terça-feira, fevereiro 03, 2009

Sobre Górki

Estou lendo agora a trilogia autobiográfica do Górki.
Terminei o "Infância", em que ele fala sobre suas primeiras lembranças, começando com a morte do pai e a mudança com sua mãe para a casa dos avós. Neste ponto de partida é maravilhoso o modo como Górki já descarta a possibilidade de uma autobiografia enciclopédica com enumeração e listagem de fatos, memórias, e muito blá blá blá digno das páginas da revista "Cult" ou outras publicaçõs tipo "Revista caras para burgueses metidos a intelectual", tal como, infelizmente, a Biografia recém-lançada a respeito de Maiakóvski ("Maiakovski: O poeta da Revolução", Aleksandr Mikhailov, Record, 2008). Ele começa com o ponto de vista próprio da memória infantil, e suas lembranças principiam subitamente no momento fundamental da morte de seu pai.
A partir daí, delinea-se o retrato da sua infância de miséria na família cada vez mais pobre de seu avô, onde os filhos homens disputam tapa a tapa qualquer herança que puderem conseguir de seu pai (incluindo o dote da irmã). A mesquinharia não fica na geração mais recente, e mostra suas raízes mais profundas na figura do avô. A violência absurda de uma sociedade patriarcal, conservadora, e machista, fruto da vida de obscurantismo e opressão a que os personagens estão submetidos cotidianamente, é retratada por Górki de maneira não apenas precisa, mas com o verdadeiro talento de um grande escritor (Górki, sendo quase unanimemente considerado pela crítica como um escritor de altos e baixos, também quase unanimemente tem a sua trilogia apontada como uma de suas melhores criações). Contraditoriamente, são os primeiros choques da criança com este mundo brutal que irão moldar a sua personalidade extremamente sensível, aliada à revolta contra a opressão, traços que fundamentarão a produção literária e a militância socialista que estão na base da vida de Górki. O absoluto horror a certas experiências, por vezes, deixa entrever no olhar da criança os olhos de um homem já maduro, que vê a sua vida infantil com os olhos de um adulto dotado de extrema sensibilidade e já inconformado com a miséria do nascente (porém ainda mais arcaico do que em sua contraparte Européia) capitalismo russo.
São estas passagens, que aliam a vida de miséria da criança e de seu meio com a sensibilidade e a indignação do escritor socialista, que conferem ao livro o seu sentido último. Tal ocorre, por exemplo, quando, ao retornar de um verão no qual trabalhara e viajara como lavador de pratos em um barco e caçador de pássaros, o jovem Aliekséi (Górki), retorna à casa dos antigos patrões:

"Parecia-me que, no decorrer daquele verão, eu vivera uma experiência tremendamente rica, envelhecera e ficara mais inteligente enquanto, na casa dos patrões, no mesmo período, o enfado se adensara ainda mais. Eles adoecem com a mesma frequência, desarranjando os intestinos com a comida farta, contam uns aos outros, com as mesmas minúcias, o evoluir das suas doenças, a velha [mãe de seu patrão e irmã de sua avó] reza a Deus de maneira terrível e rancorosa, como sempre."

Bom, há muito ainda que eu poderia falar sobre os romances, mas ainda nem terminei de lê-los. Vou seguir o método Ciola de tentar falar para os outros para ver se escuto de novo e dizer aqui que pensei diversas vezes como valeria a pena fazer um estudo comparativo entre o "Infância" do Górki e o "Infância" do Graciliano Ramos. Mas aí eu fico pensando se vale a pena e para que eu faria isto e começo a me questionar sobre a validade da crítica literária no mundo em que vivo e blá blá blá até que a perspectiva do tal estudo some completamente.

Ciola: vou consertar o "afundar", senhor piadista, mas não vou remunerar seu serviço barato de revisão de texto. Quanto ao livro, foi mal, eu li pra caralho nestas férias e acabei deixando justo ele de canto. Mas você pode compreender né? Há tanta coisa que eu preciso ler, e um cara com o qual eu já não tenho tanto acordo logo de cara é pouco tentador. Entretanto, acho importante ler os teóricos que discordo (visando principalmente os objetivos expressos há uns dois posts atrás) e já te prometo de antemão (sua tática, novamente) que vou ler e escrever algo a respeito dele.

2 comentários:

Anônimo disse...

demorô

Anônimo disse...

demorô