quarta-feira, outubro 02, 2013

O dia D de "Dissolução do CO"!

Cartaz da Juventude às Ruas no ato do "Dia D" com programa que seria aprovado quase integralmente na assembleia à noite

(...) a consciência de classe não é uma coisa feita dos mesmos materiais
que as fábricas, as minas e os caminhos de ferro, mas de um material bem mais maleável; 
pode modificar-se rapidamente sob os golpes da crise,
sob o peso de milhões de desempregados.

- Trotsky, discussão sobre o programa com membros do SWP

A atual gestão do DCE (PSOL e PSTU) desde sua eleição estava com um plano bonitinho: os estudantes da USP vão se mobilizar em 2013 para votar pra reitor. Cada vez mais eu me convenço que este pessoal vê "os estudantes" como um tipo de gente à parte deles, gente que não deve entender as coisas e em cuja cabeça deve caber uma ou duas ideias por vez. Isto porque o programa deles para DCE falava somente duas coisas: cotas e diretas. E com isto e um programa bem colorido, desenhado e com mais de sei-lá-quantas-centenas-de-nomes em sei-lá-quantos-campi eles conseguiram se eleger, com uns consideráveis milhares de votos. E ficaram felizes, porque de novo tinham mais um ano de um grande aparato na sua mão para poder fazer esta política mesquinha. E dentro da gestão, o MES-PSOL por cima da carne seca e o PSTU...bem, o PSTU pode não mandar em muita coisa, mas pelo menos estão no aparato...e parece que cada vez mais para eles isto é o mais importante de tudo, porque NUNCA fizeram nenhuma crítica pública ao MES ou ao PSOL na gestão do DCE em dois anos de gestão em comum. Nem mesmo quando o DCE soltou a humilhante nota pública contra a "ocupação" da câmara feita "pela ANEL" (na verdade apenas pelo PSTU...).

Bom, tudo estava tranquilo com o DCE comandando a passividade na USP...mas aí veio junho, e tudo mudou. Tudo, menos a ideia do PSOL e PSTU que os estudantes sempre se mobilizam pelo que é mais evidente e "simples de entender", e não pelo que é mais correto e necessário. Façamos aqui uma distinção necessária: o PSOL é um partido essencialmente reformista, o que significa que sua estratégia para atingir o socialismo é conseguir pequenas reformas graduais por dentro do sistema capitalista até (supostamente) atingir o socialismo por vias pacíficas. O PSTU é um partido centrista, ou seja, que oscila entre posições reformistas como as do PSOL e posições revolucionárias - que têm como estratégia atingir o socialismo através de uma revolução, ou seja, da derrubada do Estado burguês e do sistema capitalista. Assim, as justificativas que cada um tem para suas "diretas pra reitor" são diferentes: o PSOL quer é "uma boquinha" no regime universitário, sonham em eleger seu mais novo filiado, o "pop star" da Filosofia, Vladimir Safatle, como reitor da USP. Assim como fizeram na Unifesp, onde a reitora já é do PSOL. O PSTU não: eles acham que garantir a votação pra reitor hoje realmente não vai democratizar de fato a USP, mas é "uma vitória", e quando os estudantes conseguem uma vitória eles se mobilizam por mais e..."de grão em grão o socialismo enche o papo".

Nós que militamos na Juventude às Ruas e na LER-QI achamos isto uma baboseira. As pessoas se mexem quando elas sentem que vale à pena se mexer, e o avanço de consciência não é feito por "etapas" ou "degraus". Elas foram às ruas em junho por isto: porque não aguentavam mais e acharam que valia a pena lutar. Quando algum reformista ou centrista me faz a já gasta comparação entre os vinte centavos (uma migalha!) e as diretas pra reitor, eu só posso ver nesta equivalência uma enorme lógica formal, um pensamento quadrado, estanque e nada dialético. Lênin dizia que os revolucionários devem estar na linha de frente da luta por cada demanda específica e econômica dos trabalhadores para elevá-las ao patamar de uma luta política contra o regime. Foi assim que atuamos em junho: estávamos na linha de frente pela redução da tarifa, mas em nenhum momento deixamos de apontar que a única forma de garantir um transporte público, gratuito e de qualidade para todos é a estatização do sistema de transporte sem indenização sob controle dos trabalhadores e usuários. PSOL e PSTU fazem o contrário: eles se diluem e se adaptam à consciência mais atrasada, para assim "dialogar" melhor. Deixam de cumprir o papel de qualquer organização revolucionária que mereça este título, e ao invés de tentar se fundir com as massas elevando o nível de seu programa, estratégia e organização, se diluem rebaixando seu próprio nível e passam de vanguarda à retaguarda que é arrastada pelas massas.

O irônico é que estas organizações se acostumaram a tal ponto a abrir mão de um programa correto em nome de "dialogar com as massas", que quando as massas vão à esquerda e assumem demandas mais progressistas, elas acabam passando por cima destas organizações com seus programas "dialogados". Trotsky dizia que muitas vezes os revolucionários estarão contra a corrente. Isto não quer dizer que não tenhamos que fazer pontes entre a consciência de nossa época e a necessidade do socialismo. Mas quer dizer que não abrimos mão de defender o que defendemos, pois se não perdemos o sentido de existir!

E ontem o DCE foi, feliz da vida, para o ato com centenas de estudantes, cujo mérito de ter construído e mobilizado a partir dos cursos foi centralmente deles, pois afinal são as maiores correntes do movimento e estão em muito mais lugares do que grupos minoritários como a Juventude às Ruas. E no ato, levaram com eles a "solução" para todos os problemas: desde a contaminação no campus da EACH, passando pelo currículo da Direito, pelas catracas da FEA, pela falta de professores da Letras, pela reforma da FAU, pelos espaços estudantis da ECA...tudo se resolveria... votando pra reitor!!! E eles convenceram centenas de estudantes disto, porque, afinal fazia sentido! Se eu voto pra reitor, posso exigir uma representação adequada! O curioso aqui é como se deu esta mobilização: o DCE colocou seus esforços, e colocou mesmo para discutir as diretas pra reitor nestes cursos, e fez uma coisa correta ao dizer que os problemas específicos estão ligados a como se governa a universidade em seu conjunto; mas ao fazer isto deu esta resposta capenga, que não responde em nada! No fim das contas, estão dizendo: o problema não é esta burocracia parasita e nojenta que governa a universidade, o problema é que eu não posso votar em um dos burocratas! E eles convenceram os estudantes achando que esta pauta era a mais mobilizadora. E os mobilizaram para o seu "Dia D" de "Diretas pra reitor". Só que este D foi de outra coisa...

Algo saiu do script do DCE, logo quando eles tinham centenas querendo votar pra reitor mobilizados. A primeira coisa é que fazia tanto tempo que eles não ocupavam uma reitoria, que já não sabiam mais como se fazia: os últimos militantes destes partidos que participaram de uma ação assim se formaram há tempos. E lá se foram eles, querendo derrubar portas de aço blindadas com chutes e pedaços de pau! Mas tudo bem, este problema foi contornado: conseguimos enfim, sob a liderança um pouco atrapalhada do DCE, entrar pela porta lateral. Tinha outro problema por vir, no entanto, e este era um pouco mais grave. O problema é que pra lá dos milhares de votos despolitizados nas eleições, das reuniõezinhas de cúpulas às sextas-feiras na salinha do DCE, dos conchavos de gabinete com mil e um burocratas, para lá de tudo isto existe um pessoal que teima em existir e atrapalhar os planos do DCE; este pessoal são aquelas "seitas ultra-esquerdistas" que "não dialogam com as massas". Entre estas "seitas ultra-esquerdistas" (qualquer semelhança com o discurso dos burocratas da CUT do Sindicato de Bancários sobre os quais escrevi outro dia não é, infelizmente, mera coincidência) está a Juventude às Ruas.

E nós estávamos no ato e na assembleia de ontem, com cerca de 800 estudantes. Contudo, o DCE não prima pela democracia nestas assembleias. Imagino que, na visão deles, dar espaço democrático para estas "seitas" falarem e colocarem suas propostas não ajuda a democracia de fato, que vai se realizar plenamente no diálogo entre seu programa rebaixado e os "estudantes normais". Assim, ontem, eles ligaram o trator e passaram por cima de nossa proposta de discutir cada ponto de nossos eixos de greve; isto levou a que rapidamente aprovassem um "blocão" de propostas com a solução para todos os problemas que já haviam apresentado para os estudantes ali presentes: "eu quero votar pra reitor!"

Foto do meu celular sem flash da assembleia geral em frente à reitoria

Mas, ao contrário do que o DCE pensa, os estudantes são bastante espertos, e sua consciência pode avançar aos saltos quando a situação histórica permite. E, depois de junho, a situação histórica neste país permite. O balanço que o DCE faz de junho é: conseguimos os vinte centavos, e agora os estudantes estão muito mais fortes para conseguir as diretas pra reitor. Nós, por outro lado, achamos o seguinte: em junho as pessoas disseram basta, e começaram por vinte centavos mas terminaram questionando os governantes e seus esquemas. Se o próprio regime eleitoral decrépito da burguesia está sendo questionado, porque os estudantes aqui dentro vão querer entrar em greve para votar pra reitor? Se votar pra presidente, governador, prefeito e parlamentares não mudou nada, o que vai adiantar votar pra reitor? As pessoas se mobilizam por mudanças efetivas. E elas estavam lá com a pauta de diretas ontem porque era a mudança mais efetiva que viam. No entanto, ao longo da assembleia ouviram pela primeira vez outras propostas: ficaram sabendo que quem dirige de fato a universidade é o Conselho Universitário (CO, de acordo com a sigla imbecil criada pela reitoria), que é composto por um punhado de professores parasitas que lucram com a terceirização e as fundações privadas; que para mudar a USP precisamos acabar com este CO e fazer um novo Estatuto; que a forma mais democrática de governar a USP é com um governo composto por professores, funcionários e estudantes, com membros revogáveis. Todas estas propostas foram aprovadas ontem na assembleia, para o desgosto do DCE que apenas "quer votar pra reitor".

Contudo, as resoluções da assembleia ainda expressam a confusão entre o programa velho (diretas pra reitor) e o novo, que responde em sua raiz aos problemas da democratização da USP. Agora, trata-se de ir pra cada curso desta universidade discutir com os estudantes este programa. Enquanto isto, o DCE da USP deve estar quebrando a cabeça com a seguinte questão: ora, mas estes não são uma seita parasita com um programa que não dialoga com os estudantes? Mas a assembleia não era composta por estudantes que aprovaram o programa deles? O programa que não dialoga com os estudantes? Então, podemos concluir que os estudantes não dialogam com os estudantes... que esquisito né? Como será que o DCE vai resolver este enigma?
Outro craft da Juventude às Ruas e do Pão e Rosas com outra parte fundamental de programa (a ser aprovado em breve...?)
Por fim, espero poder desenvolver este tema em outros textos, se a falta de tempo durante a greve permitir! Mas acho fundamental antecipar e deixar registrado que a nossa greve só pode ser vitoriosa se conseguirmos extrapolar as demandas da USP e nos aliarmos aos trabalhadores levantando alto as demandas de efetivação dos terceirizados sem concurso público e por cotas raciais proporcionais e pelo fim do vestibular. Por uma USP radicalmente democrática!!!

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