Na última quinta-feira, 13-06, o Movimento Passe-Livre (MPL) publicou no jornalFolha de S. Paulo um artigo intitulado “Por que estamos nas ruas”. Este texto, junto a outros materiais e posicionamentos públicos doMPL, leva a um necessário debate com este movimento sobre os rumos da crescente mobilização que vem ganhando as ruas aos milhares, e se tornando o mais importante fenômeno político de massas dos últimos anos no país. Não é possível triunfar sem uma estratégia correta, e nossos inimigos estão bem preparados; devemos discutir abertamente entre nós como seguir com nosso movimento.
Em
primeiro lugar, cabe questionar a posição do MPL diante das
mobilizações: em todos os últimos aumentos de tarifa, este
movimento teve a iniciativa de convocar comitês abertos a voz e voto
para que todos os que participam das mobilizações, bem como as
entidades estudantis, sindicais e populares, e as organizações
políticas, pudessem decidir os rumos do movimento. É verdade que em
nenhum momento anterior se conseguiu massificar o movimento como está
ocorrendo agora, por conta de uma conjuntura política nacional e
internacional bastante distinta. Mas já nestes comitês, em 2006,
2011, se mostraram divergências táticas e estratégicas importantes
para as mobilizações. No limite deste texto, não retomarei todas
as polêmicas que surgiram e que continuam atuais. Coloco esta
questão para apontar o problema fundamental da democracia de base no
movimento. A ligação com as bases, com os que estão efetivamente
mobilizados nas ruas, é um aspecto fundamental para massificar ainda
mais o movimento e para que as distintas concepções políticas, as
distintas propostas e estratégias, possam debater publicamente e
serem colocadas à prova na prática.
Hoje, o
MPL não convoca mais comitês abertos e vem dirigindo o movimento
“por cima”, convocando atos pelo FB e com declarações na mídia.
Na prática, isto leva a que atuem de forma burocrática com o
movimento, como eles próprios corretamente criticaram em muitos
momentos em relação a organizações governistas que levaram a
desvios no movimento impedindo que chegassem à vitória, tal como
foi o caso de UNE e UBES no episódio que ficou conhecido como
“Revolta do Buzu”, quando houve o aumento de tarifas em Salvador
em 2003. O MPL iniciou uma atuação deste tipo quando declaroupublicamente que aceitaria o acordo de “suspensão” do aumentodas tarifas por 45 dias proposto pelo Ministério Público de SãoPaulo, e cancelaria o ato já marcado para a última quinta-feira.
Em
seguida, o MPL publica um texto na Folha de S. Paulo, órgão de
imprensa que só abriu espaço para que este movimento se
pronunciasse colocando apenas as suas próprias posições, graças
aos massivos atos de rua. Depois, são convidados para uma entrevistano programa Roda Viva. Ou seja, mesmo que sejam chamados para falar
“como MPL”, este é um espaço conseguido graças à força da
mobilização, e, assim, deveria expressar as posições políticas
do movimento de conjunto, e não de apenas uma das organizações
políticas que o compõe. E, por fim, e mais grave, o prefeitoFernando Haddad convocou o MPL para uma reunião de negociaçãonesta terça-feira.
Independente
da correção ou não das divergências que apresentamos,
consideramos que a única forma correta de se decidir como proceder
diante do acordo do ministério público, da mídia ou da reunião
com o prefeito é através da democracia de base, em que se expressem
os setores que hoje estão nas ruas, na linha de frente da luta. Por
isto, é fundamental a criação de um comitê com um funcionamento
democrático. Diante da magnitude da luta, um comitê aberto como o
que foi feito nos últimos aumentos não poderia mais responder à
necessidade de organização. É necessário um comitê que
represente as posições das bases, e, portanto, com delegados que
fossem eleitos a partir de discussões em cada escola, universidade,
bairro ou local de trabalho que esteja se organizando para construir
a mobilização. Só assim poderemos nos ligar cada vez mais à
população, aos trabalhadores do transporte e massificar ainda mais
nosso movimento.
Libertem nossos presos! Não há trégua enquanto houver repressão!
A luta deve ir além dos vinte centavos! Tarifa “justa” de R$2,16, “Tarifa Zero” ou estatização sob controle dos trabalhadores e usuários?
Qualquer
um que esteja nas ruas hoje pode dizer que nossa luta não é por
vinte centavos da tarifa. Deter o aumento, que privará uma parte
ainda maior da população de usar o transporte é uma questão
fundamental. Mas a força e massificação de nosso movimento hoje
nos permite ir por muito mais do que isto, além de que a própria
brutal repressão do governo e da polícia transformou nosso
movimento também em uma luta contra a criminalização estatal à
organização política dos trabalhadores e da juventude.
O MPL há
anos defende o projeto denominado Tarifa Zero, criado por Lúcio
Gregori, Secretário de Transportes da gestão petista de Luiza
Erundina na prefeitura de São Paulo. Hoje, colocam como pauta de seu
movimento a demanda deste projeto, sem questionar em seu programa a
questão crucial do controle privado do transporte público, tal como
colocam em seu texto na Folha de S. Paulo: “Por isso defendemos
a tarifa zero, que nada mais é do que uma forma indireta de bancar
os custos do sistema, dividindo a conta entre todos, já que todos
são beneficiados por ele.”. O próprio prefeito Fernando
Haddad disse que não poderia reduzir a tarifa pois isto implicaria
em aumentar o subsídio que a prefeitura desembolsa para as empresas
privadas de ônibus (no ano passado foram R$ 821 milhões), e que
neste ano o reajuste estava abaixo da inflação devido a isenções
fiscais concedidas pelo governo Dilma a estes empresários e ao
aumento do subsídio dado pelo governo municipal. Ora, o que Haddad
está dizendo é que não pode reduzir as tarifas porque se não iria
onerar o orçamento da prefeitura com mais subsídio. A isto o MPL
responde dizendo que “a tarifa deve ser dividida entre todos”
(subsídio de 100%, portanto) e ainda dizem que “Não somos nós
que afirmamos que o aumento está abaixo da inflação sem considerar
que, de 1994 para cá, com uma inflação acumulada em 332%, a tarifa
deveria custar R$ 2,16 e o metrô, R$ 2,59”.
A tarifa
não deveria custar R$2,16 de forma alguma! Só poderia custar isto
se levássemos em conta, como Haddad e MPL o fazem, que o transporte
continuará sendo fonte de lucro para empresários! Se queremos um
transporte que possa ser de fato gratuito, precisamos estar nas ruas
levantando a bandeira de estatização imediata de todas as empresas
privadas de ônibus! Sem indenização e muito menos subsídio para
os empresários parasitas, que ao longo de anos lucraram às custas
de nosso direito ao transporte! O MPL se furta a levantar esta
demanda, e enquanto na última quinta-feira apánhavamos da polícia
nas ruas, Haddad anunciava a uma licitação no valor de R$46,3bilhões para renovas as concessões às empresas privadas por mais15 anos! E o MPL não diz uma palavra a respeito disto, nem levanta
esta demanda em momento algum! Precisamos estatizar o transporte, mas
não queremos que ele fique nas mãos dos governantes corruptos e
suas maracutaias! Quem sabe as reais necessidades de transporte são
os trabalhadores dos transportes e os usuários! Por isto, defendemos
que a bandeira central de nosso movimento seja a ESTATIZAÇÃO SEM
INDENIZAÇÃO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE SOB CONTROLE DOS
TRABALHADORES E USUÁRIOS! Só desta forma podemos lutar de forma
consequente pela bandeira de PASSE-LIVRE PARA A JUVENTUDE, ESTUDANTES
E DESEMPREGADOS! E também pela REDUÇÃO RADICAL DAS TARIFAS!
Da “Tarifa Zero” ao desvio da luta para a "suspensão" do MP
Contudo, o que o MPL tem feito concretamente hoje na luta é muito
aquém da luta pela Tarifa Zero ou até mesmo da suposta “tarifa
justa” que, segundo eles, “deveria custar R$2,16”. Isto porque,
falando de forma ilegítima em nome dos milhares que estão nas ruas,
o MPL anunciou em uma audiência pública que suspenderia as
manifestações caso a prefeitura aceitasse o acordo proposto pelo
Ministério Público de São Paulo de “suspender” o aumento por
45 dias. Com isto, o MPL quer mostrar ao governo e a mídia que vem
nos atacando virulentamente que não são “intransigentes” e
estão “dispostos ao diálogo”. Mas, na verdade, se trata de um
balde de água fria na luta. O MP quer interceder na luta para
desmobilizar os milhares que estão nas ruas e garantir para Haddad e
Alckmin um cenário mais favorável para o aumento. E o MPL, ao invés
de apostar na mobilização independente dos trabalhadores e da
juventude para dobrar o governo, aposta nos acordos “por cima”
com as instituições do regime. Para nós da Juventude às Ruas e da
LER-QI, isto é um grande equívoco: partimos da concepção de que a
juventude e a classe trabalhadora devem confiar apenas em suas
próprias forças, e não dar crédito à “boa vontade” das
instituições do regime, seja o judiciário, o executivo ou o
legislativo. Um exemplo recente que mostra o tamanho do equívoco de
nos iludirmos com estas concessões (que na verdade só são feitas
graças à força do movimento e para tentar desviar nossa luta sem
que ela conquiste suas verdadeiras demandas), é o caso do
Pinheirinho, em que a organização que dirigia as mobilizações em
defesa dos moradores (PSTU), “cantou vitória” antes da hora com
a decisão judicial de suspender a reintegração de posse e, assim,
os moradores foram pegos de surpresa na madrugada pelo contingente
policial.
É para impedir que o MPL ou qualquer outro “representante”
ilegítimo de nosso movimento tente vender nossa mobilização por
migalhas que precisamos de um Comitê democrático, formado por
entidades sindicais, estudantis, organizações políticas e
delegados eleitos em assembleias de base, para que possamos decidir
coletivamente e de forma democrática, pelos que estão na luta,
quais as nossas demandas, quais as nossas táticas e como vamos
negociá-las com o governo.
Um comentário:
Ah, um contato seu seria bom para podermos articular algo!
s.bussi@hotmail.com
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