terça-feira, outubro 29, 2013

A greve, os DCEs e suas "vitórias", e os muros da USP



Ontem ocorreu a segunda reunião do Comando de Greve da USP desde que se iniciou a nossa mobilização. Em minha avaliação, foi um momento decisivo para terminar uma sequência de erros que colocam nossa mobilização em uma posição dificílima. Ela ainda é uma greve bastante forte e enraizada nos cursos, mas encontra-se em um impasse cujas principais saídas foram todas bloqueadas, uma após a outra. E o pior de tudo: tais bloqueios vieram diretamente dos que estão dirigindo a greve.

O primeiro momento de nossa greve era de uma oportunidade ímpar: confluíram as mobilizações da USP, Unicamp e a heróica greve dos professores do Rio. Tudo confluía para nos unificarmos. Era ainda mais simples, se pensarmos que a direção do DCE da USP é do PSOL e PSTU, a do SEPE (sindicato dos professores do Rio) também, e a do DCE da Unicamp é do PSOL. Contudo, toda a iniciativa de unificação que vimos por parte destas direções foram declarações vazias de solidariedade. Nós nos matamos de tentar: eu, pessoalmente, fui quatro vezes pra Unicamp durante a greve. Propusemos e foi aprovada um indicativo de Comando de Greve unificado de USP e Unicamp nesta universidade. Aprovamos também na USP. Na primeira reunião, contudo, os dois DCEs boicotaram. Propusemos, e na medida de nossas forças, procuramos implementar a unificação das pautas: que a Unicamp assumisse as bandeiras de democratização da universidade, e a USP as contra a repressão e a polícia. Mas somos ainda poucos, e o boicote ativo dos DCEs pesaram mais.

Mas a unificação pela qual lutamos não era apenas entre as lutas em curso; esta era, inclusive, a mais tática, e que poderia servir como impulsionador para uma outra, esta sim estratégica: a unificação com os que estão excluídos do ensino superior, os que estão relegados às péssimas condições de ensino no ensino básico público, os trabalhadores da educação que sofrem com a precarização de sua profissão. Uma unificação nacional em defesa de uma pauta ampla, democrática e estrutural em nosso país: por uma educação pública, gratuita, de qualidade, para todos e a serviço dos trabalhadores e do povo pobre. Era não apenas viável que a nossa unificação das três lutas colocassem esta perspectiva de um levante nacional em defesa da educação, como inclusive era necessário. Era, aliás, a única forma de conseguir lutar efetivamente pela pauta que a USP levantou desde o começo, de democratização da estrutura de poder da universidade.

Como sempre apontamos, as diretas pra reitor não são uma bandeira que levantamos. Por sua patente impotência em mudar qualquer questão relevante dentro da universidade. Levantamos a bandeira de uma Estatuinte Livre, Soberana e Democrática, que só pode ocorrer a partir da imposição de uma mobilização massiva e destruindo a estrutura de poder que existe hoje. Isso, é claro, não pode ocorrer com uma mera greve de estudantes da USP. Nossa greve cutucou os professores e funcionários da USP. Mas o trabalho de repressão e cooptação da reitoria surtiu efeitos, e não foi possível partir para uma greve unificada. Contudo, a unificação com outras universidade poderia dar um fôlego que atacasse no âmago o corporativismo e fizesse as outras categorias se moverem ao ver que algo grande estava se gestando.



Então veio o primeiro golpe decisivo. Ele não foi desferido pelas reitorias, nem pelos governos, mas pelo PSOL na direção do DCE da Unicamp. A correlação de forças ali, desde o começo, era impressionantemente favorável para o movimento. Basta compararmos a mobilização da USP em 2011 com a de Unicamp em 2013 para termos uma dimensão: o assassinato de Felipe, na USP em 2011, fez a situação política na universidade dar um giro à direita, com mobilizações de estudantes da Faculdade de Economia e Administração (FEA) pedindo a entrada da polícia no campus. Era a deixa que o reitor Rodas esperava, e ele assinou um convênio com a PM em agosto. Desde este momento, nós, da LER-QI e da Juventude às Ruas, nos pusemos a denunciar o acordo e dizer que era necessária uma mobilização contra a PM no campus; PSOL e PSTU, como de costume, disseram que os estudantes "não estão preparados" para a pauta do Fora PM. Em lugar disto, defenderam o programa de "por mais segurança" no campus, com seu "plano alternativo de segurança". Claro, isto dialoga mais com a consciência da maioria dos estudantes da USP, verdadeiros privilegiados que vivem dentro de uma bolha e, justamente por isto, estão sujeitos a serem atacados pelos que não tem os mesmos direitos que eles. A questão é que o papel dos revolucionários não pode nunca ser defender o que é mais fácil, mas sim o que é correto, sempre. E, claro, procurando dialogar da melhor forma possível. Esta é uma divergência de fundo que temos com estas correntes. A questão é que naquele momento os estudantes não se mobilizaram nem pelo "fora PM", nem "por mais segurança". Até o dia 27 de outubro. Uma greve imensa decorre disto - mais uma vez apesar da política nefasta de PSOL e PSTU - mas não conseguimos reverter o ataque da reitoria. A PM permanece.

Na Unicamp, junho havia mudado tudo: logo após o assassinado de Denis a reitoria assina o convênio com a PM e a resposta dos estudantes é imediata, realizando grandes assembleias de curso. A reitoria é ocupada e a greve cresce. Em pouquíssimo tempo o reitor, Tadeu, eleito com um programa "democrático" e com o apoio de diversos setores de estudantes, professores e funcionários iludidos por sua demagogia, foi obrigado a retroceder e dizer que não assinaria mais convênio algum. O movimento estava forte, na ofensiva, e com a possibilidade de, com esta importante conquista em mãos, ir por mais, unificando-se com a USP e indo ao fundo da questão: a expulsão permanente da polícia só pode se dar com a mudança radical da estrutura de poder.



Mas pro PSOL aquilo já era uma grande vitória. E para eles, o que se trata é de conseguir vitórias, isto é o que importa em qualquer mobilização. Seu programa é sempre o que eles julgam que irá mobilizar mais os estudantes - mesmo que não seja lá muito correto - e sua meta é sempre sair da luta com algo que possam chamar de "vitória" - mesmo que não seja lá grande coisa ou até que não seja coisa alguma mas que possa receber de alguma forma o rótulo da "vitória" para eles "moralizarem" os estudantes. É que em sua lógica, é a conquista de "vitórias" que leva os estudantes a saberem que é possível lutar e ganhar, e aí vão lutar mais e conseguir mais "vitórias"... e de vitória em vitória, um dia, quem sabe, mudamos o mundo... ou não. O PSTU, em linhas gerais, atua mais ou menos com a mesma lógica. É por isto que defendem como pauta, na USP, as diretas pra reitor: porque acham que é o que mais mobiliza, e porque achavam que dava pra conquistar. Achavam porque agora estão na luta - ou, mais precisamente, na negociação - por muito menos, por qualquer migalha que possam colocar o rótulo de "vitória" em cima. Em seu afâ por literalmente inventar vitórias, chegaram a cantar como vitória o fato de que a reitoria sentou pra negociar (!) e que a USP não vai anular o semestre letivo da universidade inteira (!!).

Enfim, foi esta lógica absurda que levou a que o PSOL defendesse, em uma assembleia com quase 500 estudantes mesmo em um dia de chuva (o que para os parâmetros da Unicamp é algo sem precedentes), que os estudantes desocupassem a reitoria ao invés de seguir construindo a greve e a ocupação. Pela pouca experiência dos estudantes com a direção do PSOL - há anos não acontecia uma mobilização expressiva na Unicamp - e por sua confiança ainda inabalada, eles convenceram uma maioria cambaleante: a votação foi de 159 pela manutenção da ocupação, 231 pela desocupação e 80 abstenções. Foi o golpe fatal na greve. Voltei, na semana seguinte, para a assembleia. Menos de cem pessoas presentes. No dia seguinte à desocupação, o vice-reitor foi à imprensa desdenhando do movimento: disse que a polícia não estava descartada na Unicamp. Mas quem terminou a desmoralização de uma luta massiva foi o DCE, ao aprovar na assembleia a proposta de que o movimento estudantil faça uma campanha financeira para arcar com os custos dos estragos causados pela ocupação. o reitor Tadeu, com sua adega recheada de vinhos finos e um gordo salário, deve estar feliz de ver como foi fácil mudar o jogo, e colocar na defensiva um movimento que estava tão forte.




Em seguida, PSOL e PSTU deram mais um golpe na greve, quando acabaram com a forte greve dos professores no Rio. Aí, encerrou-se o momento de conseguir unificar as lutas, coisa que nunca tiveram como meta, pois o que se trata é de cada um conseguir a "sua vitória". Para que não digam que estou inventando, ouvi mais de uma vez dos diretores do DCE da Unicamp que "a melhor maneira de apoiar os estudantes da Unicamp é sairmos da reitoria com esta vitória, e eles verem que é possível vencer". A lógica deles é aritmética, e sua lógica é a formal: vitória da unicamp, mais vitória da USP, igual a duas vitórias para o movimento. A questão é que uma vitória unificada de USP e Unicamp tem uma qualidade muito superior a duas "vitórias" isoladas, que podem rapidamente se transformar em derrotas quando o movimento bate em retirada em plena ofensiva, como vemos na Unicamp, onde a polícia civil está chamando estudantes para depôr e preparando as punições.

Diante disto, o movimento chegou a uma situação difícil: na USP, a reitoria continuava enrolando nas negociações, sendo intransigente e arrastando a greve. Em alguns cursos, o DCE começou a tentar aplicar uma "estratégia" de conseguir vitórias locais, já que estava se tornando evidente que a greve não teria correlação de forças para conseguir sua "vitória" das diretas pra reitor. Reivindicam como exemplo em suas falas nas assembleias o curso de Educação Física, que conseguiu demandas extremamente insignificantes e corporativas, e os estudantes saíram da greve. É a mesma lógica que aplicaram na Unicamp: o melhor é sair da luta com a sua "pequena vitória" ao invés de se manter unificado ao resto dos estudantes, lutando pelas pautas que podem fazer a diferença. É a miséria do possível em sua expressão mais patética.

Nós, que não fazemos avaliações farsescas para tentar agradar ou moralizar ninguém, vimos que a única possibilidade de fazer o movimento avançar após tantas traições e erros, era radicalizar seus métodos e sua pauta, numa tentativa de trazer de volta à ativa milhares de estudantes que hoje estão em casa, fazendo com que nossa greve se enfraqueça, e ao mesmo tempo tentar dialogar com a população. Por isto propusemos uma ação de, em um ato político, quebrarmos os muros que dividem a USP da favela que está ao seu lado, a São Remo. Como já disse aqui antes, a história da São Remo confunde-se com a própria história da USP. A universidade, por sua vez, na tentativa de garantir "mais segurança" para a sua ilha da fantasia, ergueu muros no campus nos anos 1990, passou a restringir o acesso, vetou o projeto da linha amarela do metrô que previa duas estações dentro da Cidade Universitária, e colocou a polícia para patrulhar o campus. A mídia, para acabar com nossas greves, sempre as vendeu como mobilizações de privilegiados em defesa de seus privilégios. O DCE ajuda a fortalecer esta visão ao levantar como pauta central as diretas pra reitor. A nossa ideia era justamente mostrar que nossa mobilização é para democratizar radicalmente a universidade, de colocar para dentro os que estão excluídos pelo filtro social do vestibular, que só podem entrar na universidade para ocupar os postos de trabalho mais precarizados, colocando a universidade para funcionar a troco de superexploração. Mais uma vez, o DCE foi contra. Em sua concepção, este tipo de medida não dialoga. Em oposição propuseram um trancaço nos portões da USP no dia da negociação, para tentar desesperadamente arrancar alguma migalha e poder defender o fim da greve com alguma "vitória". Na tentativa de inventar vitórias, soltaram este comunicado em que enrolam muito para tentar vender suas supostas vitórias.

Agora, resta saber como vamos seguir nossa luta e derrubar os muros da USP de fato. Será que de vitória em vitória vamos chegar lá...?

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