sábado, março 08, 2014

Greve dos garis: um exemplo que vai fazer história!

Os proletários não têm nada a perder 
a não ser as suas correntes. 
Têm um mundo inteiro a ganhar.

- Karl Marx e Friederich Engels, Manifesto do Partido Comunista

Os que mais sofreram com o velho são os que lutarão
 com mais empenho e abnegação pelo novo.

- Leon Trotsky.



Olho as fotos das manifestações dos garis no Rio e penso: nunca em minha vida vi uma foto no Brasil com tantos negros juntos. A manifestação parecia uma insurgência de escravos insurretos transportada diretamente para as ruas do Rio. E eles, alcançando a herança de seus ancestrais que colocaram de pé os quilombos e assassinaram senhores de escravo, cantavam "chega de escravidão!".

Não é para menos: fazendo um trabalho dos mais duros, recebiam um salário de 800 reais. Seus relatos das condições de trabalho são assustadores: baratas encontradas no pão do "cafézinho", banheiros insalubres, todo tipo de condição degradante e absurda. Eles disseram chega.

Seu espírito ao tomar as ruas era o de uma nova época, uma que a minha geração não testemunhara ainda. Era a força de trabalhadores que acreditam na sua capacidade de lutar e de vencer. De gente que não se cala diante de um prefeito, da mídia, de um sindicato pelego, de ameaças e demissões. De gente que não tem medo de lutar, porque sabe que só tem a ganhar levando até o fim o seu combate.



Eles venceram, depois de apenas oito dias de greve, ficou claro para o governo que não havia como sustentar seu combate. As mentiras, as ameaças, as ilegalidades não foram suficientes. Cada passo da luta dos garis foi correto para levá-los à vitória.

Não se dobraram diante de seu sindicato, dirigido não por trabalhadores, mas por parasitas que sobrevivem às custas do imposto sindical e se alimentam da miséria dos trabalhadores, do sangue e suor de cada um que passa os dias limpando as ruas de sol a sol. Estes burocratas já não sabem o que é pegar uma vassoura. Do que eles entendem, é de reuniões a portas fechadas com os patrões, com cafezinhos, tapinhas nas costas, sorrisos, palavras amigáveis. Estes burocratas, acostumados a seu longo reinado, não sonhariam com o que esperava eles neste carnaval. E, por isto, cumpriram seu roteiro de todos os anos: um acordinho ridículo, mal disfarçado sob o nome de "luta" em seu site ou em algum boletim qualquer. Pronto: os trabalhadores voltariam a seu lugar - explorados, oprimidos, calados, varrendo as ruas. E eles poderiam voltar à sua mamata de cada dia, vivendo com um salário dezenas de vezes maior do que o de qualquer gari. 

Sua arrogância era tanta, que quando chamaram uma assembleia pelas suas costas, os parasitas do sindicato não sentiram necessidade de comparecer. Sem seus recursos materiais e sua "legitimidade" de direção, não sairia qualquer assembleia. Mas saiu. "Tudo bem", pensaram os parasitas. "Fechamos aqui um acordo com o governo e o patrão, e amanhã tá todo mundo de volta às vassouras." Nada disso: os garis foram à greve e não reconheceram a negociação fajuta dos burocratas. Esta foi a primeira vitória dos garis: mesmo que sua greve não conquistasse nenhuma das demandas econômicas, ao passar por cima destes vendidos eles mostraram que era sujeitos de sua própria luta. Eram ELES, os garis organizados em suas assembleias, quem diziam o que queriam.



Foram às ruas, em pleno carnaval. Sua tática de aproveitar um dos feriados que enche o Rio de turistas e volta os olhos do mundo para a cidade foi impecável: mostraram com isso que sabem o exato objetivo de uma greve - golpear os patrões onde mais lhe dói, mostrar ao máximo como sem os trabalhadores eles não são nada, não podem nada. O prefeito, desesperado, procura seus aliados mais importantes: a polícia e a imprensa. Bota a guarda para vigiar trabalhadores e ajudar a direção da empresa a assediá-los. Como nos tempos da chibata e do pelourinho, a Comlurb e Eduardo Paes querem colocar os trabalhadores negros para serví-los submetendo-os pela força física. Mas a greve não para. A imprensa mostra as ruas sujas, diz que não há greve, dá toda a voz à empresa, ao prefeito, ao sindicato; e nenhum espaço para os garis falarem de suas condições de trabalho degradantes, de seu salário de fome.


Eles não se intimidam. Desde o começo, nossa pequena organização se colocou a tarefa que qualquer revolucionário digno deste nome se colocaria: estar ombro a ombro com os garis nesta luta. Nossos camaradas no Rio tiveram o privilégio de aprender a cada dia a lição destes trabalhadores que, sem nenhuma organização prévia ou apoio, ousou enfrentar o mundo. Nós, aqui em São Paulo, mesmo não podendo estar presentes fisicamente, nos apaixonamos por esta luta desde o primeiro momento. E procuramos todas as formas a nosso alcance para ajudar. Divulgação na internet para quebrar o cerco da mídia, organizamos manifestações de solidariedade primeiro em nossos locais de trabalho e estudo. Pouca coisa, muito simples, mas o que estava a nossa mão: fotos com cartazes em apoio à greve. Na USP, no Metrô, nas escolas onde lecionamos. E, mesmo com poucas forças, deu resultado. Nossa manifestação apareceu no Estadão, no UOL e em outros meios. Fomos além e organizamos atos de rua em Campinas e São Paulo, fechando por alguns momentos a Avenida Paulista com pouco mais de cinquenta pessoas.

Trabalhadores da manutenção do metrô de SP em apoio à greve dos garis
Uma das coisas que temos em comum com estes garis, cuja luta tomamos com todas as nossas forças para nós mesmos, é a ousadia; saber que o maior erro que podemos cometer é subestimar nossas forças e dar a vitória para nosso inimigo de antemão, sem sequer lutar. Podemos, e frequentemente vamos, sair derrotados das lutas. Mas aprendemos e nos fortalecemos com cada combate, e mesmo nas quedas que sofremos. A esquerda brasileira não sabe desta lição; e por isto, sem acreditar na possibilidade dos garis lutarem, ousarem, enfrentarem o mundo, foram tranquilamente pular seu carnaval. O apoio poderia ser outro se organizações muito maiores que as nossas, como PSOL e PSTU, colocassem desde o dia 1 de março suas forças para fazer medidas de solidariedades como estas. Não importa. Não era isto que impediria que lutássemos, e muitíssimo menos que os garis saíssem às ruas, enfrentando todas as probabilidades de uma derrota.



E o governo estava disposto a impor esta derrota a todo custo: assim, demitiu por cartas e mensagens de texto no celular mil trabalhadores, dizendo que os substituiria. O governo e os patrões, quando o calo aperta, não têm medo de passar por cima das leis que eles mesmos fazem, como o direito constitucional de greve. Sabem que os juízes jogam no seu time. E sabem que a demissão de um afeta todos os trabalhadores, com medo de perderem seu emprego.

A segunda vitória fundamental da greve dos garis foi esta: não abaixar a cabeça diante de todos os ataques de seus inimigos. Saber que, se o cerco aperta, é necessário fortalecer as posições, procurar mais aliados, e seguir o combate se houver forças para tanto. Seguiram em luta. Começaram a furar o cerco e ganhar o apoio de diversos setores da população. Quando terminou o carnaval, a esquerda "de férias" voltou para a realidade e viu que esta greve era pra valer, e que era necessário apoiá-la. Ainda que o tenham feito de forma rotineira, como quem cumpre um velho calendário gasto, este apoio ajudou também.

Os garis não se dobraram. Estavam dispostos a lutar até o fim. Como os negros insurretos do Quilombo dos Palmares, que resistiu até a última gota de sangue contra a escravidão, e lutou quando já não havia esperança de vitória. Porque, uma vez que se sente o gosto de liberdade, de ser sujeito de sua própria história, já não se quer mais voltar atrás. E este sentimento, que cala fundo no peito de um trabalhador que toma consciência de que é ele quem bota este mundo pra funcionar, faz com que entendamos que frequentemente é melhor ser derrotado com a cabeça erguida do que seguir olhando para baixo. 

Esta determinação é que fez o que parecia impossível a apenas oito dias: os garis derrotaram a arrogância do prefeito, que publicamente declarava que era um "motim" que seria derrotado a qualquer momento. Conseguiram o aumento de seu salário, de R$800,00 para R$1.100,00, com aumento do ticket refeição de doze para vinte reais. E impuseram que não houvesse nenhuma demissão. Nas matérias na imprensa, se dizia: "garis saem insatisfeitos com o resultado." E é esta a terceira, e a maior vitória desta greve: saber que uma batalha que se vence contra os donos deste mundo é apenas um sinal de que sua dominação se sustenta, antes de mais nada, na mentira de que são invencíveis. Eles não são; e sem os trabalhadores, os patrões não são nada. A vitória dos garis no Rio entrará para a história da luta da classe operária no Brasil como a aurora de um novo despertar de consciência, de uma classe que começa a acordar de um longo e profundo sono, a lentamente tomar consciência de seu poder, de sua capacidade de se organizar e tomar para si a tarefa de se libertar e, junto consigo, libertar o conjunto da humanidade.

Não é nada menos do que isso o legado da greve dos garis do Rio de Janeiro, que transformou este carnaval em um momento para ser lembrado. 

Um comentário:

Unknown disse...

CARA QUERO AGRADECER MUITO A VOCÊS DE SAMPA/ SP. MUITO CARINHO COM VOCÊS!!! PARDAL SEU TEXTO FOI DEMAIS EU LENDO AQUI ME EMOCIONEI MUITO. PARABÉNS E MUITO OBRIGADO POR TUDO O QUE VOCÊS FIZERAM!
PEDRO HUGO DA SILVA BOTTI WICHAN.