Na próxima terça-feira a Editora DSOP irá relançar um livro que, a meu ver, já se tornou um clássico da literatura contemporânea brasileira. O "Te pego lá fora", de Rodrigo Ciríaco, lançado originalmente em 2008 pelas Edições Toró.
O lançamento vai ser 18 de novembro, a partir das 19h, na Livraria Cultura. Tive o privilégio de estar no primeiro lançamento há seis anos e pretendo ir novamente nesse.
Aproveito a deixa pra publicar aqui uma entrevista que o Rodrigo gentilmente me cedeu em 2008 para um trabalho da matéria de Didática que estava fazendo na licenciatura. Várias perguntas são baseadas nos contos de "Te pego lá fora", então pode ajudar a deixar o pessoal um pouco mais curioso pra ir no lançamento.
Entrevistador: Conte um pouco sobre sua formação escolar.
Onde estudou? Como era a escola? Como era sua relação com colegas, professores,
funcionários, instituição?
Rodrigo: Estudei na Escola Estadual Profa. Irene Branco da Silva. Fica na
Vila Rui Barbosa, subdistrito da Penha, Zona leste de São Paulo. Era uma boa
escola na época que entrei e que foi se degradando com o tempo. Havia turmas de
todos os períodos (na época, Primeiro e Segundo Grau), e lembro de ter participado
de atividades no laboratório, biblioteca, quadra, além, claro, da sala de aula.
Utilizei bem todos os recursos pedagógicos disponíveis.
Eu era um CDF na escola. Só
que não era um cara fechado, quadradão; pelo menos não depois da oitava série,
quando passei a estudar no período noturno. Tive uma relação muito boa com
colegas de classe, funcionários, professores da escola, ou seja, com toda a
instituição. Claro, até o momento que eu fiz o papel de “bom-mocinho”, pois
quando fui tentar organizar uma festa para ajudar um professor muito querido
por todos na escola que estava com um sério problema de saúde, tive uma relação
conflituosa com a direção, que não queria autorizar a festa. Fiz um
abaixo-assinado, colhi centenas de assinaturas, discuti a questão com colegas
da escola e, mesmo não tendo realizado a atividade, foi importante para marcar
posição e provocar a direção; além de constatar que eles nem sempre faziam o
que era melhor para os alunos, mas o que era conveniente para eles.
E:
O que motivou sua escolha pela carreira
de professor? Quando tomou esta decisão?
R.: O que motivou mesmo a minha escolha pela carreira foi ter conhecido bons
professores de história ao longo de minha trajetória discente, em especial nos
últimos anos do Segundo Grau e um professor do cursinho. Mas, como eu falei, eu
era um aluno CDF. E gostava de sentar com colegas, ajudá-los nos momentos de
dificuldade, participar de seminários, etc. Acho que eu já tinha uma
pré-disposição para a carreira docente. Mas a decisão, mesmo, só foi aos
quarenta minutos do segundo tempo, pouco antes de indicar a opção nos
vestibulares da Unesp e Fuvest. Antes, eu havia pensado também em Psicologia.
E: Na sua descrição que aparece no livro “Te
pego lá fora” é dito que você já recebeu propostas para lecionar em
instituições de ensino privado. No entanto, você recusou. Por que esta opção
pelo ensino público? Para você, o que está em jogo na oposição entre ensino
público e privado?
R.: Primeiro, eu sempre estudei em instituições públicas de ensino. Desde o
pré, até a Faculdade (formei-me na USP). Tenho uma convicção de que todo o
investimento de dinheiro público que foi feito na minha formação, na minha
pessoa, tem que, de certa forma, ter um retorno à sociedade. Acredito que este
retorno se dá a partir do momento em que eu faço a opção de trabalhar numa
instituição pública de ensino, apesar das enormes dificuldades: administrativa,
organizacional, salarial, pedagógica, etc.
Outra coisa é que eu acredito
que a Educação deveria ser pública, gratuita e de qualidade, para todos. Sem
distinção. A partir do momento que transformamos a Educação em mais uma
mercadoria, separamos o que algo é algo de Direito para todos em um objeto de
consumo – com variantes qualitativas – disponíveis para poucos, reproduzimos um
problema seríssimo: a desigualdade. Então, por isso esta opção pelo ensino
público, gratuito.
Hoje em dia eu até repenso
esta minha opção em não trabalhar em colégios particulares. Em certos momentos
eu acho que até deveria estar lá para provocar esta instituição, provocar os
valores que ela traz em si e os valores que os alunos que a freqüentam possuem.
Mas não sei se conseguiria conciliar com o ensino no Estado e, dentro da minha
chatice, sinceridade e seriedade que compartilho na minha profissão, acho que
não duraria muito tempo também.
E:
Conte um pouco sobre suas primeiras impressões como professor. O que mais lhe
marcou no início da vida docente? O que foi mais fácil/difícil, interessante,
etc?
R.: O que mais me marcou no início foi o “batismo de fogo”, realizado pelos
professores. Lembro muito bem da experiência que foi a primeira vez que eu
entrei numa sala de professores: as pessoas me olhando, tal qual eu fosse um
animal, um objeto estranho. Uma curiosidade excessiva de olhares sobre a minha pessoa,
uma coisa invasiva. Eu tinha apenas vinte anos, uma cara de moleque de Ensino
Médio na sala dos “Veteranos”. Quando eles souberam que eu era o professor
substituto que havia atribuído algumas aulas livres, quase deram risada. O que
choveu foi conselho: - “Olha, cuidado. Nessa escola só tem animal.” “Rapaz,
bem-vindo. Seja firme, você vai entrar numa jaula.” Foram estas palavras
utilizadas. Ou seja, recepção melhor, não podia ter existido...
Para mim o que foi mais fácil
foi a relação com os alunos. Descobrir que eles não são aqueles “animais” que
os professores apontam. São difíceis de lidar, como toda criança e adolescente
algumas vezes são muito difíceis, mas não a ponto de desumaniza-los daquela
maneira. Procurei sempre vê-los como gente, como pessoas, em primeiro lugar
tratá-los com respeito para poder exigir isso deles. Isso facilitou muito.
A minha maior dificuldade foi
com a minha insegurança. A dificuldade em acreditar que eu era capaz de
lecionar, que eu podia fazer aquele trabalho. Isso foi, e em partes ainda é, o
mais difícil para mim. Com o tempo eu descobri que a experiência prática das
coisas vai nos trazendo mais segurança. O tempo é um fator muito importante. E
além disso, a preparação, o estudo, são vitais para diminuir esta sensação.
Quanto mais preparado, mais organizado em relação ao que ia fazer eu estava,
menos inseguro eu ficava. Ainda que nada do que eu tivesse preparado fosse
executado da maneira como eu pensei, se eu me preparei, mais seguro estava.
E:
O conjunto de experiências relatadas em seu livro chama a atenção para diversos
problemas encontrados em grande parte das escolas públicas atualmente.
Gostaríamos que você relatasse um pouco como você enfrenta alguns destes
problemas, por exemplo:
a) Em contos como “Cara-de
pau”, “Um estranho no cano”, “Socá pra dentro”, “Medo”, podemos perceber uma
relação extremamente hostil dos professores e funcionários da escola em relação
aos alunos, que são frequentemente insultados, ofendidos, humilhados e até
mesmo agredidos fisicamente. Como você lida com esta situação no seu dia-a-dia?
Você tem alguma opinião sobre as possíveis causas deste problema?
R.: Com muita revolta. A hostilidade, ofensas, humilhação e violência é uma
situação quase que cotidiana dentro da escola. Tanto por parte de alguns
alunos, quanto por parte de funcionários e professores.
Da minha parte, eu tento lidar
com esta situação através do diálogo, respeito. Algo que não abro mão dentro de
sala de aula ou da própria escola é o respeito. Estabelecermos sempre uma relação cordial, onde as regras do
contrato – pedagógico – tem que ser claras, o papel de cada um naquele espaço,
tem que estar claro. E quando não estão, quando este contrato é violado, por
alguma das partes, tem que sentar e conversar. O diálogo, a clareza das coisas
é fundamental dentro da escola. E quando o diálogo, a conversa, a clareza das
coisas não funciona, sanções, reparações e punições devem ser aplicadas.
Com relação a colegas e
alunos, tento orientar, ambas as partes. Se observo alguma postura que não
gosto de algum companheiro, tento chegar, conversar. Se for amigo, um bate-papo
informal, trocar uma idéia; se não for, expor a situação, o problema em algum
espaço legitimado para isso, seja um HTPC, seja um conselho de classe. E, no
caso do aluno, eu relato o que ele pode fazer a nível institucional para
resolver o problema.
Algumas idéias sobre a causa
deste problema eu penso que são: a desorganização do espaço escolar, tanto
administrativamente quanto pedagogicamente; a falta de autoridade (não
autoritarismo) e profissionalismo por parte de alguns profissionais da
educação; a falta de regras claras que definam os papéis de cada um dentro
daquele espaço, entre outros.
b)
Em contos como “A.B.C.”, “Aprendiz”, “Bia não quer merendar”, “Nos embalos”,
“Questão de postura”, “Miolo mole frito”, “A placa”, são retratadas situações
que muitas vezes ultrapassam os muros da escola e mostram a extrema violência,
em diversos aspectos, a que estão submetidos os alunos. Em diversos casos tais
situações chegam a provocar a evasão escolar, como em “A placa”. Como você
encara esta situação? E a instituição escolar? Há alguma preocupação com a vida
dos estudantes por parte dela?
R.: Vejo isto como um problema muito sério. Na escola, acabamos por estabelecer
uma relação humana, pedagógica, social com os alunos, baseada principalmente na
confiança. Depois que você está há um tempo na escola – pelo menos um ano, um
ano e meio, acredito – desenvolvendo um trabalho sério com uma mesma turma,
você consegue adquirir a extrema confiança deles. E com isso, muitos destes
casos que aparecem as vezes de maneira superficial – no sentido de só vermos a
ponta do iceberg – são apresentados a você de uma maneira mais profunda, mais
intensa, até como forma de compartilhar não apenas a violência, o problema, mas
a sua solução.
Da minha parte, procuro não me
omitir quando vejo uma situação destas. Converso muito com os alunos, com o seu
consenso informo a situação à Coordenação, à Direção da escola; se necessário
converso com os responsáveis. A questão das drogas, a violência doméstica, o
abuso sexual, o trabalho infantil, entre outros, são questões que estão
colocadas, existem, não podem ser ignoradas. Só que é muito difícil lidar com
isto já que muitas vezes lidamos sozinhos com estas situações. A escola,
enquanto instituição, deveria responsabilizar-se, mas infelizmente não o faz, e
quando o faz, faz de uma maneira equivocada. Eu creio que os profissionais que
fazem parte dela não estão preparados – como muitas vezes eu não estou – mas o
maior problema é o desejo de não querer se aprofundar nestas questões, já que
elas demandam tempo, responsabilidades e muito trabalho. Somados ao nosso já
cotidiano massacrante, estas questões são muitas vezes ignoradas ou postas de
lado, o que não resolvem as violências pelas quais estão submetidas estas
crianças e adolescentes.
c)
Em contos como “Da frente do front”, “Papo reto”, “Perdidos na selva”, “Um
estranho no cano”, a situação de tensão constante também parece afetar a
relação entre os professores, entre estes e a direção da escola, e daqueles que
trabalham na escola com as outras pessoas de seu convívio social.
Frequentemente os professores que acreditam na educação pública como um
princípio aparecem taxados como “idealistas” ou “ingênuos”, e são coagidos
moralmente para se “enquadrar no esquema” e agir como todos os demais. Conte
como você lida com esta situação no seu cotidiano.
R.: Olha, algumas vezes eu dou risada, em outras eu finjo que não é comigo.
Muitas vezes eu tento apenas ignorar este tipo de comentário, mesmo porque se
for rebater a toda hora, a todo instante em que eles são manifestados, não
faria outra coisa na escola. Mas há determinados momentos que precisamos
questionar estas opiniões e posturas, principalmente quando isso se manifesta
quase como uma coerção moral. Mesmo porque senão acabamos caindo na idéia de
que não é possível mudar, de que nada funciona, nada dá certo. Algumas vezes eu
sinto isto, claro, faz parte, dependendo do dia, dos problemas e situações que
enfrentamos, ficamos enfraquecidos, querendo desistir. Mas no dia que eu tiver
a desistência total como princípio, como muitos colegas meus já fizeram, eu
abandono a escola. Acredito que será mais salutar para mim, para os
profissionais que me rodeiam e para os alunos.
E:
Em “Da frente do front” é mostrada a relação conflituosa existente entre os
professores e alunos que defendem a escola pública e o governo, responsável por
sua gestão. Em “Papo reto”, este mesmo conflito é colocado dentro dos muros da
escola, com a direção. Como você enxerga a gestão da educação pública hoje em
dia? Ela é democrática? Você considera que possui autonomia para desenvolver
seus projetos e seu método pedagógico? Como você lida com isto?
R.: Pergunta um “tantinho” quanto complexa. Primeiro, precisamos definir o
conceito do que entendemos por democracia. Democracia é “o poder pelo povo”?
Certo. Mas entendo que, na instituição escolar, democracia é a garantia de você
ter direitos. Ou seja, uma escola democrática, pra mim, é aquela que garante um
bom aprendizado e desenvolvimento do aluno, enquanto estudante e enquanto ser
humano. Avaliando por este ponto, nossas escolas não são democráticas. Não
apenas porque os alunos não participam das instâncias de decisões – e existem
algumas delas que eles não devem participar, já que existe a necessidade de uma
certa maturidade e aprendizado técnico, profissional – mas porque eles não
estão tendo a garantia dos seus direitos respeitados. Desde o direito mais
básico, como o direito à vida e ao desenvolvimento pleno e seguro, quanto o seu
direito à educação, cultura, lazer, respeito. Isto não está acontecendo em
nossas escolas.
Com relação ao desenvolvimento
de projetos pedagógicos, temos autonomia sim. Em alguns pontos, autonomia até
demais, eu acho. Pois o fato de não haver uma fiscalização, de não haver uma
cobrança sobre o trabalho dos professores, é parte da responsabilidade desta
lambança que temos hoje no ensino.
Por outro lado, não concordo
com o método que a Secretaria de Educação Estadual está querendo “corrigir”
este erros, com os “caderninhos” de proposta curriculares para o ano letivo.
Aquilo chega a soar como ridículo. Primeiro porque desconsidera todo o
aprendizado, toda a formação profissional do professor, responsabilizando-o
pela nossa situação catastrófica por “não saber ensinar”, e as coisas não são
bem assim. Segundo, o Estado, com estes cadernos, faz o professor se
comprometer com metas pelas quais ele sabe que o professor não poderá cumprir.
Por exemplo: em História, nos quatro anos do ciclo II do Ensino Fundamental,
parece que somos obrigados a trabalhar a história de “Deus e sua época”, ou
seja, tudo. Isto é inviável. Seria muito mais ético fazer com que os
professores estabelecessem sim, uma proposta curricular, um programa de trabalho
ao longo do ano, mais um programa sincero, nas quais os profissionais pudessem
se comprometer com a sua meta e realização real, na prática, e não essa
proposta curricular que é quase impossível de se fazê-la cumprir com o aluno
tendo o aprendizado concluído – já que esta também é uma questão posta: qual o
nosso objetivo? Aplicar o programa, a proposta, na sua totalidade, como eles
mandam – ou seja, conteúdo, conteúdo, conteúdo -, ou fazer o aluno apre(e)nder,
de verdade, ainda que seja o mínimo e necessário? Das duas, eu fico com a
segunda. Prefiro que o aluno apreenda um conteúdo mínimo proposto, com
informações elementares à sua vida, e tenha domínio sobre isso.
Que fique claro: não se trata
de se comprometer com a “educação mínima”, ensinar apenas o básico aos alunos,
não é isto. Mas rever a nossa proposta curricular atual e determinar o que é
viável, praticável e possível inclusive para que isto possa ser cobrado e sua
execução avaliada.
E:
Por fim, podemos ver hoje em dia uma série de conflitos políticos colocados na
cena da educação pública, com diversas greves e protestos dos professores não
apenas pelo aumento salarial, mas também contra políticas do governo estadual.
Como você vê o papel político dos professores atualmente? Qual a sua importância?
Como você enxerga a atuação da APEOESP?
R.: Os professores não tem um papel político atuante atualmente, com raras
exceções, é claro. A maioria está de saco cheio de tudo, querendo apenas saber
quanto vai cair de salário e pronto. Não os culpo por chegarem nestas
situações, muitos deles devem inclusive ter sido “idealistas” como sou hoje e,
por conta da estrutura, do governo, da direção, e dos raios-que-o-partam,
chegaram a este ponto. Não os culpo por isto. Irei culpá-los se estiverem de
saco cheio, cansados e continuarem na rede, empurrando com a barriga, fazendo
um péssimo trabalho, enganando os pais, a sociedade, os alunos. Aí devem ser
responsabilizados. Mesmo porque, eu fico pensando – agora, neste exato instante
– se houvesse um êxodo em massa de profissionais da educação, um grito de
“Basta!” emitido pelos professores, talvez o governo tivesse que fazer mudanças
que são profundamente necessárias em relação a nossa categoria.
Os professores não são
valorizados hoje em dia. E por responsabilidade sua, em primeiro lugar. O
docente não se valoriza muitas vezes enquanto pessoa, enquanto profissional –
na sua formação. O governo só complementa o trabalho.
A APEOESP deveria servir para
alguma coisa, já que é um dos maiores sindicatos da América Latina. Eu ainda
estou tentando descobrir para o que ela serve, por isso que sou filiado. E
apesar do número de professores sindicalizados, não acho que ela tenha a
representatividade em nosso meio como parece. E para mim um dos problemas é que
ela mesmo não se leva a sério.
A APEOESP deveria defender a
educação, mas ela só sabe defender a corporação. Isso, é grave. Pois o fato de
uma pessoa ser professor não significa que ela é uma boa pessoa, um bom
profissional. Qualquer ser humano que estude, faça uma faculdade
boca-de-esquina qualquer ligado à área educacional pode se tornar um docente, e
aí? Por isso ele se torna um cara, uma mina legal? Então não acho que todo
professor é defensável, e a APEOESP faz isso – não que não tenha direito de
defesa, mas não se pode colocar todos como “santos” como este sindicato muitas
vezes faz.
Outro problema da APEOESP é
que ela sempre coloca, como carro-chefe de suas reivindicações, a questão
salarial. É claro, é óbvio que o professor precisa ganhar melhor, ter um bom
plano de carreira, isto é óbvio. Mas uma coisa eu tenho como certa: ainda que
houvesse um aumento de 100% dos salários dos professores, não ia ter mudanças
substanciais na qualidade da educação paulista. Não creio. O que ia mudar é que
o poder de consumo, o poder de compra destes professores iriam aumentar, mas
não acredito que isso fosse ter um grande impacto na educação. Muitos docentes
não iam abandonar seus outros cargos por conta do aumento, muitos docentes não
iam melhorar a preparação de aulas por causa do aumento, muitos docentes não
seriam mais decentes, mais humanos na relação com os alunos que eles tratam
como lixo, como bicho, muitas vezes, só por causa deste aumento. E o sindicato
só fica nesta ladainha: aumento, aumento, aumento.
Acho que tem outras coisas
para serem colocadas na pauta de reivindicações, não apenas como adendo, mas
como proposta mesmo. Uma coisa já falei é a questão da proposta curricular:
fazer uma proposta viável. Discutir, seriamente, o que o aluno deve aprender na
escola, o que é possível ensinar durante um ano letivo, já que a história de
“Deus e sua época” não é possível. Outra coisa: vamos diminuir o número de
alunos por sala. Vinte alunos por sala, já. Pra ontem. Que se construam mais
escolas, que se repense os seus horários, não importa. Vinte alunos por sala,
já. É um número razoável, satisfatório e adequado para o professor trabalhar,
desenvolver diferentes propostas, projetos. Entre outros coisas. Se o professor
conseguisse ensinar os seus alunos dentro de uma proposta curricular viável, em
que todos aprendessem, trabalhando ao longo de alguns anos letivos numa sala
com vinte alunos, tenho plena convicção de que algumas mudanças surgiriam: a) a
evasão, problemas de indisciplina, diminuiriam; b) a qualidade da educação melhoraria;
c) alunos e professores estariam mais satisfeitos, com auto-estima elevada.
Posso dizer, com toda
franqueza, que eu dispensaria inicialmente um aumento de salário se eu tivesse
condições pedagógicas, administrativas e estruturais para trabalhar, se eu
estivesse satisfeito com o meu trabalho. Ficaria lá, com os meus quatro
salários mínimos, sem problema. Nós, seres humanos, não somos apenas material,
não é só a massa e o concreto que importam, mas precisamos de realização,
precisamos saber que o nosso trabalho, o nosso investimento está rendendo bons
frutos, que não é apenas um gasto, uma energia, física, emocional, mental que
você aplica e vai pro espaço, não é aproveitada. Se nós conseguíssemos executar
ações capazes de fazer com que tenhamos este retorno, com que tivéssemos
resultados, seria muito mais benéfico para todos, e acredito que muitos de meus
colegas professores estariam satisfeitos com isto.
E:
Gostaria de fazer alguma consideração final?
R.: Apenas que as questões aqui colocadas são bem complexas, que eu não tive o
tempo adequado para responder à todas, já que as respostas demandariam semanas,
meses de pensamento, reflexão e ação, mais do que apenas a semaninha que tive
para fazê-las. Dizer que Educação é algo que eu levo muito a sério, gostaria
que as pessoas envolvidas neste meio também o fizessem e, se acha que não dá
conta, se acha que não é possível mudar, se acha que não tem o que fazer; se
você não está a fim de investir nessa guerra que parece que não terá fim e que
não conseguiremos uma transformação, seja sincero contigo, abandone o barco e
vá fazer outra coisa da vida. Eu mesmo já pensei em desistir – estou pensando
muito nos últimos meses –, mas enquanto acreditar, prossigo. Quando desistir,
se desistir, aviso. Gostaria que outros profissionais da educação fizessem o
mesmo.
Quem vai começar a mudar a
educação não será o governo, não apenas. Seremos nós. Aqui em São Paulo um
partido político está há quinze anos tocando o barco e não conseguiu tapar os
buracos. Já estamos com a água no pescoço e afundando. Portanto, temos muito
trabalho a fazer. Façamos. Não podemos perder mais tempo.