As
ideias dominantes de um tempo foram sempre
apenas
as ideias da classe dominante.
-
Karl Marx e Friederich Engels, Manifesto
do Partido Comunista.
O
que queremos, de fato, é que as ideias voltem a ser perigosas.
-
Frase dos estudantes franceses nas lutas de maio de 1968.
Centenas
de milhares estão nas ruas por todo o país. Dobramos os governos do PT , PSDB e
PMDB, e revertemos o aumento das tarifas em dezenas de cidades. O “povo”
acordou. As aspas estão aí porque para entendermos o que está acontecendo, é
preciso compreender de que povo estamos falando. Só assim podemos saber para
onde nosso movimento vai, e inclusive tentar influenciar os seus rumos.
Nós,
marxistas, analisamos as coisas a partir de suas condições materiais de
existência: ou seja, tentamos entender como as ideias que surgem estão
relacionadas às condições concretas de seu surgimento, as circunstâncias
históricas que motivaram sua existência. Neste sentido pensamos também o
“povo”: entendemos que a população da nossa sociedade é marcada, entre tantas
coisas, por uma divisão fundamental: as classes sociais. As pessoas pertencem a
uma ou outra classe social conforme seu papel na produção de tudo o que existe
em nossa sociedade, ou seja, conforme as condições materiais de sua existência.
E seus objetivos, seu modo de ver e pensar o mundo, estão sem dúvida bastante condicionados
a isto (ainda que existam mil e uma outras influências que podem ser também determinantes).
Desde que
existe o capitalismo, são duas as classes fundamentais da nossa sociedade,
cujos interesses estão em oposição. Há os que vendem a sua força de trabalho
para um patrão em troca de um salário: estes pertencem à classe trabalhadora,
ou proletariado. E há os que são patrões, que empregam a força de trabalho de
outras pessoas e em troca lhes dão um salário, ficando com a maior parte do
resultado do trabalho de seus empregados (lucro): estes são a burguesia, a
classe dominante em nossa sociedade do ponto de vista tanto político quanto
econômico. O interesse da burguesia é manter a sociedade tal como ela é, para
assim manter seu lucro e sua exploração sobre os trabalhadores; já o proletariado
só pode se libertar de sua própria exploração acabando com o capitalismo e
colocando a produção social como um bem coletivo. Entre estas duas classes
fundamentais, há um meio termo nada desprezível numericamente de pessoas que
trabalham “por conta própria”, sem vender sua força de trabalho para um patrão
mas também sem explorar o trabalho alheio. A estes chamamos de pequena
burguesia, e incluem desde profissionais liberais como médicos e advogados,
passando por camelôs e donos de pequenos negócios, até pequenos agricultores.
As multidões que saem às ruas hoje nos protestos não são homogêneas em sua
composição de classe, e incluem tanto a classe trabalhadora como a
pequena-burguesia, que por conta desta diferença de classe têm interesses
distintos nas manifestações. Algumas consequências disto foram bem tratadas no texto de Iuri Tonelo. Nós, marxistas,
tomamos partido da classe trabalhadora no conflito que existe entre as classes
sociais, pois entendemos que a dinâmica de nossa sociedade coloca como tarefa
desta classe dirigir a luta contra esta sociedade de exploração e miséria,
libertando a si própria e ao restante da humanidade.
O
objetivo deste texto é tentar abordar algumas das principais ideias que têm
surgido nestas manifestações, não apenas em consequência da heterogeneidade de
classe dos manifestantes, mas principalmente porque carregam muito do senso
comum que se forjou na geração que hoje está nas ruas. Uma geração que não viu
revoluções. Algumas destas são as ideias que aprendemos com nossas famílias,
nas escolas, na televisão, nos jornais. Enfim, são as ideias dominantes da
nossa sociedade, e que são transmitidas pelas instituições sociais criadas e
controladas pela burguesia; e por isto transmitem valores que, de uma forma ou
de outra, atendem a seus interesses. Por isto, mesmo os trabalhadores são
educados com valores contrários aos seus próprios interesses, com os mesmos
valores de seus patrões que vivem de explorá-los. O objetivo aqui é abrir um
debate franco com muitos dos que carregam algumas destas ideias, para discutir
como elas podem – muitas vezes ao contrário do que desejam aqueles que as
defendem – significar um atraso para o movimento que sai às ruas querendo lutar
por uma sociedade melhor. Na verdade, justamente porque algumas destas ideias
defendem os interesses dos patrões, muitas vezes elas são pontos de apoio
dentro das manifestações para o conservadorismo de tudo aquilo que estamos
querendo combater. Não à toa, são incentivadas pela imprensa, que por ser de
propriedade da burguesia, expressa as ideias que são do interesse dela.
“Verás que um filho teu não foge à luta”
Os
comunistas diferenciam-se dos demais partidos proletários apenas pelo fato de
que, por um lado, nas diversas lutas nacionais dos proletários eles acentuam e
fazem valer os interesses comuns, independentes da nacionalidade, do
proletariado todo (...)
-
Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista
As
bandeiras do Brasil, as caras pintadas de verde e amarelo, centenas cantando o
hino nacional ou músicas e palavras de ordem que expressam orgulho de ser
brasileiro. Todos vimos muitas cenas como estas em todos os protestos. Mas,
qual o problema de levantarmos com orgulho a bandeira de nosso país? Bom,
depende da circunstância.
As
nações não existiram sempre, são uma invenção relativamente recente na história
da humanidade. Elas surgem junto com o domínio político da burguesia, que, para
facilitar suas transações econômicas, precisava de uma unidade monetária,
alfandegária, linguística, territorial, bem como de uma organização unificada com
leis e forças armadas (Estado) para defender seus interesses contra outros
burgueses na competição por mercados. Contudo, mais do que um simples
território unificado, a ideia de nação passou a servir como uma forma de
identidade de um povo, mas não uma identidade qualquer: o fundamental para a
burguesia na ideia de “nação” é fazer com que a classe trabalhadora, a quem ela
explora cotidianamente, veja em seu patrão e carrasco que lhe arranca o couro e
lhe dá um salário de fome, um “irmão” ao invés de um inimigo de classe. E no
trabalhador que sofre a mesma exploração que ele em outro país, um “inimigo” ao
invés de um irmão de classe. Assim, os trabalhadores se sentem mais propensos a
se juntar àqueles que os exploram para defender os interesses destes contra
seus irmãos trabalhadores de outro país, e isto aparece disfarçado sob o manto
do patriotismo. Como se o trabalhador estivesse defendendo o interesse da nação
(e, assim, dele mesmo) e não o interesse de seus patrões.
É por isto que o que Marx e Engels diziam em
1848 continua valendo até hoje: “Aos comunistas tem, além disso, sido censurado que querem
abolir a pátria, a nacionalidade. Os operários não têm pátria. Não se lhes pode
tirar o que não têm. Na medida em que o proletariado tem primeiro de conquistar
para si a dominação política, de se elevar a classe dirigente da nação, de se
constituir a si próprio como nação, ele próprio é ainda nacional, mas de modo
nenhum no sentido da burguesia. Os isolamentos e as oposições nacionais dos
povos vão desaparecendo já cada vez mais com o desenvolvimento da burguesia,
com a liberdade de comércio, com o mercado mundial, com a uniformidade da
produção industrial e com as relações de vida que lhe correspondem. A dominação
do proletariado fá-los-á desaparecer ainda mais. A unidade de ação, pelo menos
dos países civilizados, é uma das primeiras condições da sua libertação. À
medida que é suprimida a exploração de um indivíduo por outro, é suprimida a
exploração de uma nação por outra. Com [a queda da] oposição das classes no
interior da nação cai a posição
hostil das nações entre si”.
Ou seja, o interesse histórico da classe trabalhadora por uma
humanidade livre, de acabar com a exploração do trabalho e de um homem por
outro, passa necessariamente por acabar com a divisão entre países, que só
serve aos burgueses e às suas disputas. É por isto que um dos princípios
fundamentais do comunismo é o internacionalismo, o entendimento que a luta dos
trabalhadores brasileiros é a mesma luta dos trabalhadores de qualquer parte do
mundo e, assim, devemos nos apoiar mutuamente. Por isto que defendemos a
solidariedade ativa às lutas do povo egípcio, sírio, líbio, turco, grego e
outros contra seus governos que os reprimem, pois quanto mais fortalecida
estiver a luta deles, mais estará a nossa e vice-versa.
Contudo, nem sempre o nacionalismo possui um sentido conservador,
tal como no caso da burguesia que reivindica sua pátria para arregimentar os
trabalhadores para se colocar contra os trabalhadores de outro país. Como disse
o revolucionário marxista Leon Trotsky: “Quando
o pequeno camponês ou o operário falam de defesa da pátria, falam da defesa de
sua casa, de sua família e da família de outrem contra a invasão, contra as
bombas, contra os gases asfixiantes. O capitalista e seu jornalista entendem
por defesa da pátria a conquista de colônias e mercados, a extensão, pela
pilhagem, da parte ‘nacional’ da renda mundial. O pacifismo e o patriotismo
burgueses são mentiras completas. No pacifismo e no patriotismo dos oprimidos
há um germe progressista que é necessário saber compreender para daí tirar as
conclusões revolucionárias necessárias. É necessário saber dirigir estas duas
formas de pacifismo e de patriotismo uma contra a outra.”
Por isto, não é possível concordar com os que jogam em um mesmo
saco de “fascistas” todos os que levam um sentimento nacionalista para um ato
de rua. Se é verdade que há aqueles que neste nacionalismo carregam o germe do
reacionarismo e mesmo grupos fascistas, também há milhares que reivindicam um
sentimento progressista de que as demandas populares devem ser conquistadas nas
ruas pelo “povo brasileiro” organizado, em contraposição às instituições
apodrecidas do regime político burguês. Ou seja, é, contraditoriamente, uma
forma de contrapor o “povo” ao Estado burguês (como dizia uma pichação na Avenida Paulista: “até quando o governo será contra o povo?”). Contudo,
mesmo este sentimento progressista dos que levam nas bandeiras do Brasil as
suas demandas por mais investimentos na saúde e educação, abre um espaço para
que o nacionalismo junte em um mesmo saco os manifestantes que querem um Brasil
“mais cívico e ordeiro” e aqueles que defendem sair às ruas e lutar de forma
independente contra a polícia e os governos. O sentimento nacionalista é
facilmente capitalizado pela direita e pela burguesia. É assim que discursos
como os de Dilma se aproveitam deste sentimento nacionalista para tentar botar
“panos quentes” nos protestos. Por isto, é necessário explicar pacientemente
aos que reivindicam o sentimento nacionalista o porquê de nosso combate a ele.
Contra a corrupção
O moderno poder de Estado é apenas uma comissão
que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa
.
-Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista
É inegável que dentre as
inúmeras pautas que passaram a ser levantadas nos protestos, a do combate à
corrupção é uma das que tem grande peso e destaque (em particular nos atos centrais
onde predomina a pequena-burguesia). Isto não apenas porque é, de fato, uma das
mais levantadas pelos manifestantes oriundos da pequena-burguesia, mas também
porque tem um respaldo inclusive entre a classe trabalhadora, e ainda porque a
mídia burguesa faz questão de dar mais destaque a esta pauta do que a outras.
Isto ocorre porque a pauta da corrupção é bastante ampla, difusa, e por isto
pode facilmente ser capitalizada também pela direita burguesa. Exemplo
expressivo disto é o vídeo
de Flávio Bolsonaro, representante da camada mais reacionária da política
brasileira, que diz – entre tantas baboseiras e mentiras deslavadas – que “o PT
é o partido mais corrupto do Brasil”, e que “este protesto tem que continuar nas
urnas”. Ou seja, Bolsonaro procura canalizar a revolta das ruas para eleger os
representantes mais de direita da burguesia nas eleições de 2014. O que
Bolsonaro quer ocultar em seu discurso é que, se o PT é comprovadamente um
partido cheio de escândalos de corrupção, como mensaleiros, sanguessugas, entre
tantos outros, o PSDB, o DEM e todos os partidos do regime tem suas mãos sujas
com a lama da corrupção. É necessário entender que a corrupção é inerente ao
sistema capitalista e a todos seus regimes de governo.
O combate à corrupção é uma
pauta legítima, que canaliza uma grande revolta contra os governos e mesmo contra
o regime e os partidos da ordem, e faz muito mal a esquerda que julga esta
pauta como “de direita” e deixa para Veja, Bolsonaro, Estadão a sua reivindicação.
O fundamental é justamente desmascararmos estes canalhas reacionários que se
colocam como “arautos da ética”, chegando à raiz deste problema. E a questão
não é de governo ou mesmo de regime, mas sim do Estado burguês. É necessário
compreendermos que enquanto tivermos um Estado a serviço de uma classe parasita
e exploradora, a corrupção será inerente a ele. O PT, que por décadas procurou
ser o partido da ética, hoje justifica sua corrupção dizendo que é necessário
sujar as mãos para fazer política. Esta ideia tornou-se senso comum, e por isto
muitos manifestantes afirmam que seu protesto “não é político”. Temos que
combater a ideia de que a política institucional da burguesia seja compreendida
como a única forma de fazer política. É necessário disputarmos aos olhos das
massas e dos trabalhadores a necessidade de fazermos uma política
revolucionária, que acabe com a corrupção da única forma possível: acabando com
o sistema que lhe dá origem e sustentação.
Esta disputa entre uma política institucional ou revolucionária não
é nova, e esteve presente também na
própria história do PT, que surgiu do movimento das greves operárias do final
dos anos 70 e início dos 80 do século passado, e que eram sim muitíssimo
políticas e com um forte potencial revolucionário. Dentro do PT, contudo, uma
ala influente dirigida por Lula procurava fazer de tudo para separar o “sindical”
do “político”, dizendo que as greves não eram contra a ditadura mas apenas por
salários (escondendo que o arrocho era fruto da política dos militares),
separando as lutas por regiões, por fábricas, por ramos da indústria. Um pouco
desta história pode ser conhecida aqui. Isto é exatamente o contrário do que propõe o marxismo. Um dos
principais dirigentes revolucionários marxistas, Lenin, afirmava que o papel
dos revolucionários é atuar em cada pequena luta sindical, elevando o patamar
destas à luta política contra o regime. Marx e Engels também afirmaram que “Os comunistas diferenciam-se dos demais
partidos proletários apenas pelo fato de que (...) nos diversos estágios do
desenvolvimento pelos quais a luta entre o proletariado e a burguesia passa,
representam sempre o interesse do movimento total”. Ou seja, uma luta
salarial representa um interesse particular e legítimo dos trabalhadores, mas é
necessário que entendamos que o que ganhamos em uma luta salarial hoje, a
inflação e o arrocho salarial comerão dos salários amanhã. Por isto nossa luta
deve olhar para o todo.
Assim, a linha política que hegemonizou o PT com a ala de Lula,
Genoíno, Zé Dirceu, Suplicy e outros que defendiam a via parlamentar de
mudanças, só pode servir ao interesse da burguesia, de isolar as lutas dos
trabalhadores para manter seu domínio político. A única política que pode
servir aos interesses da libertação dos trabalhadores e, consequentemente, de
toda a humanidade, é uma política revolucionária que seja feita nas ruas, nas
barricadas, nas greves, nos instrumentos de auto-organização dos trabalhadores
e das massas para que, a partir desta organização, possamos derrubar este
Estado corrupto e corruptor da burguesia para colocar no poder os
trabalhadores.
Esta lição foi ensinada pela primeira vez pelos revolucionários da
Comuna de Paris, em 1871, quando os trabalhadores tomaram o poder pela primeira
vez, derrubando o governo em Paris e elegendo seus próprios representantes
entre eles. Estes não ganharam salários imensos e desfrutaram de privilégios
como nossos parlamentares, juízes e governantes. Ganhavam o mesmo que um
trabalhador comum e seus mandatos poderiam ser revogados a qualquer momento.
Nem tinham dezenas de cargos comissionados com salários altíssimos. Não havia
um “presidente” ou “prefeito”, mas um governo composto por todos estes
representantes. O nível de privilégio que tem os parasitas de nosso congresso pode
ser visto neste
artigo de Leandro Ventura. Se hoje os partidos
burgueses propõem uma miserável “reforma política” plebiscitária, nós devemos
dizer que nossas demandas para acabar com os privilégios e a roubalheira dos
empresários e políticos e democratizar o país não cabem nas perguntas de um
plebiscito montado por eles mesmos! Queremos uma Assembleia Constituinte Livre
e Soberana, com representantes eleitos nos locais de trabalho e na qual todos
possam se candidatar, para fazer uma reforma radical deste regime e acabar com
todas as negociatas entre os políticos burgueses e os empresários! Só assim
podemos acabar com a corrupção de fato.
“Sem
partido! Sem partido!”
O pior analfabeto é o analfabeto político. (...)
Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.(...)
Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política,
nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista,
pilantra, corrupto
e lacaio das empresas nacionais e
multinacionais.
- Bertolt Brecht, O Analfabeto Político
O
rechaço aos governantes e a seus partidos tomou uma face distorcida em muitas
manifestações, com pessoas que gritavam “sem partido” a organizações de
esquerda e dos trabalhadores. Como dissemos acima, o rechaço aos partidos que
constituem este regime apodrecido é mais do que justo, pois são eles que mantém
esta ordem de uma sociedade miserável em nome do lucro de poucos. Mas é
fundamental colocarmos um critério em nosso rechaço, ou se cometerá uma enorme
injustiça aos principais aliados dos que lutam nas ruas por mudanças profundas
na sociedade. Um partido nada mais é do que uma forma organizativa, um grupo de
pessoas que se aglutina coletivamente para poder atuar politicamente na
sociedade. Esta forma organizativa pode ser preenchida com conteúdos sociais
muito distintos, que sem dúvida se expressarão na forma como este partido se
organiza também. A burguesia se agrupa em diversos partidos para disputar seus
interesses na sociedade, mas, sendo estes partidos representantes desta classe
parasitária, nunca nenhum deles poderá representar os interesses dos
trabalhadores e da população mais pobre. São os partidos que representam
interesses de banqueiros, de empresários, que não apenas se candidatam por
estes partidos (como o ex-vice-presidente José de Alencar, grande industrial
cujas relações com o poder lhe garantiam negócios privilegiados) mas também
financiam suas campanhas para garantir seus interesses. Em geral são regidos
por alguns grandes “caciques” representantes de oligarquias regionais e frações
da burguesia, como Sarneys, ACMs, Malufs, Calheiros, Collors...ou por caudilhos
que por terem grande destaque abafam toda a democracia interna de um partido em
nome de seus acordos com este ou aquele setor da burguesia, como é no caso de
Lula.
Se
a burguesia se organiza em partidos para lutar por seus interesses, é porque
reconhece nesta forma uma grande eficiência de organização. Por que os
trabalhadores, que querem lutar pela derrubada deste sistema, não deveriam
também se associar para fazer sua política nas fábricas, nos bairros operários,
nas escolas? A sua política, contudo, não é e nem pode ser a mesma da
burguesia. Os partidos burgueses disputam e fazem acordos entre si para
abocanhar um pedaço deste regime apodrecido e corrupto. Os trabalhadores devem
se organizar em partidos para uma política revolucionária, que possa acabar com
este Estado corrupto e corruptor. Nem a sua forma organizativa pode ser a
mesma, com alguns “donos” do partido e muitos braços ou funcionários. Os
trabalhadores que se organizam em um partido que lute pelos interesses de sua
classe não o fazem por quererem privilégios ou por ambições pessoais, mas sim
porque sua compreensão política dá um salto e ele passa a ver que a miséria de
sua própria vida não é individual e nem se pode acabar com ela individualmente,
mas que é necessário se organizar unificadamente com seus companheiros de
classe com uma estratégia para mudar a sociedade. Por isto, os partidos
operários devem prezar sempre pela mais ampla democracia interna, para que as
bases do partido tenham controle sobre seus dirigentes. Defendemos o princípio
formulado por Lenin, denominado “centralismo democrático”, que foi sintetizado
com a seguinte máxima de garantir a mais ampla democracia na discussão e a mais
estrita unidade na ação.
Por
isto, quando alguém se revolta contra um partido ou uma organização operária,
está na verdade combatendo um aliado contra este sistema. Os partidos operários
não são o mesmo que os partidos burgueses, e não devem ser tratados da mesma
forma. Mesmo a juventude e os trabalhadores que não se organizem em partidos
devem entender e respeitar os que se organizam como seus aliados, e tratar as
eventuais diferenças políticas a partir de debates de ideias, que são
saudáveis, necessários e ajudam o movimento em seu conjunto a avançar, mas devem
saber que a luta contra os governos e os partidos burgueses é uma meta em
comum.
Há,
evidentemente, confusões que podem surgir nesta distinção entre partidos
burgueses ou partidos operários. O PT, por exemplo, leva a palavra
“trabalhadores” em seu nome. E, de fato, surgiu como uma organização dos
trabalhadores a partir de suas greves e mobilizações. Contudo, o setor que o
hegemonizou, como dissemos antes, foi o de Lula, que apostava justamente na via
institucional de disputa da política a partir das eleições, dos cargos, das
comissões, dos financiamentos privados. Conforme o PT se aprofundou neste
caminho, ele foi progressivamente deixando de lado qualquer vestígio de
política operária. Destruiu qualquer vestígio de democracia interna, acabando
com os comitês de base, tornando seus dirigentes sindicais em burocratas bem
remunerados e em conluio com os empresários, e alçando Lula cada vez mais como
um grande caudilho que manda no partido. Associou-se aos grandes burgueses e
aos partidos que os representam. Com sua ascensão ao poder do Estado como
governantes no poder executivo, reprimiram energicamente a mobilização
independente dos trabalhadores, já na gestão Erundina na prefeitura de São
Paulo reprimiram greves de motoristas de ônibus, por exemplo. Hoje, enviam a
Força de Segurança Nacional para reprimir greves nas obras do PAC, assassinar
índios, reprimir manifestações no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Por isto
que para os marxistas a prática é o critério da verdade: de defesa dos trabalhadores,
no PT só sobrou o nome. Não é este partido que deve estar ao nosso lado nas
manifestações. Ainda assim, contra a direita fascista que os ataque,
defenderemos seu direito de organização. Mas entendemos e apoiamos o repúdio
dos trabalhadores que foram traídos pelo partido que construíram.
O PSOL,
hoje, começa a dar os primeiros passos no mesmo rumo do PT, seguindo uma via de
disputa na política institucional. Seus parlamentares já votaram leis que
retiram direitos dos trabalhadores, como foi o Super-Simples. Já se associaram
com partidos burgueses, como o DEM nas eleições de Macapá. Também seguiram o
curso de elevar figuras parlamentares a caudilhos, como foi com Heloísa Helena,
que hoje se liga a Marina Silva. Não é um partido dos trabalhadores, mas um
partido eclético que tenta aglutinar em seu interior interesses de classe
distintos. Mas mesmo com todos estes problemas, o PSOL possui em sua base uma parcela
de juventude e trabalhadores honestos, muitos dos quais estão nas ruas lutando
ao nosso lado. Seu direito à organização deve ser defendido, sem que por isto
se diminuam as enormes diferenças políticas que nos separam.
Defender a
possibilidade dos trabalhadores e a juventude de se organizarem em sindicatos e
partidos é defender nosso próprio direito de lutar, de nos manifestarmos e de
fazermos frente ao enorme poder de organização da burguesia e de seus políticos
corruptos e parasitas. Sem partidos, nossa organização nunca será capaz de
derrubar os poderosos e seus canhões.
“Sem violência! Sem violência”
Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.
- Bertolt Brecht, Sobre a violência
O que é roubar um banco comparado a fundar um?
- Bertolt Brecht, A ópera dos três vinténs
Desde a brutal repressão policial que ocorreu no ato em São Paulo, no dia 13 de junho, com mais de 250 presos e 100 feridos, o movimento deu um salto. Muitos passaram a apoiá-lo nem tanto pela redução do aumento, mas pela indignação de uma manifestação democrática ser reprimida de forma tão truculenta pela polícia. A partir deste momento, a própria mídia foi obrigada a mudar drasticamente seu discurso, que até então era de condenar de forma unânime as manifestações. A violência policial chocou de tal forma a pequena-burguesia que conforma grande parte da mal chamada “opinião pública”, que os veículos de imprensa foram obrigados a endurecer seu discurso contra a repressão. Ainda que procurassem a todo momento distorcer os fatos, dizendo que se tratavam de policiais “mal preparados” ou de “excessos”, tentando assim maquiar a conduta geral da polícia e fazer passar uma regra por uma exceção.
Para entendermos a polícia, precisamos compreender que, como afirma Lenin em “O Estado e a revolução”, “O exército permanente e a polícia são os principais instrumentos do poder governamental”. Ou seja, a função primordial da polícia, ao contrário do que nos ensinam, não é a de “proteger todos”, mas de proteger a propriedade privada e o Estado. Quando uma mobilização sai às ruas para questionar os lucros de empresários cujos acordos selados com o governo determinam o funcionamento do transporte na cidade, isto está gerando um embrião de questionamento à propriedade privada dos meios de transporte. A polícia e seu principal aliado no campo das ideias – a mídia controlada pela burguesia – farão seu trabalho: reprimir por um lado e deslegitimar o movimento por outro. Exemplo emblemático foi o discurso de Arnaldo Jabor após os primeiros atos, em que ele comparou os manifestantes ao crime organizado. A realidade é que o crime organizado tem muito mais em comum com a própria polícia, e quem lucra com este é a burguesia e os policiais que tem mil e um laços com o tráfico, como mostrou, por exemplo, esta reportagem da Bandeirantes.
A atuação da polícia, contudo, é muito mais repressiva justamente onde a miséria gerada pela burguesia se expressa com maior força: nas periferias e favelas, onde cotidianamente assassinam a juventude pobre e negra. Quando falamos em violência, precisamos, portanto, lembrar que o que há de mais violento em nossa sociedade é a miséria, a fome, a pobreza, as quais o Estado se esforça para manter com suas leis e sua polícia. Perto disto, é perfeitamente compreensível que as pessoas que são violentadas pelo Estado cotidianamente coloquem um pouco de sua fúria para fora de forma caótica quando os atos conseguem minimamente tomar as ruas contra este Estado. Por mais que não concordemos com este método pela sua ineficácia, o que repudiamos não é esta “violência”, mas sim o discurso da mídia burguesa que nada fala sobre Douglas Henrique, jovem metalúrgico morto nas manifestações, mas dá grande destaque a lixeiras reviradas na manifestação. Até figuras da própria mídia, quando não estão com o cabresto que lhes é imposto pelos donos das emissoras, concordam com isto, como vemos nesta entrevista com Ricardo Boechat.
Há que se diferenciar as “violências” dos manifestantes. Não é à toa que quando as manifestações se tornam massivas, o discurso da mídia muda completamente, como vemos nas esfarrapadas “desculpas” de Jabor (na verdade uma tentativa de se relocalizar e ainda “ensinar” aos manifestantes pelo que devem lutar, colocando as pautas de um típico comentarista de direita da globo). A mídia passa a querer criar um abismo entre os “manifestantes ordeiros e cidadãos” e os “vândalos, baderneiros, arruaceiros”. Jogar uma pedra contra a polícia é um embrião de auto-defesa. Conforme a luta nas ruas cresça, esta tendência terá que se organizar e se expressar efetivamente em milícias operárias e populares. Como afirma Lenin: “a sociedade civilizada está dividida em classes hostis e irreconciliáveis cujo armamento ‘espontâneo’ provocaria a luta armada. Forma-se o Estado; cria-se uma força especial, criam-se corpos armados, e cada revolução, destruindo o aparelho governamental, põe em evidência como a classe dominante se empenha em reconstituir, a seu serviço, corpos de homens armados, como a classe oprimida se empenha em criar uma nova organização do mesmo gênero, para pô-la ao serviço, não mais dos exploradores, mas dos explorados”.
Contudo, nem toda a violência é a legítima defesa contra a polícia. Quando se joga uma pedra na vidraça de um banco, é um pequeno protesto contra o saque cotidiano aos trabalhadores que é feito pela burguesia. Quando se faz uma pichação de protesto, é uma forma de colocar para fora uma voz que não tem onde se expressar na sociedade, é uma forma de luta. Mas a depredação caótica de casas, carros populares ou pequenos comércios afeta justamente aqueles que têm motivo para colocar seu ódio nas ruas: estamos atacando a nós mesmos e ajudando a criar um rechaço popular às manifestações ao invés de ganhar mais apoio. Isto não quer dizer que devemos, como nos sugere a Rede Globo ou os comandantes da polícia, entregar os manifestantes que façam isto. Eles podem estar equivocados, mas é um dos nossos, e temos que convencê-lo de seu erro; a polícia, por outro lado, é nossa inimiga, e contra ela devemos estar unidos.
A burguesia não tomou o poder das mãos da nobreza pacificamente, e nunca um tirano deixará seu poder “pela força do diálogo”. Como disse o abolicionista Luis Gama, “todo escravo que mata seu senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Nunca confundamos a violência do opressor com a resistência do oprimido. A nossa violência, dos que são explorados e oprimidos cotidianamente, deve se organizar para resistir aos ataques dos opressores e poder se transformar em força para mudar a sociedade e coloca-la de cabeça para baixo.
Agora é hora de nos organizarmos, avançarmos em nosso programa e nos colocarmos com a classe trabalhadora nas ruas para levar esta insatisfação que explodiu às suas últimas consequências, virando de cabeça pra baixo esta sociedade!