quarta-feira, julho 04, 2012

Ela não é a pasta de dente

Ontem me peguei pensando que nossa dificuldade em assimilar a morte pode ser um mecanismo de autodefesa. Para suportar uma dor muito grande, dividimo-la em doses homeopáticas a perder de vista...a doer um pouco e sempre todo dia, todo dia, todo dia... Lembrar a cada dia, umas e outras e mais umas vezes. Entender novamente, e lembrar do que vai ficando na memória, do que vai decantando. Pensar mil vezes no significado do que foi dito, do que foi feito...e do que não foi.
Mas nossa mente é estúpida e teimosa, ela quer se apegar a qualquer coisa para não dizer o derradeiro adeus, que nunca, nunca vem pra quem ficou aqui, do lado de cá da morte.
Antes que eu me mudasse da casa dos meus pais, ela deixou um tubo de pasta de dente Colgate, um bem grande. Ela não gostava da pasta de dente que tinha, que ela achava muito fraca, e trouxe uma pra ela usar. Quando me mudei, o tudo de pasta de dente ficou para trás. Há poucos meses fomos lá, estava escovando os dentes, e ela me disse: "nossa, ainda não acabou esta pasta?". 
Pego-me olhando pra o tubo pela metade nos últimos meses, pensando como é triste que ele tenha durado aqui ainda mesmo quando ela já se foi; é assim com todas suas coisas espalhadas pelos cantos. Sua touca pendurada no banheiro; o doce de leite mexicano no armário da cozinha; as camisetas e outros presentes que me deu. Ia escovar os dentes e hesitava em usar a pasta de dentes, um pedacinho da vida dela que ficou para trás, que queria preservar ali, intocado.
E, do alto da minha racionalidade, ainda tenho que repetir para mim mesmo: ela não é uma pasta de dente; ela se foi, e isso daí não é nada. Penso em seu corpo, enterrado, em decomposição. Isto não é ela; ela já não existe, exceto pelo que existe dela em nós. O tanto que ela existe em nós pode ser discutido.
Mas uma coisa é certa: ela não é a pasta de dente. Eu posso escovar os dentes com a pasta e depois jogar o tubo vazio no lixo; ela não estará menos comigo por isso.

Um comentário:

ciola disse...

nossa que post triste, fazia tempo que não lia algo assim tão triste. mas enfim, sobre pensar no passado: as vezes eu me pergunto pra que serve resolver problemas do passado. e a resposta é simples. pra nada, pra absolutamente nada. mas me consolo dizendo, ótimo os problemas do passado já estão resolvidos, agora só faltam os do futuro... enfim, não que haja uma ordem necessária a ser respeitada ou coisa assim...