sexta-feira, setembro 20, 2013

Uma greve, uma reação



Sete horas da manhã na porta da Agência Sete de Abril, no centro de São Paulo. Primeiro dia de greve dos bancários em todo o país, uma chuva cobre a cidade desde a madrugada, e minha casa amanheceu sem luz. Em uma manhã tão boa para ficar embaixo dos cobertores, eu e mais alguns camaradas da Juventude às Ruas da USP e Metroviários pela Base fomos apoiar os trabalhadores da Sete, que desde 2011 passaram a combater a passividade construída por décadas de uma direção sindical parasitária e acomodada, que está lado a lado com o governo que há mais de dez anos garante lucros recordes para os banqueiros brasileiros.

A burocracia sindical da CUT está há décadas encastelada no sindicato graças à estrutura sindical que existe no Brasil desde a época de Getúlio Vargas e suas reformas sindicais que atrelaram os sindicatos ao Estado, e também aos parasitas que hegemonizaram o PT, transformando um dos maiores partidos de trabalhadores criado no país em um mero aplicador das políticas da burguesia. Parasitas bem remunerados, que há anos não trabalham e vivem do imposto sindical e de fazer acordos com a patronal, fazendo de tudo para impedir a organização política independente dos bancários. Suas greves de calendário são uma triste rotina do movimento sindical brasileiro. Nelas, o sindicato contrata funcionários para fazer sua "greve terceirizada": eles passam nas agências, colam adesivos de greve e faixas, às vezes colocam um "piqueteiro terceirizado" para ficar na frente da agência por 50 reais! E só para ilustrar a seriedade com a qual estes dirigentes encaram a mobilização dos bancários, por uma "coincidência" incrível a APCEF (Associação de Pessoal da Caixa Econômica Federal) está fazendo uma "promoção relâmpago" das suas colônias de férias na semana em que se inicia a greve!!! Por isto, quando dizemos que é uma passividade construída, não estamos dizendo à toa: o interesse material dos parasitas do sindicato é que os trabalhadores continuem reféns de suas negociações com a patronal sem nenhuma interferência da base, e colocarão todos os seus recursos a serviço de atingir este fim. Mais uma mostra disso é a "democracia" que garantem nas assembleias dos bancários, contratando bate-paus para impedirem os trabalhadores de falarem e, quando a correlação de forças não permite que impeçam a oposição de se manifestar, eles colocam seus "funcionários" para vaiar, como na assembleia do dia 12/09.

A Sete de Abril quer ser tudo o que a burocracia petista não quer: uma agência que se organize desde a base para colocar os trabalhadores como sujeitos de sua greve; uma agência que faça de seus bancários verdadeiros tribunos do povo, lutando contra a precarização do atendimento aos clientes e unificando a luta salarial pela luta política contra os banqueiros seus governos que defendem seus lucros a ferro e fogo; uma agência em que os efetivos lutem pela unificação com os terceirizados, por sua efetivação e contra a super-exploração dos trabalhadores das lotéricas que tem que cumprir função de bancários por um terço dos salários; uma agência que combata a burocracia sindical e a polícia, resgatando os métodos históricos de luta dos trabalhadores; uma agência, enfim, que ultrapasse as greves fajutas das data-base e alce a luta pontual dos bancários a um verdadeiro embate entre classes: bancários e clientes contra banqueiros e governos. Foi com esta moral e este método que paramos a sétima agência mais lucrativa da Caixa em todo o país, para desgosto dos capitalistas, dos burocratas, dos policiais, dos reacionários.

É por isso que participar do Piquete da Sete é uma experiência tão recompensadora e desafiadora. E não tardou para que a combatividade dos trabalhadores da Sete e do Avante Bancários provocasse a reação dos que veem na luta dos trabalhadores uma ameaça. Aproxima-se do piquete uma senhora, que manifesta seu desejo de entrar. Nós, como fizemos em todos os casos anteriores, explicamos que a agência está fechada, e ainda indicamos que na da República está funcionando o auto-atendimento. Quase todos que passaram por lá agradeceram a informação e andaram um quarteirão para utilizar a outra agência (entupindo os fura-greves de trabalho extra). Mas não esta senhora. Para ela, é uma questão de princípios, de direito, de dignidade. Se as máquinas estão ligadas, ela tem o direito de entrar. Nós explicamos, calma e pacientemente, que não: os funcionários estão em greve. Mas é o caixa-automático, explica ela. Mas ele é operado por pessoas, explicamos nós.

O diálogo chegou ao seu limite, ela não vai arredar pé de seu "direito", e anuncia que respeita o direito de greve dos trabalhadores e que eles devem respeitar o dela. Como ela própria afirmou posteriormente, sua posição cabe no chavão: o meu direito acaba onde começa o direito do outro. É assim que a burguesia liberal cunhou sua noção de liberdade, pois os direitos dos trabalhadores de uma vida digna acabam onde começa o direito à propriedade privada. Para os comunistas é o inverso: o meu direito começa onde começa a liberdade e o direito do outro. A liberdade entre os indivíduos não é fruto de uma competição, mas de uma cooperação, onde a sua liberdade me torna mais livre e vice-versa. Um pensamento tão simples e verdadeiro, que contudo nunca caberia na cabeça daquela mulher, moldada por um mundo com muitos direitos para poucos e poucos direitos para muitos.

Ela pega seu telefone. Adivinhando sua intenção, eu lhe informo: "tem uma viatura ali do outro lado da rua". É exatamente para lá que ela vai. Nos divertimos vendo a cara de desgosto do policial que tem sua ociosidade interrompida pela mulher que se recusa a andar mais um quarteirão para usar o caixa eletrônico (é uma questão de direitos!). Depois de um tempo e muita encheção de saco, ela convence o policial a "servir e proteger"...o direito de afrontar uma greve. Chegam mais viaturas, os policiais se aproximam, pedem pelo líder. Nosso camarada Edison, militante da LER-QI e do Uma Classe, delegado sindical da Sete, se apresenta.


Ouvimos a boa e velha ladainha que todos os coxinhas devem aprender no seu manual de adestramento de cães de guarda: a greve é um direito que ele não contesta; mas ele está lá para fazer cumprir a lei, e a mulher tem o direito de entrar. Ele, inclusive, também garante o direito dos bancários fazerem greve (será que ele realmente espera que alguém acredite nisso?). Escolhemos um argumento bastante simples e compreensível: não adianta ela usar o caixa, os operadores deles não vão trabalhar. O policial retruca: "Mas o caixa é automático". Sim, mas alguém opera ele! "Ah, você quer dizer que quando alguém pede dinheiro fica uma pessoa ali pra dar o dinheiro?" Provavelmente o policial, em toda a exuberância do funcionamento de seu cérebro de assassino fardado, imaginava um homem - talvez um anão - dentro da máquina enfiando cédulas. O coitado não consegue imaginar a diferença entre "automático" e "mágico"; não entende que a máquina não fabrica dinheiro, não processa os depósitos, e não prescinde do trabalho de um ser humano que a opere. Este argumento custou a entrar em sua cabeça. Minha vontade - evidentemente e infelizmente não realizada - foi de lhe dizer: "bom, chamam sua pistola de automática, mas mesmo assim precisam de um imbecil como você operando ela para que possa matar. É a mesma coisa com o caixa: ele chama automático mas são pessoas que operam ele. A diferença é que ele não mata e é operado por trabalhadores, não por assassinos". Acho que seria didático e ele entenderia na hora, mas me custaria mais problemas do que tentar fazê-lo entender por outras formas mais sutis.

Por trás desta pequena "ingenuidade" do soldado servidor da lei está, no entanto, algo muito mais significativo do que a sua mesquinha estupidez: está o processo ideológico que desde sempre se utilizou para esconder a verdade elementar de que a produção de tudo o que existe depende exclusivamente do trabalho de mulheres e homens explorados cotidianamente. Começa com o fetiche da mercadoria, em que o trabalho humano aplicado na produção de todas as coisas está distante de nossos olhos e de nossa mente: as coisas parecem surgir como um passe de mágica (como o dinheiro no caixa-eletrônico!); nos últimos trinta anos, o discurso permanece o mesmo mas ganha nova roupagem: as máquinas fazem tudo, não há mais trabalhadores. Procura-se dizer que a classe trabalhadora não existe mais. A academia vomita este senso comum burguês como uma verdade inabalável. A polícia o mastiga de forma rudimentar no piquete da Sete, enquanto ameaça levar todo mundo pra delegacia. Mas quando os trabalhadores decidem se organizar e passam a confiar nas suas próprias forças, já não é mais tão fácil convencê-los de que eles não podem. Eles descobrem que podem muito mais do que sempre lhes disseram.

Em meio ao discurso da mulher, que agora se revelou uma advogada (tá explicada a fixação pelos "direitos"!), repassa seus argumentos. Exclama, entusiasmada: "vocês não sabem a força que têm, deveriam estar em outro lugar." Mas acho que quem não sabia a força do piquete da sete era ela... "Eu nem discuto o direito de greve de vocês, mas tem que respeitar o meu direito. Se o caixa está ligado, eu tenho direito de usar". Ou seja: respeito o direito de greve, contanto que ele não paralise a produção; em outras palavras, respeito seu direito contanto que ele não sirva para nada. Ela não discutiu mesmo o direito de greve: para fazer isto ela contou com a polícia; eles teriam argumentos mais persuasivos...

Mas o verdadeiro conteúdo social de sua revolta se expressou mesmo na seguinte colocação: "Se estivesse fechado o banco, aí seria outra coisa. Mas vocês que estão impedindo a passagem!" Ah! Agora eu entendi! Se fosse a patronal fechando o banco e impedindo os clientes de usar o serviço, não tem problema. O problema mesmo é que os trabalhadores estavam se organizando para parar o banco; o problema mesmo é que os trabalhadores tiveram a petulância de afirmar que são eles os produtores, e por isto podem controlar a produção. Por isto ela não podia andar um quarteirão a mais para usar o caixa eletrônico! Porque a realidade é que é uma questão de classe, e não de quarteirões ou "direitos" em abstrato. Com sua licença, chamo aqui o camarada Lenin e um trecho de seu texto "Sobre as Greves" para explicar melhor:

"Mas as greves, por emanarem da própria natureza da sociedade capitalista, significam o começo da luta da classe operária contra esta estrutura da sociedade. Quando operários despojados que agem individualmente enfrentam os potentados capitalistas, isso equivale à completa escravização dos operários. Quando, porém, estes operários desapossados se unem, a coisa muda. Não há riquezas que os capitalistas possam aproveitar se estes não encontram operários dispostos a trabalhar com os instrumentos e materiais dos capitalistas e a produzir novas riquezas. Quando os operários enfrentam sozinhos os patrões continuam sendo verdadeiros escravos, que trabalham eternamente para um estranho, por um pedaço de pão, como assalariados eternamente submissos e silenciosos. Mas quando os operários levantam juntos suas reivindicações e se negam a submeter-se a quem tem a bolsa de ouro, deixam então de ser escravos, convertem-se em homens e começam a exigir que seu trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que permita aos trabalhadores viver como pessoas. Os escravos começam a apresentar a reivindicação de se transformar em donos: trabalhar e viver não como queiram os latifundiários e capitalistas, mas como queiram os próprios trabalhadores. As greves infundem sempre tal espanto aos capitalistas porque começam a fazer vacilar seu domínio. “Todas as rodas detêm-se, se assim o quer teu braço vigoroso”, diz sobre a classe operária uma canção dos operários alemães. Com efeito, as fábricas, as propriedades dos latifundiários, as máquinas, as ferrovias, etc, etc, são, por assim dizer, rodas de uma enorme engrenagem: esta engrenagem fornece diferentes produtos, transforma-os, distribui-os onde necessário. Toda esta engrenagem é movida pelo operário, que cultiva a terra, extrai o mineral, elabora as mercadorias nas fábricas, constrói casas, oficinas e ferrovias. Quando os operários se negam a trabalhar, todo esse mecanismo ameaça paralisar-se. Cada greve lembra aos capitalistas que os verdadeiros donos não são eles, e sim os operários, que proclamam seus direitos com força crescente. Cada greve lembra aos operários que sua situação não é desesperada e que não estão sós."
E é por isso que o pequenino exemplo do Piquete da Sete tem que ser combatido tão decididamente, e logo eram quatro a cinco viaturas em cima de nós. Tomam o RG de Edison bem como o meu, pedido pelo coxa porque eu estava filmando ele "sem autorização". Ameaças, intimidações: "Quantos são? Ah, quatro viaturas dá pra levar todo mundo." Os bancários da Sete conseguem convencer a gerente geral a trancar a porta da agência, e nós liberamos a entrada para que a mulher passe. Triunfalmente, a advogada avança rumo à porta e aperta o botão para abrí-la: nada acontece. "Não é justo! Vocês pediram para eles trancarem!" Pobre reacionária...vai para casa com uma lição: a unidade dos trabalhadores tem força política concreta, que nem sempre a força das armas pode derrotar. A verdade é que a gerente da agência foi obrigada a fechar a porta porque dependia dos trabalhadores para tudo, e não lhe restava opção neste caso a não ser ceder. Não só é justo, como é necessário que os trabalhadores imponham sua força sobre quem os explora.

Mas não acaba por aí. Era uma questão de direitos, e por isso a advogada irá levar sua cruzada anti-greve até o fim: exige dos policiais que levem o delegado sindical para a delegacia para prestar esclarecimentos. Isto nos é informado, justamente quando Edison fazia uma fala no microfone aberto que nos acompanhou no piquete. A denúncia é imediata (em breve postaremos vídeos das falas) sobre a tentativa de cercear o direito de greve, e no microfone ela toma a Sete de Abril e intriga os passantes, que a esta altura se perguntavam o que era a confusão. Não é difícil para nenhum trabalhador honesto entender, e não foi difícil para Edison explicar aos que passavam ali no horário de almoço, que a greve dos bancários - se consegue passar por cima da burocracia sindical, da polícia e dos patrões - só pode beneficiar o conjunto da população pobre e dos trabalhadores. A denúncia da tentativa de prisão teve repercussão imediata, e o tenente-qualquer-coisa imediatamente aborda outro camarada nosso: "Não! Veja bem, não se trata de desrespeitar o direito de greve". Bom, é isso que está parecendo... Rapidamente os policiais retrocederam, entregaram contrariados nossos documentos e ouviram calados as denúncias do ataque ao direito de greve, à violência policial contra o povo negro muito bem colocada pela Marcela... Eles também aprenderam uma lição sobre correlação de forças...

Hoje, a greve e o Piquete da Sete deixam uma conquista que vai muito além de um dia de caixa eletrônico fechado; este dia é uma vitória moral destes trabalhadores e da juventude que esteve ao seu lado, saímos do piquete com disposição redobrada de continuar nos organizando a partir de cada local de trabalho e estudo, de transformar nossos pequenos triunfos em grandes exemplos, de lutar contra a polícia, os patrões, os governos e a burocracia sindical!

Todo apoio à greve dos bancários!

Pelo salário mínimo do DIEESE (cerca de R$ 2.700)!

Contratação imediata de funcionários para acabar com as incontáveis doenças causadas nos bancários pela superexploração e acabar com as intermináveis filas que enfrentam os trabalhadores nas agências!

Fim da terceirização nas agências e nas casas lotéricas, onde os trabalhadores são forçados a fazer o mesmo trabalho por um terço do salário! Efetivação de todos os terceirizados sem concurso!

Pelo fim do lucro dos banqueiros à custa de nosso suor! Estatização dos bancos sob controle dos trabalhadores! Crédito barato para todos os trabalhadores e o povo pobre! Fim das taxas absurdas!

Pelo direito de greve! Não à repressão da polícia aos piquetes! Fora burocracia dos sindicatos!

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