texto.

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