domingo, julho 22, 2007

O ar gelado atravessou sua garganta rasgando. Ela engasgou-se consigo própria e, na surpresa de se descobrir falível, tropeçou em seus próprios pés, esborrachando-se no chão e rolando. Sem tentar impedir a si mesma, sentiu seu corpo arrastar-se pelo asfalto com o impulso que havia ganhado nas largas e desesperadas passadas que havia impulsionado. Sentiu as dores arrastando-se pela noite, embriagando-se de confusão e mágoa, rolando pela terra úmida que emoldurava a estrada.
Uma vez terminado o impulso, deixou o peso de si mesma jazer sobre o chão, que se reentrava na sua consciência aos poucos. Pesava sobre o mundo, sentindo a respiração resfolegar-se para dentro e para fora, com o barulho ensurdecedor de quem não quer ver nem lembrar nada. Corria, ainda. Se não com as pernas, com tudo que lhe sobrava fora isso. As dores, enfim, começaram a despontar em seus ferimentos. Sentiu as gotas principiantes se arriscando sobre seu corpo, ouviu-as espatifando-se perto de seus ouvidos. Olhava para cima, vendo as estrelas que já nem se lembrava de existirem. Suas dores, começou a sentir-pensar, vinham todas daqueles pontos brancos flutuantes na negridão do universo. Eles entravam na sua carne como facas quentes, penetrantes. Era o alívio de quem não precisa repousar a consciência em uma dura cama de angustias. Era a liberdade de quem entrega seu corpo à caçada de si mesmo, correndo por caminhos de desencontrar-se a si mesma.
Sentiu a dor das estrelas em sua carne transformar-se em novo impulso, levantou-se de um pulo e reiniciou a corrida, desta vez abandonando por completo a estrada asfaltada. Seguia através dos obstáculos da relva, como um animal acossado pelos faróis violentos de um carro. Ignorava a beleza de seu sangue vermelho tingindo as plantas ignorantes e humilhadas da beira da estrada. Queria gritar, mas não sabia como. Os gritos, sabia sem saber, já haviam sido por demais gastos. Seu fôlego agora pertencia a outras coisas, pertencia aos passos que se desenhavam instintivamente. E ela precisava criar um caminho que não era seu, que estava além de suas pernas, além de seus pulmões. Precisava saber que a vida precisa do irracional, dos animais enraivecidos que correm sem olhar para trás, sem saber o que há em sua frente. Ela precisava livrar-se de si mesma como se nunca tivesse surgido alguma daquelas oportunidades cinzas das noites da cidade. Aquelas em que olhava para si mesma e pensava, ainda com as marcas de ter crescido e se educado, em como tudo aquilo já havia consumido por demais tudo o que poderia ser. As oportunidades haviam tornado-se desesperanças, haviam assumido as cores envelhecidas das estátuas, estanques em um passado intransponível, imutável. Ela pensava, nestas noites, que só poderia ser tudo aquilo que já havia feito.
E era por isso que agora corria com a força de quem quer ser outra. Com a força de quem, por tanto pensar, já sabe que o caminho do novo passa pela violência, pela agressão desmesurada a si mesmo e àquilo que se ama. Queria odiar tudo aquilo que a havia feito ser o que era. Queria livrar-se de todas as cargas semânticas usadas, apodrecidas. Queria reinventar sua língua, esmagar a massa encefálica mofada com um martelo pesado de bater carne.
Ela era autofagia e fuga. Reconstrução e morte. Tinha medo e, conseqüentemente, esperança. Jogava as palavras de seus pensamentos contra a grade de sua consciência. Quebrava!

Um comentário:

Anônimo disse...

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