sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Dizem, e as palavras passeiam rápido através da superfície das línguas ferinas que se alimentam do chorume das tristezas alheias, que as crônicas de uma triste peregrinação nunca estão completas até que a primeira gota de sangue toque o solo. Antes disto, tudo é um prelúdio, uma elaborada dança de corpos e mentes que, como um antigo ritual sagrado demais para que sobre ele se fale, encena-se num sombrio jogo de adivinhações. As facas quentes das palavras e gestos colocam suas lâminas em brasa na fogueira dos desejos. Os olhares, os toques, as lembranças. É tudo alimento, tudo é água no deserto da solidão.
Sentado num sofá, o corpo poeirento de milênios de espera, a alma amortecida de tanto pensar, o espírito calejado de tanto doer. A ânsia secreta por um projeto de vida, por um sonho de abrir, com a envergadura de quem não tem mais coragem de temer a vida inteira, as longas asas em direção ao mistério.
E se jogar. Sim!
Num último ato de desespero e esperança; em direção ao sol, em direção ao solo, em direção ao sonho. E sentir as batidas tribais de um coração estúpido e o vento lambendo as lágrimas, descolando-as dos olhos, lavando o pó dos anos, enquanto se aguarda o resultado daquelas asas estendidas. Em um golpe de sorte tudo se decide: ou se voa rumo ao longe, ou se fica rumo ao chão.
O impacto teria a dor surda de um fim sem homenagens, sem elegias. Nem ao menos uma voz rouca para cantar as vergonhas de uma alma que se despede sem vitórias.
O vôo teria o medo do novo. E os caminhos infinitos que se abrem numa jornada, cada passo é uma porta aberta no fio da navalha.
Viver é feito de desafiar a si mesmo.

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