domingo, março 27, 2011

Escrever não basta

Como podemos nos contentar em jogar algumas palavras pra fora, se o mundo permanece o mesmo? Podemos escrever o quanto for e tudo permanece o mesmo se nossas palavras não se transformam em atos. "A teoria se transforma em força material quando penetra nas massas", escreveu Marx há um enorme tempo atrás. O mesmo vale para nossas palavras individuais, mesmo quando escrevemos assim, à toa, como eu faço agora. Lembro de um tempo em minha vida em que isso poderia fazer eu me sentir bem. Agora não está servindo para nada disso. A angustia continua aqui, apertando, dilacerando, consumindo. Ela me paralisa. Torno-me incapaz de procurar saídas, e isso me angustia cada vez mais. Minha mente perde a capacidade de se concentrar, não consigo ler, pensar, refletir. Só consigo escrever este tipo de tolices. A paralisia me torna inerte, a inércia me angustia cada vez mais. Tenho vontade de explodir, de parar tudo, de descer deste mundo, de fugir da vida. Quero sair correndo, quero culpar alguém pelo que sinto, gritar com esta pessoa e arrebentá-la até me sentir bem. Mas não há um culpado. A culpa está em tudo, no mundo, em mim. A culpa está difusa, e não há ninguém em quem bater. As letras estão aí, vão perfilando-se no monitor, escorregando as palavras pra fora da minha mente. Acumulam-se, formam este texto sem nexo, sem rumo, com ódio e cheio de impotência.
A angustia permanece. A perspectiva de que ela não vá embora torna-a cada vez mais aguda. Lembrar-me de todas as coisas que eu deveria fazer torna-a cada vez mais persistente, aguda, penetrante. A lembrança de todas as pessoas engrandece minha solidão. A convicção de que a vida não precisa ser amarga torna cada vez pior o gosto deste momento. Saber que, logo ali, pessoas de todos os tipos, pessoas que amo, estão se divertindo. Estão felizes, completamente alheias à minha dor. Elas são peças da minha dor. Saber que logo ali atrás fui feliz como elas, que a tranqulidade e a paz de espírito não estão assim tão longe. Há um abismo intransponível entre eu e o mundo. Queria falar com alguém, dizer qualquer coisa. Ouvir uma palavra tola de conforto. Queria chorar até não ter mais olhos. Sair da escuridão. Chega.

Para fingir que não estou sozinho

Isto é para fingir que não estou sozinho.

Todos os dias eu entro nas salas de aula. O mundo me ataca, em cada palavra que não é ouvida. Quando me vejo forçado a gritar, a me opor a algum aluno que não quer estar lá. Quando eu corrijo redações de alunos que não terminaram, talvez nunca terminem, seu processo de alfabetização. Quando eu falo de preconceitos que os atacam todos os dias e sou ignorado. Quando eu me vejo tristemente sozinho diante do fato de que não posso fazer meu trabalho. Trabalho nas brechas, nas exceções. Me bato com dores que não posso aplacar.

Saio da sala e minha cabeça se esvazia da tensão, do conflito. Enche-se de angustia. O alvoroço da lugar à solidão. A solidão me lembra do meu desamparo, que torna-se desespero.

Escrevo. Mais uma vez, escrevo para fingir que não estou sozinho. Que em algum lugar diante deste mundo vou encontrar amparo, vou encontrar saídas. Escrevo pois não há mais quem queira me ouvir, não há um abraço pra acolher minhas ridículas lágrimas.

Quando eu vejo o mundo, imenso e impassível diante dos meus patéticos esforços, não há convicção revolucionária que seque minhas dores. Quando encaro minha solidão, afrontando minhas angustias, e não posso sequer verbalizar minhas dores, não há esperança que seque minhas dores.

Procuro, derrotado, minhas antigas muletas. Terapia, remédio, tela de computador. Me amparo onde posso, sigo no escuro. Derrotado. Milito, persisto. Não, eu não vou desistir. Há saída, isto eu sei. Esta certeza não aplaca minhas dores, e elas me tomam. Continuo, tateando no escuro. Será que há quem ouça minha voz?

REM Everybody Hurts