terça-feira, outubro 17, 2017

links efêmeros

Só nessa semana vi duas pessoas postando mensagens com teor muito parecido em seus perfis no Facebook, mais ou menos assim: elas pediam desculpas a seus amigos por não estarem presentes, não estarem respondendo ou não os estarem procurando. Dizendo que a ausência não significava descaso, mas sim uma incapacidade de procurar as pessoas movida pela depressão. Um trecho dizia assim:

"sinto falta de todos, minha ausência não é descaso.

Depressão é um negócio intenso que te faz desabar. Você desaparece dos outros, para os outros e muitas vezes para você mesmo.
Se eu não te respondi, não te procurei, não apareci, não significa que não me importo. As vezes só significa que sair na rua me é insuportável, que falar com pessoas aumenta minha ansiedade.
Amo todos vocês e sinto falta. Espero logo poder voltar"

Me identifiquei muito com o espírito dessas mensagens. Nenhuma das duas são amigas próximas; mas são pessoas por quem tenho uma consideração grande, ainda que distante. Elas tocaram num ponto que vinha martelando em mim, sobre como é horrível esse sentimento de solidão na depressão, mas que ao mesmo tempo é a solidão que é gerada pelo isolamento auto-imposto, pela incapacidade de se mover em direção ao outro. São diferentes as pessoas e diferentes seus sentimentos, mas a incapacidade de contato social é muito parecida.

Isso me fez pensar também sobre as relações de amizade que temos. Acho que em parte é por estar mais velho. Morando entre duas metrópoles. Mas tem também a ver com o capitalismo degradado e vestido em suas roupagens de redes sociais. A ausência/presença é constante. Ninguém mais sente sua falta porque você parece estar sempre presente por meio de seus perfis. A própria solidão é comunicada por postagens no Facebook, e devidamente curtida e comentada. Você já pode estar sozinho acompanhado. E jamais estar acompanhado de fato. Eu sei de tudo o que acontece na vida de amigos que não vejo há mais de uma década - poderiam ser eles meus amigos? - e no entanto não consigo contar até dez os amigos que vejo a cada mês, ou a cada bimestre, ou mais...

Há uma perversidade profunda a ser explorada nessa solidão de novo tipo, em seus mil aspectos. Muito além inclusive do evidente narcisismo da felicidade compulsória, já repisado como mais uma "denúncia para consumo imediato", mas sempre pouco refletido em seu verdadeiro significado. A companhia compulsória de aplicativos, redes, mensagens constantes não nos deixam mais ficar sozinhos. Se ficamos, postamos uma mensagem pública nas redes explicando nossa solidão. Mas ela está lá, sempre. E talvez seja por isso muito mais difícil se comunicar.

Sera só eu que sinto essa dificuldade crescente? Será que tem a ver com minha cabeça apenas, que as palavras não me saem mais? Que não consigo sequer mais escrever direito, e falar então para alguém algo direta e sinceramente sobre o que sinto é um abismo intransponível?

Eu sempre fui e não fui tímido. Fui e não fui solitário. Na adolescência, pelo menos, contava sempre com amigos íntimos a quem sabia poder recorrer. Hoje posso supostamente contar com mil pessoas, e não conto com ninguém de fato. Minhas relações tornaram-se cada vez mais pragmáticas e superficiais.

Quando me tornei uma figura pública no movimento estudantil, meio que me acostumei a ser duramente hostilizado, a ser alvo de boatos estúpidos criados por gente com quem nunca havia trocado uma palavra. Mas pouco me deixava atingir por isso. Hoje, contudo, destruir uma pessoa na esfera pública permanente em que todos vivemos, chamada Facebook, se tornou incrivelmente fácil. Tudo o que você fala ou faz, independentemente de qualquer coisa, pode e será alvo de escrutínio e impiedoso julgamento público.

As relações, por outro lado, supostamente amarradas pelo laço virtual das timelines, são cada vez mais efêmeras, fugazes. Poucas coisas me abalaram tanto quanto o corte abrupto, irreversível e inexplicado de duas relações que considerava basilares em minha vida. De gente que eu realmente olhava nos olhos e dizia amar. Foi uma dura lição de que acabar com relações - será uma questão geracional? - tornou-se o "unmatch" da vida. Te bloqueio no face, no whatsapp, e fim. Nada há a ser explicado. Posso te jogar meia dúzia de jargões sobre porque "não sou obrigado", e o copo plástico descartável em que você se transformou vai pro lixo. E já não consigo superar distância nenhuma. A vida é um punhado de "matchs" que de um dia pro outro se desfazem. E com os que perduram anos, dezenas de anos, os encontros precários, esparsos, dão a oportunidade de trocar frivolidades e amenidades ao vivo, ao invés de pelas timelines.

A depressão virou condição elementar de vida, cíclica, entranhada, imanente, intrínseca.
Comunica-se por recado, ganha-se abraços virtuais.
E tudo que é sólido se desmancha nas redes.

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