quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Foi aí. Abrupto, aquele ódio irracional estancou numa engolida em seco, com gosto de cigarros e uma bebedeira de cerveja, que já começava a se transformar em ressaca na boca azeda e na mente empapuçada. Olhos estáticos, corpo imóvel. A mente se calou por dentro, ficou sentindo os reflexos lentos do corpo. O peito chiava arfante numa respiração difícil. O coração tamborilava sacudindo todas as veias, sentia-o retumbando no ouvido e latejando nas mãos. Foi invadido pela consciência da manhã que despertava, com seu frio manso e um galo que esganiçava em uma qualquer vizinhança. Sentiu então, como se fossem de outro, as gotas de sangue que lhe escorriam pelo braço. E a pontada de dor na mão cortada veio como um pungente aviso de que estava vivo, e que parecia que não podia fazer nada contra isto. Não podia fazer mais nada contra o dia que vinha em ondas fortes, destruindo o que encontrava por sua frente. E seu cérebro, alagado por aquele regurgitar salgado e incessante, agitou-se furioso mais uma vez, tentando entender alguma coisa. Desesperadamente qualquer coisa.
No chão, as gotas vermelhas pingavam formando pequeninos círculos no piso branco. Aqui e ali jaziam os cacos mortos do copo de requeijão, únicas testemunhas e cadáveres esmiuçados do cúmplice que transportara em longos goles a cerveja para dentro da boca, do esôfago, do estômago ulcerado, da mente confusa, cansada, sedenta.
Não adiantara.
Sentou-se maquinalmente, olhos vidrados, na cadeira ali ao lado. As primeiras lágrimas desta nova leva saíram ardidas dos olhos, acompanhando o flexionar pesado das pernas. A mão caiu sobre os joelhos espalhando manchas rubras pelo tecido cor de creme. Começaram aos poucos a vir as imagens da briga em soluços arrependidos de memória. Gritou, lembrava, mas não sabia dizer o quê. Provavelmente balbucios desconexos que naquele momento pareciam botar pra fora todo o medo que guardava a cada segundo e minutos dos dias pretensamente felizes. Seu ódio era uma colcha de retalhos daquelas pequenas provocações que se acumulavam, misturado com os sorrisinhos que lhe foram vendidos a tão alto preço. Sentiu a vida como um grilhão e desmaiou no sofá. Precisava de sonhos.

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